EXU TRÊS SÉCULOS DE HISTÓRIA

A professora Thereza Oldam de Alencar brinda sua terra, sua gente e a historiografia brasileira com a maior prenda que poderia oferecer um intelectual. A história local amorosamente pesquisada e miudamente trabalhada, sem faltar vírgula. Do nascimento da aldeia Brejo do Exu até os dias atuais da cidade mãe do internacional Luiz Gonzaga, do extraordinário Barão de Exu, antepassado da autora e da heroína Bárbara de Alencar, esta avó do romancista José de Alencar. Ora viva! É uma obra para ser lida e tomada como exemplo. Se todos os municípios brasileiros tivessem alguém que seguisse a linha da história local, a História do Brasil alcançaria o nome de GRANDE HISTÓRIA DE UM POVO e justificaria uma biblioteca unificando esse material. Já chego a imaginar, nas minhas exageradas ilusões dos noventa anos, um projeto oficial dessa natureza. Que premiasse e editasse os autores de obras desse gênero. Eu chamaria isso de honrar e glorificar o passado, eternizar os feitos e a grandeza do ontem.

A autora abre o livro com os capuchinhos italianos fundando em 1705 uma missão no Brejo do Exu, para “aldear os remanescentes da tribo Ançu (Nação Cariri) expulsa a partir da margem esquerda do Rio São Francisco pelas interioranas arrasadoras da Casa da Torre dos Garcia D´Ávila da Bahia”. A colonização, que eu cheguei a denominar conquista e massacre, pelos Ávilas no Vale do Rio São Francisco se iniciou em Rodelas, na Bahia, por volta de 1667 a 1669. Em 1671 iniciava-se a catequese na Aldeia dos Índios da Rodela pelo capuchino francês Francisco Doufrant. São apenas 34 anos, que em termos de três séculos pouco representam.

A aldeia dos Rodelas tinha o nome de Corumbabás. O seu cacique liderou e comandou 200 combatentes somados daí até a aldeia da Ilha do Pambu (hoje denominada Assunção). Compunha essa tropa nativa o então denominado Terço do Índio Felipe Camarão, na guerra contra os holandeses que invadiam a região do São Francisco nas Alagoas. Logo a seguir chegaria ao governo e era acolhido o requerimento da Sesmaria dos Índios das Rodelas “que eram muitas”, registra o documento, e se estendiam da foz do Rio Xingu à foz do Rio Salitre. Um tamanho nunca visto antes nem depois. Anterior a essa do São Francisco fora a Sesmaria de Jacobina oferecida aos sobreditos Ávilas. A distribuição e apropriação da terra no Brasil é torta de nascença e nenhum governo até hoje – império e república se dispôs a enfrentar e coibir a imoralidade. O avanço dos Ávilas para o centro, até Exu, por exemplo, e a muito mais. Do Sobradinho penetram o Piauí até o Rio Parnaíba de onde pendem para terras da Paraíba e Rio Grande do Norte. Subindo o rio, até Carinhanha. Eram sedentos de terras e os representantes da Coroa os protegiam à farta. Pedro Calmon chega a proclamar que o limite dos seus domínios estava na pata do cavalo.

Os capuchinhos franceses demoraram pouco e foram substituídos pelos italianos. Então já havia ocorrido a matança comandada pelo coronel Francisco Dias D´Ávila, segundo do nome, quarto neto do tesoureiro da construção da cidade de São Salvador. Acolitado pelo tio avô, padre Pereira, um sanguinário monstrinho com a sotaina da igreja, extinguia o nativo a tiro de bacamarte. Aos aprisionados degolava. Os padres ainda eram os franceses e acompanhavam os catequizados na guerra aos ditos índios de corso no Salitre/Piauí, logo mais no Pajeú. O pecado da complacência. Sem a presença dos missionários os aldeados recusavam-se a ir à guerra contra os irmãos. E estes cederam. A seguir-se a fase de massacre os padres italianos, sucessores dos franceses, penetraram o centro tentando salvaguardar um grupo de nativos e abriram espaço à cidade de Exu, cuja história tenho a alegria e a honra de ler.

A autora trabalha com tamanho empenho e tanto zelo que não deixa margem a uma complementação, a algum retoque sequer. Alcança fazendas, povoados, igrejas e capelas, esmiúça eleições, bem-querenças e malquerenças, a administração boa, regular ou má de cada prefeito desde o nascimento da cidade ao atual, por sinal presente à rica festa do lançamento. Não esquece as querelas políticas, fenômeno universal que sem esgotar a presença do patriotismo e do amor à causa pública faz simulado, escondido nesse meio o egoísmo, a cobiça e a vaidade do bicho homem.

Registre professora Thereza Oldam de Alencar a admiração e o respeito pessoal e intelectual deste velho poeta contador de causos. E mais, os cumprimentos pelo seu grande trabalho. Muito poucos alcançam o merecimento e o brilho que se fazem presentes em EXU – Três Séculos de História.

João Justiniano da Fonseca.