DOUTOR, O SENHOR ME ENTENDE?

Recentemente, dentro dessa agitação social que vivemos, um diagnóstico emergencial nos veio a tona: a necessidade urgente de se locar médicos e equipes de saúde nas cidades mais longínquas dos grandes centros urbanos do país.

Não vou aqui entrar no mérito dessa questão, do modus operacional muito menos do situacional, porque discutir os porquês de termos chegado nessa atual situação tão dramática demandaria por compêndios multidisciplinares de ciências humanas.

Todavia, ao trazerem os médicos estrangeiros, além da questão checagem de formação científica para atuar minimamente com qualidade e segurança dentro das regras deontológicas e legais da nossa medicina,muito se fala na necessidade do domínio da língua oficial do Brasil, em última análise, a língua do médico e a do paciente que se atende, a inferir que paciente e profissionais médicos têm que falar o mesmo idioma para se interrrelacionarem com eficiência e eficácia.

Fazer qualquer diagnóstico é um ato complexo, todavia, dos tantos e simples olhos leigos que hoje discutem questões técnicas médicas sem nenhuma propriedade, emana-se à sociedade a impressão de que tal ato é corriquieramente simplista.

Longe de o ser! E só sabe quem o sabe.

Primeiramente existe uma interrelação chamada "relação médico- paciente", base da tal dinâmica profissional humanística, que depende fundamentalmente do estabelecimento da comunicação íntima entre dois seres por várias linguagens.

Por favor me entendam: comunicação da intimidade dos seres, entrega, confiança, algo que se intercambia com a alma a partir do estabelecimento duma completa e complexa linguagem de todos os sentidos da expressão, não só da linguagem linguística das letras que catalogam sintomas e sinais de doenças.

Doutor, o senhor me entende...em todos os sentidos?

Doenças de variadas características impregnam todos os sentidos dos médicos e pacientes.

Por exemplo, há estados mórbidos que se diagnostica só com o olfato. Seria portanto a linguagem do sentido...o cheiro, a traduzir imediatamente a exatidão diagnóstica.

Tal não se traduz por tradutores linguisticos, portanto.

Como então se diagnosticar um infarto do miocárdio num paciente surdo- mudo como já vi acontecer em fração de segundos?

É preciso o entendimento complexo situacional de toda a tradução da linguagem sensorial dos doentes, e mais que isso, da linguagem cultural, social, espiritual, inclusive.

Um ser sempre está inserido no seu meio e doenças iguais têm comportamentos distintos em seres de contextos diferentes.

Doutor, o senhor me entende?- que pergunta tão simplista e tão complexa para se responder!

Quantos dialetos funcionais temos no Brasil?

Quantos termos regionais que nos chegam sem que tenhamos conhecimento do conteúdo linguístico explícito que encerram?

Todavia, a linguística patológica traduzidas em palavras nunca vêm desacompanhadas.

Ela têm fácies, têm corpo, têm odor, têm voz muda e têm alma.

Tal treinamento em comunicação médica é contínuo e tal capacitação não se aprende apenas nos bancos das universidades.

É ato contínuo para toda a vida do profissional.

É a própria expressão da arte médica que não tem tradução única.

Vai ser melhor artista quem traduzir as dores físicas e emocionais na melhor forma das suas comunicações e não há tradutor nesse mundo que viabilize um profundo e melhor entendimento entre médico e paciente, senão a própria qualidade da inter-relação entre eles.

Doutor, o senhor me entende... mesmo?

Trata-se dum entendimento sem espaço para um terceiro ser.

A exemplo, um coração faz "tum- tá" em todas as línguas, porém um mesmo coração sente e expressa diferentemente em qualquer língua as variações de batimentos, a depender da característica da doença.

Portanto, a proficiência linguística, embora instrumento de facilitação do discurso para a conclusão diagnóstica, não é o único meio de se comunicar com o paciente a traduzir-lhe seus anseios.

Em conclusão:

O Médico, para fazer complexos e exatos diagnósticos nosológicos e diferenciais e tartar corretamente ao doente não apenas à sua doença, está treinado para se comunicar em várias linguagens visto que o ser humano enquanto ser igualitário em todas as línguas também é complexamente muito distinto nas linguagens dos meios e dos sentidos.

Entender o paciente em pleno status de comunicação é ato que demanda por tempo, sensibilidade, conhecimento e entendimento imediato de todas as linguagens ocultas que permeiam a dor e o medo do ser Homem.