A LINGUAGEM ENXUTA DE GRACILIANO RAMOS

O Brasil passou por diversos episódios sócio-culturais e econômicos. Entre eles, destacamos o momento em que nossa literatura desponta com força criadora e renovada através da prosa de ficção. Na década de 1930, o país mostra-se em sua totalidade, com as características culturais e mazelas próprias de cada região. Surgem nomes como destaques da segunda fase do Modernismo brasileiro, tais como Rachel de Queiroz, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Érico Veríssimo, entre outros. É um momento bem representado pelo espírito construtivo, em que os escritores documentam a paisagem física e social do país e destacam o aspecto regionalista em suas obras.

Este ensaio foca um dos maiores representantes da segunda fase do Modernismo brasileiro no que se refere à prosa, Graciliano Ramos. Suas principais obras caracterizam-se pela presença de um “realismo crítico”, cujas personagens eram heróis que receberam o rótulo de “herói-problema”, por não aceitarem o mundo, nem os outros, nem a si mesmos. A intenção deste estudo é destacar a capacidade literária do autor, utilizando uma linguagem filtrada e afiada, e o fato de como conseguiu retratar fielmente o momento histórico de sua terra e de seus conterrâneos.

Em 1927 foi escolhido para prefeito de sua cidade e destacou-se como bom administrador. Em 1936 foi preso sob a vaga acusação de comunista, quando passou por humilhações, turbilhões particulares, sob perseguições e injustiças, que lhe abalaram seriamente a saúde.

Graciliano Ramos não brincou com as coisas sérias da vida, tampouco esperou por realizações futuras que lhe saltassem de alguma caixa mágica e mostrassem um final feliz para aquele momento, em que o sertanejo nordestino transfigurava-se em elemento capaz de moldar-se ao meio em que vivia.

Ele era econômico no uso das palavras e desfazia-se das dispensáveis, pois achava que quanto mais delas se desfizesse, melhor ficaria o texto escrito. Dos vocábulos extraía o essencial e o aproveitava. Escrevia textos enxutos e muito transmitia através deles. Desta forma, exprimiu com agudeza a dura realidade da população sertaneja nordestina.

Percebe-se, claramente, essa linguagem econômica e contundente do escritor em toda sua produção literária, na qual se evidencia a sua preocupação com a habilidade da escrita condensada e abrangente.

Vidas Secas é exemplo nítido do estilo incisivo e direto do autor. Nessa obra destaca-se a coerência entre o estilo narrativo de Graciliano e os tipos humanos nela fixados. Tipos estes absolutamente ligados ao fatalismo das secas do Nordeste brasileiro. Exatamente como a vida das personagens, os capítulos da obra são curtos, quase totalmente independentes e sem ligação cronológica. As personagens, brutalizadas pela seca implacável, eram de poucas palavras e a comunicação entre elas dava-se por falas curtas, entremeadas de muxoxos. Aos poucos, tornavam-se embrutecidas pelo ambiente que as transformava, assemelhando-as a bichos.

Isto se exemplifica quando, em determinado momento da obra, o próprio Fabiano admite:”

“_ Você é um bicho, Fabiano.”

Um bicho como era a cachorra Baleia.

No decorrer da narrativa, a transfiguração do elemento humano vai se destacando.

“Vivia longe dos homens, só se dava bem com os animais, seus pés duros quebravam espinhos [...]. Montado, confundia-se com o cavalo [...]. Falava com uma linguagem monossilábica e gutural, que o companheiro entendia [...]. Às vezes utilizava nas relações com as pessoas a mesma língua com que se dirigia aos brutos _ exclamações, onomatopeias.” (RAMOS, Graciliano, Vidas Secas. 45. Ed. Rio de Janeiro, Record, 1980, p. 17-20)

