O Pensamento Fracionado

O pensamento não é inteiro, mas sim, quebrado. Por isso, quando cremos pensar, pela ideia que nasce e toma forma, apenas temos uma fração de um prisma, que é bem mais longínquo do que supomos, ditando, desde os movimentos do corpo, até necessidades fisiológicas e outras tantas percepções que a todo momento, o cérebro faz surgir em nossas mentes. Sabemos que vem o desejo, que inspira o que acreditamos ser um ato, mas jamais é só, pois somos caleidoscópicos. A gota de suor que nasce da pele, feito um orvalho de uma órgão-planta que nos reveste ou travesti, é mais um ato que o cérebro faz emanar pelo sentimento de calor que se apossa de nossas emoções, que são a manifestação dessa vontade corpórea que faz nascer em cada, aquela inocência de se acreditar existindo.

Mas, quando o suor escorre, não é apenas o ato de calor que se expressa, em seguida temos a coceira, que é outra impressão, bem como sentirmos o corpo todo molhado, que inunda em ondas de sensações que nos fazem um mar, quase tsunâmico. O cérebro envia os impulsos que fazem o corpo interagir, influenciado por toda a atmosfera que nos cerca e que se comunica conosco. Como fugir do mundo, já que fazemos parte dele? Não fugimos, mas escorremos por ele, nele, assim como ele em nós, a ponto de não sabermos mais identificarmos o que somos e o que ele é. Imaginar-se amando, é saber-se tomado por esse desejo do outro, que é nosso próprio desejo em relação a algo que nos desperta novos sentidos. Como entender esse cérebro que não se entende a priori?

Essa busca pelas sensações, faz com que nos limitemos ao imediato. Parece que isso é, por eu concebê-lo sendo, como se a mente pudesse produzir o múltiplo em um instante. Talvez possa. Mas será apenas um dos tantos múltiplos, diverso de tantos outros que se apoderam de nós, fazendo com que nos demos conta deles, pelo fato da influência, mesmo não sentida em evidência. Criaram, dentro da psicanálise, até mesmo a idéia de inconsciente, com intuito de tentar resolve RO impasse do que escapa à modesta percepção. Jamais daremos conta, pois os processos são de uma variedade que não conseguimos alcançar, o que causa o desespero, por sabermos, ainda sem termos a certeza, e nunca a teremos, que algo, há todo momento, escapa. Um dia, seremos nós os fugitivos, dissolvidos nessa imensidão de um caos, que só é confuso, por não compreendermos suas dimensões. Nas palavras de José Saramago, “o caos como uma ordem a ser desvendada”.

Andando pelas ruas, não sabemos que é aquele que está do outro lado. Percebemos apenas o corpo, talvez mais, se conseguirmos uma conversa, quem sabe estabelecer uma amizade. Mas e todos os outros que estavam ali, assim como, cada mineral, vegetal e outros tantos viventes, microscópicos, bacteriológicos, virais. Só posso amar, se for tudo, porque seria a lógica que nos liga, nessa combinação de partículas que formam uma quanta. As relações se dão em diversos níveis, menciono os chamados ínfimos, subatômicos. Como posso dizer que sei sobre minhas moléculas, sem nem posso lidar com o que um dia fora chamado de emoções. Pareço sempre um coadjuvante, atuando nesse mundo de fortes adereços, em que vejo sem nunca ter me visto. Os outros, que conseguem me enxergar. Através deles, tenho uma impressão disso que talvez seja.

Diante do prato de comida, sinto o aroma que abre o apetite. A língua, ávida por degustar, apreende o que as papilas gustativas conseguem suportar. Vou digerindo, me nutrindo e despejando os dejetos no solo, até que um dia, eu virarei lixo orgânico, após ter sido digerido pelo mundo, nisso que chamamos de vida. Não sou dramático, jamais serei, pois o drama é também uma tragicidade, criada com intuito de explorar esse potencial que move e não entendemos. As próprias questões de gênero, definir alguém como masculino, feminino, são apenas fruto da tentativa de elucidar nossa “ars erotica”. Mas quantas percepções temos em um ato de gozo, já que estamos além de uma genitália, e que mesmo esse órgão, possui todo seu processo de irrigação, excitação, secreção e outras inumeráveis manifestações. Só posso amar uma fração, que é percebida, incompleta, logo, impotente diante do Amor, que invade cada substância, se expandindo em um desejo de tudo por tudo.

Nosso pensamento é fragmentado, o que explica as perdas de memória, a necessidade de breve memorização, que só pode intuir a respeito daquela mínima fração sentenciada como sentida. Nós comunicamos o pensamento com tudo que há, concordo nisso com Nietzsche, não que isso seja um novo descartianismo. Mas concordamos na relação que existe com o mundo, e que o cérebro, interage. Ainda, que não se possa dizer até que ponto, com o que mantém contato. O que equivale, a título de hipótese, apontar nossa relação com as outras estruturas que fazem parte desse mundo que coabitamos. Não devemos crer que exista apenas nossa forma de pensar, pois existem diversas, fazendo com que esse inconsciente, seja outra forma de relação. Deduzir sobre as formas de pensar de outros similares a nós, como mamíferos por exemplo, é algo mais simplório, a nossa dificuldade maior, está em perceber como é o pensar de uma rocha.

