PEQUENO ENSAIO SOBRE A MENTIRA

Toda mentira tem um lado de verdade; a dificuldade é saber qual: ao que se quer esconder ou ao que se diz. Dito isso, pode-se reduzir essa "dificuldade" a uma, pois, ao se esconder um fato, desse nada se poderá dizer, na medida que uma vez desconhecido, logo dele nada se saberá. O que nos leva, então, que a "dificuldade" só recaia sobre o que se diz e ai instituem-se mecanismos mentais e visuais, posto que ao se dizer algo que poderá ser desmentido, coloca-se o mitômano num certo limbo moral. E numa sociedade baseada nessa Moral que a tudo condena, também não se pode entregar-se cegamente a esse mecanismo, posto que persiste sempre a tentativa de se flexibilizar, utilizando-se de atalhos, como uma espécie de "jeitinho", que acaba colocando para debaixo do tapete algumas menos "graves". Ao sujeito pego em flagrante, não resta outra alternativa senão assumir a invenção ou padecer no desconfiômetro coletivo. E surgem outras questões: primeiro, o que é a mentira senão uma verdade inventada? Noutras palavras, a ideia de mentira não está diretamente ligada a quem fala, pois a sua ideia de "verdade" não tem que ser exatamente a mesma daquele a quem fala.

Sendo a sociedade essa massa "disforme" na medida que nela estão as mais diferentes crenças, opiniões, modos de ver o mundo, não se poderia querer essa uniformização de um princípio que é, tão somente, Moral. Alguns poderão, não sem razão, argumentar que para se viver numa sociedade tem-se que ter o mínimo de regras onde todos possam viver em harmonia. Sim e não. Sim, porque não fosse assim estaríamos, ainda, nos tempos das cavernas e não estamos, felizmente, mais nessa era. Não, porque, ao se considerar, também não sem razão, que qualquer regra pretende adestrar o Homem para comportamentos previamente conhecidos e reconhecidos, penso que a tão apregoada harmonia, princípio fundamental de qualquer regra, ao se deparar com aquilo que não condiz ao estabelecido, entra em choque. E o choque, o curto circuíto, o embate são, ou poderão ser, sinais que as tais regras já não correspondem ao que anteriormente era o oposto da anomia. E para uma sociedade que se pretende extremamente sadia qualquer amostra de "deficiência" deve ser extirpada. Com isso, volto ao começo: se toda mentira tem um lado de verdade, só nos restando saber qual, não deveríamos, então, ao invés de dizermos as nossas crianças "não mente" que é feio, não deveríamos dizer "quem mente" fica feio, pois, de novo, baseado que vivemos numa sociedade narcisista e hedonista, posso garantir que, no futuro, nossos governantes seriam mais sérios e altruístas, e o povo, coitado do povo, não seria obrigado a assistir senador, da tribuna, descaradamente, vomitar as maiores bravatas para, depois, com a maior cara de pau, se descobrir que, aquela nobre excelência, usou do espaço para inventar suas verdades. Me deu nojo. Nojo por saber que nossos representantes agem segundo interesses contrários aos do povo. Nojo por saber que a prática da política, que esses excelsos senhores desempenham, em nada enaltece o cargo a que ocupam. Ao contrário, difundem no ethos coletivo a sensação de que a política é a Arte dos espertos, dos malandros, dos gatunos. Me deu nojo por saber que com tais práticas faltarão recursos na educação, na saúde, nos transportes, enfim, recursos que foram desviados farão com que gerações inteiras não tenham melhores condições de vida. E o quadro que se avizinhará não precisa ser gênio para saber qual será. É isso.