“Todos diferentes, mas iguais”

“Todos diferentes, mas iguais” - esta frase que, hoje em dia, se tornou slogan em muitas rádios e canais de televisão, dando origem a cartazes, espectáculos e até a canções, não é assim tão fácil de interpretar como ao princípio se presume e também não me parece que seja muito feliz...

Senão vejamos:

Como é que nós podemos ser todos iguais, se nós próprios não somos iguais ao que desejamos parecer?!...

Se me disserem que ao nascer todos nós deveríamos ter direitos iguais… Aí, concordo. - Direitos a uma vida social digna com tudo o que de bom ela comporta: boa alimentação, assistência na doença (igual para todos); instrução (também igual para todos), aproveitando a vocação de cada um e dando-lhe na vida a oportunidade de se poder realizar como cidadão útil à humanidade. Todos merecem o apoio e a consideração de todos, sem xenofobias nem intransigências e, por fim, ter direito a uma reforma decente para poder viver com dignidade até ao fim da vida. Até aqui, tudo bem…"Todos (com cores) diferentes, (é de uma falta de gosto espantosa, chamar a atenção para este facto) mas (direitos) iguais", para qualquer raça humana que exista sobre a Terra. Mas... nós sabemos que isso nunca será possível, pelo menos nas gerações mais próximas… Enquanto os homens sentirem na alma o egoísmo que leva o mundo à divisão social de classes… Enquanto os homens diferenciarem, fotografarem e compararem as diversas cores da tez de cada raça e… enquanto os homens fabricarem armas… isso nunca acontecerá...

Depois de escrever este pequeno trecho estaria concluído o ensaio. Mas… eu quero mesmo é debater a falta de imaginação para esta frase tão pobre e tão ambígua:

“Todos diferentes, mas iguais”

Voltemos ao princípio... e vamos ensair uma nova versão e provar que, afinal, nós somos quase sempre desiguais daquilo que queremos parecer e não somos assim tão diferentes, já que, para mim, ter a tez preta, vermelha, amarela ou branca, não tem significado nenhum. Nós somos criaturas humanas e todos merecemos a mesma consideração e o mesmo respeito, independentemente da nossa raça, credo, ou ideal político. E, quanto à forma fisíca, não há diferença nenhuma entre todas as raças. Todos temos cabeça, tronco, membros e vísceras. E, em todos, o sangue é vermelho e a corrente sanguínia processa-se da mesma maneira.

Portanto...

Todos desiguais, mas não diferentes...

Todos desiguais na maneira de se expressarem, de sentirem, de quererem, de amarem... Razão tinha o poeta Fernando Pessoa o “mais célebre dos escritores portugueses do nosso século e um dos mais célebres de sempre…”, quando decidiu mostrar, através dos heterónimos que inventou, como era tão desigual dentro de si...

Será que dentro de todos nós existem também vários heterónimos?...

Não sofremos, durante a nossa existência, várias mutações e até mesmo durante um só dia, isso não acontece? …Como é que nós podemos ser todos iguais se somos tão desiguais em cada hora, em cada instante?... Se tantas vezes chegamos a duvidar que nos conhecemos e fazemos coisas (tantas vezes disparates), que nunca imaginámos ser capazes de praticar… Chegamos até a duvidar do nosso eu, da nossa capacidade intelectual, da nossa existência…

Numa das suas, “Páginas Íntimas”, diz-nos Fernando Pessoa:

“Não sei quem sou, que alma tenho.

Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo. Sou variamente outro do que um eu que não sei se existe (se é esses outros).

Sinto crenças que não tenho. Enlevam-me ânsias que repudio. A minha perpétua atenção sobre mim perpetuamente me aponta traições de alma a um carácter que talvez eu não tenha, nem ele julga que eu tenha.

Sinto-me múltiplo. Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas uma única anterior realidade que não está em nenhuma e está em todas.

(…) Sinto-me vários seres. Sinto-me viver vidas alheias, em mim, incompletamente, como se o meu ser participasse de todos os homens…”

Não será um pouco isto que todos nós somos e não sabemos definir, nem explicar?…

Muito mais poderia ser dito sobre este tema apaixonante, mas, como um ensaio deve ser pequeno, termino afirmando:

Somos todos desiguais, até dentro de nós… e não somos diferentes…

Para todos, a vida começa ao nascer e termina sempre na morte.

Gisela Sinfronio
Enviado por Gisela Sinfronio em 09/03/2007
Código do texto: T407046