Alma, acessório indispensável

Por ocasião da final mundial de clubes, disputada por Corinthians x Chelsea, foi usada uma “bola inteligente” dotada de um chip que emite um apito no relógio do árbitro, sempre que ultrapassa a linha do gol. Isso, para prevenir eventual erro, em caso de lance duvidoso. Nesse caso, um lapso da visão seria comunicado à audição, mediante tecnologia.

Todos os cinco sentidos têm lá seus “scanners” com os quais leem as informações que carecemos. Não raro, a privação de um, acentua o poder de outros, como os cegos, que elevam o potencial da audição e tato, por exemplo.

Entretanto, certas coisas escapam ao domínio sensorial; sendo de outra natureza, demandam um “Scanner” diverso também.

Quando se diz que as aparências enganam, o que se tenciona na verdade, é que nos enganamos, ao atribuir a elas, essência.

Sexto Empírico, um pré-socrático dizia: “Más testemunhas aos homens são, olhos e ouvidos, se eles têm almas bárbaras.” Parece que ele postulava a educação da alma como “acessório” indispensável à leitura dos fatos e caracteres humanos.

Segundo a Bíblia, “O ouvido prova as palavras como o paladar prova os alimentos”; então, ouvir pode ser como colher verdade e mentira, juntas. Como agricultor que passa sementes pelo crivo, para separá-las dos ciscos, precisamos assistência da alma que discerne o que não é dito.

Assim, podemos nos enganar não apenas com as aparências, mas, com os discursos também.

Quando o Senhor Jesus ensinou: “De que o coração está cheio, disso a boca fala”, não advogou o falar como retrato do coração, necessariamente; antes, que as ocupações primazes de nossos corações, hão de permear nossos discursos; mesmo que esses tragam a negação dos males que nos assolam.

O peso acentuado de certo valor, ou; o combate desproporcional de um vício, podem ser, e, não raro são, tentativas de encobrir os males que nos habitam.

Interessante a figura do camaleão, disfarçado na cor ambiente, captura suas presas som sua língua desproporcional e precisa. Assim, muitos humanos, no hábil mimetismo do socialmente aceitável, fazem o discurso correto, mas, por ter línguas mais longas que o normal, mantém a verdade longe, graças a seu espetacular raio de ação.

Em grego o bicho se chama stellion, donde deriva estelionato, que todos sabem o que é.

O scanner dos olhos é imediato, o dos ouvidos, carece ruminar; o da alma quase sempre precisa o concurso das fatos, e, ou, do tempo.

Infelizmente muitas coisas lícitas e boas, tivemos que anular, após ouvir esse tardio “apito”. Coincidentemente o aviso está no cronômetro do árbitro, um marcador de tempo.

Os antigos já diziam lá do seu jeito: “Para se conhecer uma pessoa é preciso comer um quilo de sal junto com ela.” Como não comemos sal puro, isso, demora.

Infelizmente, a dura realidade é que somos todos piores que parecemos, pois, agimos mais ou menos como lojistas que expõem o melhor nas vitrines, e deixam as coisas velhas e feias, nos fundos.

Uma vez que nos falta coragem para assumir plenamente nossos defeitos, ao menos tenhamos a honestidade de não alardear virtudes, afinal, o mesmo Jesus Cristo ensinou: “Aquele que fala de si mesmo busca sua própria glória.”

Tal qual o alfabeto em LIBRAS, que tem o “discurso” não mãos, temos também nós, naquilo que virmos a fazer. Nossas línguas podem ter o vasto alcance de um camaleão,mas, se servem apenas, como naqueles, para que ocultamente ataquemos nossas presas, os bichos que não falam, se avantajam a nós.

“Quando falares, cuida para que tuas palavras sejam melhores que teu silêncio”. Pv indiano.