Arcano Místico de Madre Margarida

Por acaso, sabem dizer-me qual foi o primeiro e até ao momento o único Tesouro Regional dos Açores? Quem o fez? E porque o fez?

A sua criadora

Saberia logo que era com ela que queriam falar se ouvisse alguém chamar por Madre Margarida. Os pais haviam-lhe dado no baptismo o nome de Margarida, mas ao entrar para o mosteiro, já então Margarida Isabel, acrescentou Apocalipse ao nome e ficou sendo Madre Margarida Isabel do Apocalipse. Pelo lado materno, pertencia às famílias mais notáveis da Vila, sendo mesmo aparentada às mais importantes da Ilha: aos Arruda Botelho de Sampaio.

Se fosse viva, teria feito 233 anos em 23 de Fevereiro. Morreu, porém, há 154 anos feitos no dia 6 de Maio passado. Viveu na Ribeira Grande: nasceu na Conceição (paróquia de Nossa Senhora da Conceição) e faleceu na Matriz (paróquia da Matriz de Nossa Senhora da Estrela). Foi freira clarissa no mosteiro do Santo Nome de Jesus da ao tempo vila durante trinta e dois anos. Lá entrou e de lá saiu não tanto por vocação mas mais por obediência: como boa filha, obedecendo aos pais em 1800, como boa súbdita de sua majestade liberal, obedecendo à rainha, em 1832. Sempre obediente, mas já somente à sua consciência, fiel aos votos que proferira, assumiu-se como freira até morrer. Senhora de si quanto ao resto, aos 53 anos, mulher de coragem, refez a sua vida de alto a baixo e viveu de modo independente os últimos 27 anos de vida.

Não se conhece outra Madre Margarida que não seja a dos documentos, e a que nos chega, chega-nos algo fragmentada, difusa até contraditória. Com muita cautela, poder-se-ia traçar um retracto provisório: bonita, culta, obediente, corajosa, sensível, inteligente, decidida, influente, cortês e diligente. Mas doente: chegou a sair, em vão, do mosteiro à procura de cura ou alívio para os males que a afligiam.

Sustentava-se do que herdara e do que fazia: recebia uma renda vitalícia em trigo, que herdara por morte da mãe, e vendia panos bordados e flores artificiais.

Que é o Arcano Místico?

Sem se mostrar cem por cento satisfeita com o nome que deu à obra, Margarida chega a admitir outros nomes. Na ausência de explicação para o significado do nome, especula-se que possa remeter para segredo divino revelado através da sua criadora. Seja isso ou outra coisa, é uma História da Salvação na perspectiva cristã católica do século XIX de finais de Trento. Além disso, usa uma linguagem simbólica.

O Arcano Místico, disse-o no testamento e codicilo, trata dos ‘(…) mistérios mais importantes do velho e novo testamento (...)’. Mistérios que ‘(...) compreende [m] as três Leis que o Senhor Deus deu ao Mundo (...)’. Qual a finalidade? Para os crentes entenderem melhor ‘ (...) o dever, a que estamos obrigados, e a escolha que devemos fazer da Lei da graça que por graça nos foi dada (…)’.

O que hoje vemos, é um móvel envidraçado, tendendo para a forma quadrangular, com cerca de dois metros, contendo em três prateleiras noventa e dois quadros. Ao todo terá ‘aproximadamente 3 972 figuras (...)’ (Brasil 2009: 7).

Para além da invulgar monumentalidade da obra, em larguíssima medida, a sua originalidade, reside na composição do material da maioria das suas figuras. Excepto quatro ou cinco do Portal de Belém (74-1(1) (Moura 1999: 232), em barro, o resto constituído à base de farinhas (não se sabe exactamente quais: arroz, trigo), goma-arábica, vidro moído (Ribeiro 1988: s.n.). À excepção de um pigmento com origem na ilha, os pigmentos usados na pintura das estruturas e das figuras são de fora da ilha. As estruturas dos quadros são em vidro, madeira e casca de árvores. Usados em profusão, a compor pormenores, vemos: conchas, musgos, pedacinhos de árvores, entre outros.

A estrutura dos quadros, pode agrupar-se em três modelos: o dos teatrinhos, o das casas de boneca e o dos elementos naturais (montes, campos e cursos de água). A iconografia inspira-se em pelo menos três fontes: a Bíblia canónica (católica), os evangelhos apócrifos (aceites pela hierarquia. Exemplo: vida de Maria e de Jesus antes dos 30 anos), e aquilo que Margarida via e ouvia (gravuras, acontecimentos religiosos e civis). Além dos temas que teve de escolher para fazer uma História da Salvação, alguns dos 92 quadros terão resultado da opção pessoal da autora. Parte até provirá da projecção da sua vida na obra (uma freira com um coração numa bandeja ou uma cena de família desfeita como a dela).

Onde se situará o Arcano Místico em termos artísticos? Na produção de arte religiosa conventual. Ideologicamente, terá a ver com o que era admissível à hierarquia da Igreja Católica, Apostólica e Romana da época.

A Casa da Freira do Arcano

O nome diz do nome que a tradição local fixou e diz do que se pretende alcançar no museu. Testemunha da vida e da obra de Madre Margarida e local de instalação do museu. Como o fazer? Integrando objectos (altar/Arcano/testamento) e transformar uma realidade (o espaço significante da casa e seu contexto espacial e temporal externo) no museu. Tratando ainda testemunhos fora do contexto institucional do museu. Só para dar dois exemplos, as termas das Caldeiras, que Margarida frequentou, ou o que resta da memória física do espaço do Mosteiro onde esteve professa durante 32 anos.

Mário Moura

24 de Julho de 2012

Mário Moura
Enviado por Mário Moura em 27/07/2012
Reeditado em 16/01/2024
Código do texto: T3799897
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