Pensamento Lógico na Opinião de um Escritor

Uma verificação, entre outras, a que são submetidas os que concorrem ao preenchimento das vagas de concursos públicos é a de Raciocínio Lógico.

Logo vêm os matemáticos e dizem que as questões referentes de tal avaliação devem ser tal que cabem a eles elaborarem - como se esta habilidade fosse somente cálculos exatos, fechados e de natureza numérica. Os concorrentes nada interpõem, porque procedem de escolas e sociedades que acham que a Matemática é a ciência primeira ligada à Filosofia – por isto, os velhos professores velhos metiam medo fazendo de seus conteúdos matemáticos os monstros papões dos escolares.

O Pensamento Lógico é muito mais que somação, contas numéricas, exatidão e precisão matemática. Pois é inferência, análise, analogia, abstração para além dos números e das quantidades exatas.

Senão, vejamos o que escreveu aquele que influenciaria o criador da personagem que resolvia os mistérios através do Raciocínio Lógico – Sherlock Holmes -, elementar, de Arthur Conan Doyle. Estamos falando de Edgar Allan Poe que fez a seguinte observação em um de seu contos:

Contesto a aplicabilidade e, portanto, o valor da razão que é cultivada em qualquer forma especial que não a da lógica abstrata. Contesto, em particular, a razão educada pelo estudo matemático. A matemática é a ciência da forma e da quantidade; o raciocínio matemático é simplesmente a lógica aplicada à observação de forma e quantidade. O grande erro repousa em supor que mesmo as verdades do que se chama álgebra pura são abstraídas da verdade geral. E esse erro é tão evidente que fico perplexo com a universalidade com que tem sido aceito. Os axiomas matemáticos não são axiomas de verdade geral. O que é verdade quanto à relação da forma com a quantidade é com frequência grosseiramente falso no tocante à moral, por exemplo. Nessa última ciência, muito comumente, não é verdade que a soma das partes seja igual ao todo. Na química também o axioma falha. Na consideração de motivos, falha, pois dois motivos, cada um de dado valor, não têm necessariamente, quando reunidos, um valor igual à soma de seus valores separados. Há inúmeras outras verdades matemáticas que são verdadeiras apenas dentro dos limites da relação. Mas o matemático argumenta, a partir de suas verdades finitas, por força do hábito, como se elas fossem de uma aplicabilidade geral e absoluta, como o mundo, de fato imagina que elas sejam. Bryant, em sua bastante erudita Mitologia, menciona uma fonte de erro análoga, quando diz que, “embora não acreditemos nas fábulas pagãs, nós continuamente nos esquecemos disso e fazemos inferência a partir delas como se fossem realidades concretas”¹. Os algebristas, porém, que não são pagãos eles mesmos, acreditam nas “fábulas pagãs”, e as inferências se fazem não tanto por causa de lapsos de memória, mas por uma inexplicável confusão cerebral. Em suma, até agora nunca encontrei um só matemático que merecesse confiança para além das raízes iguais, ou um que não sustentasse intimamente, como artigos de fé, que x²+px é, de modo absoluto e incondicional igual a q. Diga a um desses cavalheiros, a título de experimentos, por favor, que você acredita que pode haver ocasiões em que x²+px não é inteiramente igual a q e, tendo-o feito entender seu ponto de vista, saia o mais depressa possível do alcance dele, pois, sem dúvida, ele se esforçará por lhe dar uma rasteira².

Como vemos, então, a Lógica é muito mais que exatidão numérica. Ela é inferência de pensamento: Abstração depreendida de palavras que levam às ideias e suas possibilidades que formulam Razões. Pois os números são Exatos e as palavras, Possibilidades. A exatidão é unanimidade e o pensamento, filosofias.

¹. Jacob Bryant (1715-1804), mitólogo inglês, autor de Um novo sistema ou análise da mitologia antiga (1774).

².Poe, Edgar Allan.A Carta Roubada.In: MACHADO, Ana Maria (Org.). Leituras de Escritor.2 ed.São Paulo: Comboio de Cordas, 2009. (Coleção Leituras de escritor).

Leonardo Lisbôa – Barbacena, 11/05/2013

P.S.: Sobre o conto de Poe a organizadora A. M. Machado esclarece:

...”mais que um conto psicológico esta é uma história filosófica, um exercício de lógica cristalina. Não apenas pela surpreendente contraposição entre o matemático e o poético, com a defesa da imaginação como meio capaz de levar o raciocínio ao extremo. Mas, além disso, o conto apresenta uma aguda visão lógica de como funciona o poder, ao desvendar os mecanismos da pretendida chantagem e do roubo que a antecedeu” (refere-se ao enredo do conto em si).

Leonardo Lisbôa
Enviado por Leonardo Lisbôa em 11/05/2013
Reeditado em 12/05/2013
Código do texto: T4285580
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