Devemos deduzir que toda nossa estrutura molecular é conseqüência de um ordenamento privilegiado, conforme uma teorização de Cogito descartiana, ou que o cérebro é consequência dessas inúmeras estruturações que promovem esse movimento da vida? Deduzindo que o cérebro, tende a ter vindo posterior a isso, ou que poderia existir de outrora, acreditamos que talvez não seja o ponto essencial, já que pode ter sido obsoleto ou passivo de dissolução. Dizer que pensamos, é algo mais próximo da realidade do que afirmar o penso. Porque quando PensAmos, somos remetidos a diversos Amores de Amos que buscam saciar seu desejo em relacionar. Não somos nós apenas os gregários, pois todas as outras coisas estão aí, disputando os mesmos espaços, evidenciado-se em temporalidades que se mesclam em um conflito que não busca solução, pois sua problemática insolúvel é a o grande motivo de sua chamada “existência”.

O trabalho, conforme se criou o conceito, é essa necessidade de problematizar, interagindo com as diversas formas, daí a necessidade do homem em produzir durante uma vida. A própria fome e diversos outros apetites, não passa desse desejo de amar a tudo, porque Amor é a grande forma, que consegue fazer de cada disputa, uma fúria que precisa do outro para fazer a si mesmo. O outro, não é esse que apontamos como da mesma espécie, bem como outra classificações, já que ele é tudo que está aqui conosco. Sim, “amai o próximo como a ti mesmo”, foram as palavras de Jesus, porque o próximo somos nós, assim como nós somos eles. A facilidade de amar o outro é que ele é a causa daquilo que somos, o que caracteriza o não sentido de dissociação, já que ela existe, apenas por uma consequência de ação e reação de uma ato relacional. Mesmo quando acreditamos destruir, apenas transformamos para que possa mais uma vez, criar novas ligações, assim conseguimos aqui está, após tantos outros que se foram e justificando tantos outros que ainda estão por ir.

A grande sacada do pensamento antigo, a título de metafísica, foi ter percebido a multiplicidade, o que acarretou a criação do politeísmo e animismos cultuados. A grande sacada posterior, foi o monoteísmo ter descoberto a ligação entre tudo. Proponho a união de ambos, sabendo que o que existe é múltiplo, mas que essa multiplicidade só existe para compor a necessidade de união. Esse uno que expresso, não se enquadra naquela verticalização que tende a desejar o mais alto possível e acaba sucumbindo, por encontrar-se rígida, margeada por linhas invariáveis e totalitárias. Eis o que chamo de livre arbítrio, a flexibilidade dessa horizontalização, que é ondulante, entreleçante, com fios que criam novelos, com pontos de dobra que promovem verdadeiras quebras, a medida que torcem e retorcem. Como somos consequência, um dia surgidos nesse emaranhado, fica a difícil decifração, até porque, o movimento, faz com que diversas cifras sejam criadas a todo momento, ocasionando infinitas interpretações. Somos um problema sem solução, já que o resolvido estaria condenado ao extermínio, por estar encerrado nesse processo contínuo.

Parece que me rendo ao animismo, quando exponho o sentido de que tudo faça parte de uma espécie de Logos que permeia o que se considera existir. Mas vou ale, exponho outros pontos, como as diversas derivações do nome de deus, pensando, desde o Tetragrama, até a chegada do Shemhamphorasch, com as 72 posições de articulações do nome divino. Vejam que a língua, tenta se articular com essa transformação, o próprio Krishna expõe no Bhagavad-Gita, que por ser tudo que há, não importa o nome que se dê, tudo estará direcionado ao sentido que é dele. Vejam que as dobras desse emaranhado começam a se cruzar, a multiplicidade de nomes bíblicos, aponta esse momento de tensão, não apenas nos referimos a fatos historiográficos, com modelos políticos, econômicos, sociais que se desenrolam em dados momentos e afetam culturas presentes a eles, mas no sentido percebido, que desde os escritos de Hermes Trimegistus, apontam que macro e micro estão unicos por serem o mesmo, não a título de espelho, mas sim de interação.

O choque do pensamento é essa constatação, seres problematizados, inseridos nessa conjuntura problemática. Eis o grande fascínio. Chorar, quando nos emocionamos diante do que nos toca, seja por aquele momento de fragilidade ao se deparar com algo terno, ou a frágil agressão do ódio despejado em lágrimas. Isso é problematizar, como Abrãao diante do problema de sacrficiar ou não, Salomão com a decisão sobre o filho a ser dividido entre as mães, bem como Jesus no deserto sendo tentato, ou Don Juan e seu harém, Corleone a sua família, um povo diante de um voto a candidato, um ditador ao expedir ordens, um soldado a puxar o gatilho, um beijo de amor entre dois amantes, etc. Eis a problematização da vida, estar diantes de inúmeras possibilidades que o livre arbítrio promove, com efeitos impensados que geram o que cremos ser uma causa e o após, que são a inscontáveis, ditas, consequências, que eu chamaria de ComSequências. Somos tudo, logo, reduzidos a nada. O cérebro é mais do que o pensar, bem como os pensares, desenvolvem-se nesse combate de seres de Amo, que se amam e por isso precisam-se multuamente. Não tentemos entender, apenas desfrutemos o pouco que nos é possível dessa experiência.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 04/11/2012
Código do texto: T3969121
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