Sobre o absurdo

Suponha que alguém acorde um dia e resolva fazer qualquer coisa absurda; isso parecerá surpreendente, talvez, mas não muito; vemos muitas ações absurdas cotidianamente.

Imagine ainda que, no dia seguinte, a mesma pessoa decida repetir a ação absurda. Bem, isso não chegará a ser surpresa, os absurdos pululam a nossa volta. Mas agora considere a possibilidade de que, dia após dia, a pessoa repetisse o mesmo absurdo, seja ele qual fosse. O absurdo constante se tornaria assim um hábito, uma mania, mas uma mania absurda, mais ainda por ser repetida tão frequentemente.

Parecerá imensamente absurdo que alguma outra pessoa resolvesse imitar a primeira e repetir, ela também, diariamente, a mesma mania absurda do outro. Absurdo dos absurdos, no entanto, decorreria da suposição de que todas as pessoas passassem a executar a mesma ação absurda, dia após dia! Que imenso absurdo, que estranha loucura, que surpreendente disparate seria a repetição constante e desenfreada, por parte de todas as pessoas, de um mesmo absurdo!

Absurdamente, no entanto, qualquer absurdo que venha a ser repetido constantemente por todos será admitido como uma tola e banal ação humana; não apenas uma ação comum, mas, para muitos, necessária, ritualística, uma convenção importante para a vida e a convivência diária.

Suponha agora, absurdo dos absurdos, que não apenas uma, mas que a quase totalidade das ações humanas não possua o menor sentido, consistindo radical e inexoravelmente no mais completo absurdo! Absurdamente, nesse caso, o absurdo extremado nos faria crer tratar-se apenas da normalidade do cotidiano. Podemos constatar, com imensa tranquilidade, que um absurdo tão extremado comporia uma normalidade tão banal quanto a nossa vida cotidiana.

De fato, vivemos o mais completo absurdo, e só me estranha que nos habituemos tanto a ele, a ponto de nem ao menos perceber a constância gritante das ações e fatos absurdos ao redor de nós. Como a normalidade nos cega!

A constatação de vivermos imersos no mais completo absurdo poderia, talvez, nos levar ao desespero: nada mais absurdo! De fato, a percepção da ubiquidade do absurdo à nossa volta consiste em descoberta libertadora: uma vez que não podemos escapar ao absurdo, seria completo disparate ao menos tentar fazê-lo. Resta-nos, portanto, louca e absurdamente, admirar, exultar, sorver, viver o absurdo consciente e alegremente.

A perplexidade gerada pela constatação do imenso absurdo em que estamos imersos, absurdamente, deve nos fazer exultar, deve gerar em nós um sentimento de admiração, uma espécie de reverência pia ao absurdo, à grandeza e brilho com que ele nos atrai tão intensa e constantemente.

Admiremos, reverenciemos, louvemos o absurdo! qualquer outra possibilidade seria ainda mais absurda!