São Bernardo é uma obra em que Graciliano faz a análise do comportamento humano, no que tange ao desejo desmedido do poder e da ambição em busca de bens materiais, em detrimento de sentimentos humanos. Este foi considerado, possivelmente, o romance mais importante do Modernismo brasileiro, cujo tema era o problema agrário do Nordeste. Nele também se verifica que o autor une seu estilo à temática de suas obras e ao jeito de ser das personagens. O crítico Antônio Cândido referiu-se a esse romance, dizendo que “acompanhando a natureza do personagem, tudo em São Bernardo é seco, bruto e cortante. Talvez não haja em nossa literatura outro livro tão reduzido ao essencial, capaz de exprimir tanta coisa em resumo tão estrito”. (In Graciliano Ramos. Rio de Janeiro: Agir, 1975, p. 9. Nossos Clássicos)

Pode-se observar a veracidade do comentário de Cândido, analisando trechos de São Bernardo, como o que ocorre no final da obra, quando Paulo Honório, viúvo havia já dois anos e sem a presença dos amigos, que não o visitavam, passa a contar a sua história:

“sou um homem arrasado [...] O que estou é velho. Cinquenta anos perdidos, cinquenta anos gastos sem objetivo, a maltratar-me e a maltratar os outros. O resultado é que endureci, calejei, e que não é um arranhão que penetra esta casca espessa e vem ferir cá dentro a sensibilidade embotada. [...] Quantas horas inúteis! [...] Comer e dormir como um porco! [...] Que estupidez! Que porcaria! Não é bom vir o diabo e levar tudo?”

(Ed. Martins Fontes: São Paulo, 1970, p. 241)

Quando foi prefeito de Palmeira dos Índios, o escritor provou ser possível tirar um município do caos financeiro e administrá-lo com os parcos recursos disponíveis, usando de seriedade e honestidade na administração, deixando equilibradas as contas. Como fora dito anteriormente, não era homem de excessos nem de faltar com a verdade.

Em Memórias do Cárcere, enfatizou o entendimento captado entre o bem e o mal, na descoberta do próximo e redescoberta de si mesmo. Nela fez uma revisão de seu interior e surpreendeu-se com atitudes de bondade, gentileza e solidariedade com o semelhante e que eram inexistentes, como se pode verificar em seu livro Infância. Escreveu Memórias do Cárcere para retratar a época e as injustiças que sofreu por perseguições que culminaram com sua prisão no Rio de Janeiro, em Pernambuco e na Colônia Correcional. Nesta obra, como em Angústia, Graciliano abordou diretamente sua experiência. Ambas valem como fonte de informação sobre o modo de ser do escritor e possibilitam um melhor entendimento de sua postura literária, humana e artística.

Os sofrimentos levaram-no a descobrir inesperadas qualidades no próximo e a repensar as próprias qualidades.

Morreu sem ter concluído o último capítulo de Memórias do Cárcere, mas indicou que prevalecessem, no final, as sensações da liberdade e que esta fosse valorizada, como o fizera no início da obra.

Como romancista, Graciliano Ramos soube equilibrar-se entre a análise psicológica e sociológica de personagens do universo sertanejo, tanto do fazendeiro, como do caboclo comum. Não se limitou a especificidades particulares dessas personagens, mas alcançou o aspecto universal do homem explorado socialmente ou brutalizado pelo meio em que vive.

Foi um autor universalista, com linguagem seca, exigente e minuciosamente lapidada.

REFERÊNCIAS

RAMOS, Graciliano, Vidas Secas. 45. Ed. Rio de Janeiro, Record, 1980, p. 17-20

RAMOS, Graciliano. Rio de Janeiro: Agir, 1975, p. 9. Nossos Clássicos

Ed. Martins Fontes: São Paulo, 1970, p. 241

CASTRO, Maria da Conceição. Língua e Literatura, 3 ed. Saraiva, São Paulo, 1995.

CEREJA, Willian Roberto, MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português Linguagens. Atual Ed. São Paulo, 2003.

TEXTO REPUBLICADO

Dalva Molina Mansano,

09 de junho de 2012

20:48

Publicado em: 09/06/2012 20:48:30

Última alteração:09/06/2012 20:49:32

Dalva Molina Mansano
Enviado por Dalva Molina Mansano em 05/09/2013
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