Num lugarejo
O que que o sinhô quer aqui, seu moço
não tem nada pra fotografar
se o sinhô é turista
não querendo ser pessimista
acho que é perda de tempo.
Se o sinhô é repórter
escreve aí que o nordestino insiste
mas que o nordeste só existe nas capitais
e pra que eu não passe por mentiroso
jogue um pedaço de pão
e o sinhô verá
que mesmo antes que ele toque o chão
aparecerão pelo menos dez meninos
magros e pálidos
carentes e até desdentados
e quando o pão deixar de ser pão
surgirá um vencedor
mas aí não vai dar pra comer mais não.
Não se espante não, seu moço
mas a fome aqui
é tão normal quanto respirar
matar ninguém mata
toda energia é guardada
pra se esperar de pé
se der
a próxima estação da chuva.
Seu moço
assim é o nordeste
e o povo daqui é forte pra peste
e nos seus repentes
ele tenta mostrar sua poesia
que afiada como peixeira
penetra os corações
em busca de abrigo
sei que Deus é amigo
mas a chuva parece não obedecê-lo
e quando obedece
mais cedo do que parece
volta a seca
e não dá nem para colher
o que se plantou.
Aí os fracos ou sensatos se vão
e os teimosos ou tolos morrem, moço.
Espera-se tanto
e a chuva que chega pra nós
é menor do que já se chorou.
Sabe, seu moço
o sertão é assim:
sol forte, chão seco, fome e alegria não.
Não. Alegria aqui não tem não, seu moço.
Eu estudei na capital
e lá aprendi a lidar com os números
usar as palavras
e vi que até têm pessoas
que vivem do que ganham
vendendo nossa tragédia em telas
mas elas não retratam tudo não
e com o tempo aprendi
que o meu lugar é aqui
e se eu tiver que morrer
como nordestino nato que sou
morrerei aqui
mas isso não importa
escreve aí que nós esperamos ainda
por aquele projeto de irrigação
e que investir aqui
é o melhor caminho para a barriga do povo
e que a fome aqui
mata mais que atropelamento
na grande São Paulo
e escreve também
que eu sonho toda noite
com um nordeste verde
verdinho
e a melhor parte do sonho
é quando eu estou deitado
debaixo de um laranjal
bem no meio do meu quintal.
Vai moço
vai para o teu sul
porque lá é que é lugar de se viver.