Das noitadas e da pegação

Das noitadas e da pegação

É de sentimento público que ser atraente faz bem para o ego. Uma massagem gostosa na alma acontece toda vez que sentimo-nos desejados, cobiçados e invejados. Indiscutível tal sentimento de grandeza que nos invade, e sentimo-nos os maiores, deixando no chinelo qualquer tentativa de rebaixar nossas qualidades por parte de terceiros.

Vejo o problema, a partir desse sentimento, quando começa-se apenas a desejar e sentir desejado pelo visual, pela imagem que se tem e se passa. Esse erro homérico tem sido desenvolvido pelas gerações que se sucedem desde os meados da década de 90 do último século.

Guy Debord já vislumbrava a nossa sociedade espetacular em meados dos anos 60 do século passado. Com seu livro ele expõe a sociedade do espetáculo. E entre seus escritos passo um ligeiro pedaço que contribui para minha crítica social:

“Toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condições de produção se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era vivido diretamente tornou-se representação.”

E ainda mais:

“O espetáculo, não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens.”

Saímos hoje nas ruas e principalmente em lugares onde temos agito noturno e vemos que a maioria esmagadora das pessoas quer apenas se divertir. Põe uma roupa condizente com o ambiente, saem para ouvir músicas pré-determinadas (que se não tocarem já tornam a saída menos animada), flertam com outras pessoas do mesmo padrão e acabam ficando ocasionalmente (muitas vezes, frequentemente) com elas.

Mesmo as pessoas ditas, mais evoluídas, que não gostam desse tipo de ambiente nefasto e indecente saem para lugares “alternativos”. Para ver pessoas “alternativas” que saibam conversar, sobre as coisas da moda, música, televisão, e demais assuntos que são igualmente inúteis, não pelo conteúdo, mas pela forma com que são conversados.

Das duas maneiras, e quais mais existirem, os processos são puramente imagem. São devidamente encaixáveis nessa zona de relacionamentos casquinha. Eles se apresentam como jarros sem flores. É puramente casca sem conteúdo. No fim indicando uma pretensão de relacionamentos fugazes. O que difere é a imagem que ele passa. Seja na imagem de animalidade onde homens e mulheres dançam no ritmo de uma música pop e se pegam mutuamente seja na roupagem do ambiente alternativo onde seres mentalmente pseudo-superiores convivem.

Estamos nos esvaindo de nossos recheios em busca da realização da casca. Essa que seja do jeito que for sempre será superior à busca da essência. Já que essa é muito mais complexa, mais lenta e mais trabalhosa de se conquistar, se dominar e se apresentar e amar.

Vivemos em um mundo onde as coisas são rápidas e instantâneas. Inclusive os relacionamentos. Esses que são recheados de inseguranças, desconfianças e demais fraquezas da vida conjugal, justamente pela imagem que se passa.

Antes de avaliarmos o outro avaliamos a imagem que isso irá passar a nossos familiares, nossos amigos ou mesmo as pessoas desconhecidas. Temos a imagem de um relacionamento em nossas mentes, quase um manual mental que nos guia e se algo for diferente da imagem que ele tem está errado. Paramos de avaliar o relacionamento como ele é e começamos a avaliar como ele deve ser.

Esquecemos de que é estar a dois e temos que fazer algo com nosso relacionamento. Relacionamento é igual a sair, comer, ir ao cinema, transar, sair para dançar e demais idealizações do estar junto. Do momento que se fica a dois sozinhos não há graça se não for para fazer-se algo. Qualquer coisa. Essa imagem há de ser quebrada.

Há-se de quebrar a imagem, pois é uma imagem apenas. Se o casal quiser ir ao cinema tudo bem, mas a maioria o faz, porque esse é um programa de namorados. E isso é errado contribui-se para essa cultura imagética.

O que apresentei acima foi apenas um breve exemplo de um tipo de deturpação pela imagem que temos do mundo. Estendendo-se esse pensamento para todos os cantos da vida temos uma idéia do tamanho do problema causado pela valorização da imagem acima dos relacionamentos sociais concretos.

Adiantando um pouco as idéias temos essa cultura dos jovens de sair, beber, ficar e/ou transar na noite, ter aquele relacionamento instantâneo. Que é defendido por alguns como forma de se divertir, entreter. Depois se encaminha para casa, dorme e no dia seguinte está tudo de bem de novo. Sem qualquer preocupação.

Considero extremamente pernicioso tal tipo de comportamento, cada vez mais arraigado a cultura juvenil. Onde adolescentes de quatorze anos promovem festas e acabam em orgias (alguns casos já noticiados ao redor do mundo comprovam isso), onde crianças de doze anos já fumam, tem seu dinheiro e sua vida social agitada.

Essa defesa de que jovens precisam se divertir é válida, mas não do jeito descontrolado que temos atualmente, coisa completamente imbecil. Mas, também, o que esperar de pais que foram criados sem qualquer profundidade e no início dessa sociedade da imagem? Eles não tem concepção de seu estado, e sem bases concretas para educar acabam prolongando seu estado aos seus filhos, e porque não aos seus alunos, já que os professores, mal ou bem, foram educados nessa mesma sociedade.

Eventos como as micaretas baianas que recheiam nossos grandes centros com muita gente bêbada e se “pegando” são o exemplo típico da idealização imagética da diversão, e por isso mesmo deve ser combatida em sua imagem e não no evento em si. Para se divertir precisa-se de um ideal de uma situação ilusoriamente programada para ser como deve ser.

Permeamos nossas vidas com idealizações. Essas que nos são vendidas diariamente. Compre a pasta de dente tal e seja feliz, com um sorriso lindo e uma família perfeita.

Isso é altamente pernicioso para nós assim como nós não nos damos conta e deixamos que a coisa tome esses rumos, já que as manipulações são feitas de formas incisivas e massivas. Muitas vezes nos vencendo pela opressão.

Quem não iria precisar trocar a televisão quando se passa da tevê preto e branca para a colorida? Quem não irá trocar a televisão 29’’ colorida (antes o sonho de consumo) por poderosas televisões de plasma com 42’’? Chegará o momento que seremos obrigados a trocar, já que a tecnologia avança sem pedir licença e sem ser tolhida por um consenso de melhores mentes, dizendo “Não, não precisamos dessa coisa”.

Precisa-se sim! Para ser feliz, com sua família perfeita em um almoço de domingo alegre e divertido.

É essa sociedade que vemos atualmente, na qual os jovens estão cada vez mais enraizados nessa mecânica da imagem. Seria a tentativa válida de tentar mudar nossa forma de ver? Contra quantos milhões de seres há de se ir contra a fim de mostrar que a coisa não está certa? Devemos começar com o nosso próximo, pois ele futuramente será aquele que vai ensinar. E pais que criam pais atualmente, criam seres ainda menos preparados para o mundo, aquele das imagens.

leandroDiniz
Enviado por leandroDiniz em 21/07/2005
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