O SOLDADO E O ÍNDIO - UM DIÁLOGO POSSÍVEL?

Veja bem, meu caro, tupiniquim, não vais sair à solta e maldizer coisas que desconhece. Saibas, meu caro tupiniquim, que desde tempos já remotos, desde seus ancestrais e os meus, nós, as gerações posteriores, nunca que nos demos bem. Vós sabeis, meu caro, tupiniquim, que não foi por nossa culpa, mas somente pela dos teimosos seus antepassados, que nossa luta, desnecessária, acrescento, sempre foi de derramamento de sangue. É verdade que, por nossa divina inteligência, as terra tem mais sangue dos seus antepassados, por culpa deles, que fique consignado, porque vossos ancestrais nunca que queriam dividir a terra conosco. Vocês, não fosse nossa providencial interferência, vocês estariam, até nos dias de hoje, ainda comendo raízes, peixes cruz e mandioca cozida. Fomos nós, reafirmo, fomos nós, com nossa benevolência e docilidade, que lhes ensinamos as primeiras letras, um idioma lindo, o uso de roupas e, o mais importante, fomos nós que lhes mostramos a existência de um único Deus. Antes, vocês tinham tanta coisa para adorar que, acredite, cada entidade divina que vocês adoravam, talvez não saiba disso, não gostando da maneira com que não tomavam posição a qual seguir e adorar, deixavam elas enciumadas. É por isso, que, não fosse nossa sagrada benevolência e dedicação, vocês, ao se converterem a um único Deus, passaram de uma fase dos tempos das cavernas, para uma fase do progresso e conhecimento. Lá vem você de novo com essa de extermínio!? Não, não foi extermínio. O que você ignora é que essa diminuição da sua gente, acredite, já estava prevista. Não acredita? Vou lhe mostrar. Antes da nossa chegada, e olha que foi um dia lindo: mar azul, costa arborizada, pássaros cantando, enfim, a natureza parecia que sabia da nossa chegada. Então, acredite, como ia dizendo, nossa chegada já estava prevista pelo Deus. Era nossa divina missão, levar, nesse caso, trazer, as maravilhas do nosso Deus. Era necessário que todos soubessem do quão Ele é misericordioso, fraternal, justo. Então, era necessário que todos soubesse o quanto nosso Pai é bom e quer seus filhos próximo de si. Assim se deu; saímos lá das terras de Portugal a procura de novos lugares onde poderíamos dividir com nosso irmãos, a sagrada proteção do nosso Pai. Você não poderá negar, mas antes da nossa chegada, vocês nem sabiam o que era um simples espelho. Fomos nós que os trouxemos e lhes demos. Vocês não conheciam a existência de um Deus nem o Paraíso. Quem lhes trouxe isso? Ah, pelo menos admite, que fomos nós. Pois é, meu caro tupiniquim, então não adianta você querer se rebelar; é besteira se rebelar contra Deus. Já lhe disse, e acho que não acredita, mas somos irmãos. Tudo bem! eu sei que moro em melhores condições que as suas, eu sei que muita gente sua foi..., não exterminada, mas diminuída, por um processo natural, que vocês chamam de extermínio. Também sei que as florestas hoje representam menos que vinte por cento do que era antes; era preciso construir casas para todos, sei, ainda, que a fauna, hoje não é a mesma, você precisa entender, que para o progresso certas concessões são fundamentais. Você, meu caro tupiniquim, não entende que não somos inimigos, aliás, essa ideia, partiu de seus antepassados. Fomos tão preocupados com vocês que criamos uma data para celebrar seus antepassados: dia do índio.Você acha que se fossemos tão inimigos assim, criaríamos uma data só para vocês? Ora, meu caro tupiniquim, você não entende, mas nós não queremos nada de vocês. Belo Monte? não, não, não se trata de usurpar suas terras, você, de novo, não entendeu, Belo Monte é um projeto de integração, assim como foi a Transamazônica, a Itaipu, o projeto Random, enfim, não citarei todos os projetos, pois, se o fizesse, você viria que não tem motivos para estar assim triste. Não vê a Funai. Olha que olbra linda; criamos um fundação exclusivamente para tratar dos seus interesses. E o Incra. Que coisa mais maravilhosa. De novo, um órgão criado somente para tratar de coisas que se relacionam a seus interesses. Qual "inimigo", bem frisado, entre aspas, qual inimigo ou invasor, como já até nos chamaram, qual invasor, criaria instituições voltadas exclusivamente para os interesses dos "invadidos", veja bem, aspas novamente, pois, ao contrário do que dizem a nosso respeito, são inverdades. Nós, desde meus ancestrais, quando aqui aportaram, e depois, com a Companhia das Índias, sempre tivemos em mente trazer o que havia de melhor para um povo que vivia, ainda, sob os ditames da pré-história. Extermínio!? lá vem você novamente. Então, meu caro tupiniquim, pode acreditar, tudo, mas absolutamente tudo, que meus ancestrais fizeram foi sempre pensando no bem estar dos seus antepassados; se houve alguma intransigência, foi somente por parte de seus ancestrais. Extermínio!? Acho bom você parar com isso; não adianta, entra século, saiu século, e vem vocês com essa de extermínio, já estou cansando disso. Não vai parar, acho melhor parar, não vai...Atenção batalhão, ao primeiro sinal, atuem como nós treinamos; lembrem-se, contra baderneiros, agiremos conforme as regras estabelecidas como condizentes ao convívio em sociedade. Para uma sociedade que se quer harmônica e saudável, não mediremos esforços, por isso treinamos, dia e noite; nossa obrigação pauta-se pelo cumprimento, irrestrito, das normas votadas, segundo e seguindo as leis, do nosso país. Não vacilemos: contra o inimigo, interno e externo, agiremos com todas nossas forças, para isso existimos, para isso, rebemos polpudos salários, para isso temos o apoio da Igreja, dos políticos, dos meios de comunicação, para isso, temos as escolas. Lembremos: uma nação justa, só se constrói, quando pautada por princípios cristãos, embora, sabemos, nosso Estado seja laico, não nos esqueçamos, desde tempo mais que idos, a Igreja, a sagrada instituição guardiã dos ensinamentos do Cristo, nunca, repito, nunca, renunciou ao seu dever divino. Ela, sabemos disso, foi a mão que inaugurou o nascimento do capitalismo, na medida em que, como quem cativa uma criança oferecendo um saboroso doce, ela, ao ensinar princípios tais como "comerá o pão com o suor do teu rosto", nada mais fez que dizer "o sistema é justo, só não come quem não quer ou não tem capacidade adquiri-lo" ou "não é justo que uns trabalhem pelos outros, por isso, quem não trabalha, não come". Meus soldados, não cedemos, não somos fracos para isso, então, batalhão marche!