Como surgiu a escrita

A escrita surgiu primeirmente na forma de ideogramas mnemônicos. Várias culturas incluíam a tradição da memorização de longos textos, alguns dos quais conseguimos herdar, como o Gênesis, ou os poemas de Homero. Entre os que não leem, a arte da memorização costuma ser cultuada; a escrita parece ter substituído parte da utilidade e do encanto dessa habilidade.

Nossa mente é estruturada de uma maneira tal que a presença de ideogramas mnemônicos nos ajuda a recordar fatos ou histórias; podemos facilitar a recordação de um poema, ou de uma narrativa, acompanhando-o através da visualização simultânea de rabiscos evocadores das cenas referidas. Desse modo, a palavra “sol” pode ser evocada pelo desenho de um círculo, “água” por linhas onduladas, e assim, muitas outras podem ser mais facilmente trazidas à mente a partir da visão de um desenho esquemático.

Palavras relacionadas umas às outras podem ser simbolizadas por ícones assemelhados, de modo que “molhado”, pode ser referida por uma modificação do símbolo de água, assim como “luz” pode ser evocada por alguma alteração do signo correspondente ao sol.

A utilização de tal metodologia de apoio à memorização acabaria gerando, natural e gradativamente, uma escrita pictórica cada vez mais rica.

Tais escritas, ainda utilizadas no oriente, têm inúmeras utilidades e algumas vantagens sobre a nossa, apresentam também algumas falhas. Uma dificuldade desse tipo de escrita encontra-se em sua incapacidade de traduzir outras línguas. Todos os textos que viessem a ser grafados acabariam escritos na mesma língua! Aliás, uma curiosidade da escrita ideográfica é que duas línguas completamente diferentes podem ser grafadas do mesmo exato modo! Por mais diferentes que sejam as pronúncias da palavra “sol” em duas línguas diferentes, ambas podem ser grafadas pelo mesmo símbolo. Assim, dois falantes de línguas diferentes poderão, talvez, ler o mesmo texto, pronunciando-o, cada um, em sua própria língua.

Dessa maneira, embora a escrita ideográfica pareça excelente para traduções, não se mostra muito útil para o ensino de outras línguas. Impossível grafar textos de outras línguas, gravar suas pronúncias, sua sonoridade, utilizando representações visuais. Com essa finalidade, os sábios antigos construíram estranhos sinais, vazios e enigmáticos, sem nenhuma analogia externa, para representar os sons. Dessa maneira, símbolos foram criados para a representação de cada um dos sons de uma outra língua. Com esse artifício, palavras estrangeiras poderiam ser descritas e representadas através de seus sons.

A mim parece natural a decomposição das palavras em sílabas, grafadas, uma a uma, inicialmente. A similaridade entre certas sílabas, como “la”, e, “va”, acabam sugerindo sua subpartição em elementos fonéticos e a criação de símbolos correspondentes a eles. Tendo sido criadas as vogais, talvez as nossas, a,e,i,o,u, mais provavelmente outras assemelhadas, e as consoantes, também elas parecidas com as nossas, bastaria acoplá-las da maneira como o fazemos, para, assim, grafar as palavras de uma outra língua. O resultado imediato disso seria um dicionário bilíngue de tradução.

De fato, o uso da escrita ideográfica permite e sugere o aprendizado da estrutura de uma língua estrangeira fazendo uso da escrita da própria língua. Tal aprendizado teria que ser complementado pelo conhecimento da pronúncia das palavras da outra língua, talvez um método assim seja bastante eficiente.

De qualquer forma, textos estrangeiro podiam ser grafados com o auxílio de letras simbolizando os sons e a ordem das palavras pronunciadas. Como resultado, desenvolveu-se uma forma de escrita que se adequava, simultaneamente, à representação e transcrição de inúmeras línguas estrangeiras.

Tradutores estrangeiros colaborando na construção de dicionários bilíngues podiam aprender o processo de escrita e retornar a sua própria terra para ali divulgar o estranho e poderoso conhecimento exótico.

Aos olhos de seus conterrâneos, os leitores, escribas, sábios brilhantíssimos, eram capazes de executar a extraordinária magia de decifrar sinais enigmáticos estampados em uma pele de animal. Tal magia, desconcertante e incompreensível, beirava o sobrenatural. As revelações decifradas nos sinais impressos adquiriam a aura sagrada que os mistérios e a ignorância costumam nos evocar.

Assim, a escrita fonética foi uma dádiva advinda de culturas exóticas e posteriormente compartilhada por muitos povos.

Metaconsiderações sobre a origem da escrita

O texto acima evoca a pergunta: como se sabe que isso é assim? De fato, a pergunta se aplica a todas as respostas, e deveria ser feita mais vezes. Os físicos a repetem sempre que se deparam com uma nova explicação. Os místicos costumam responder estranhamente, à maneira dos loucos, a esse tipo de pergunta. Cientistas têm obrigação de respondê-la de forma racional.

De fato, a origem da escrita está irremediavelmente perdida. O evento ocorreu há milênios, e, provavelmente de maneira gradual, primeiro um símbolo, depois outro, tendo deixado poucas marcas ao longo do tempo.

A maioria das marcações, naturalmente, eram feitas em materiais pouco duráveis; eram gravações em materiais moldáveis como argila, ou eram usadas tintas sobre material orgânico, ainda mais perecíveis. As marcações mais antigas que resistiram ao tempo foram feitas em cascos de tartaruga, duros o suficiente para resistir por milênios, moles o bastante para que fossem utilizados nas gravações. Não se pode esperar, obviamente, que longos textos tenham sido gravados em materiais tão resistentes. Quase toda a produção literária dos primeiros milênios da escrita, naturalmente, se perdeu ao longo das eras; o mesmo ocorrerá com a nossa.

Como, então, podemos descobrir a origem de algo tão distante, e perdido no tempo? De fato, não podemos. Mas podemos inventar histórias, e conferi-las, tentando mostrar a inexequibilidade da proposta. A maioria das tentativas de explicação se mostrará inexequível, basta tentar. Umas poucas histórias assim inventadas, no entanto, se adequarão aos fatos existentes. Alguma delas, talvez, sugiram novas evidências de sua veracidade, até então ocultas.

Também existe a possibilidade de que a escrita tenha surgido, independentemente, mais de uma vez, sugerindo histórias diversas para suas origens.

Nossa cultura gosta de se exaltar a si mesma. Gostamos de nos sentir o centro do mundo, de maneira que construímos (inventamos) uma história na qual um fio condutor acompanha um grupo chamado "nós", "a humanidade", e que tem origem em torno do mediterrâneo, onde egípcios, ou sumérios, teriam inventado a escrita, uns 5500 anos atrás.

Há fortes evidências, no entanto, de que 3000 anos antes disso, os chineses já faziam uso da escrita. A recuperação econômica da China nos revelará imensas surpresas sobre a história da humanidade, mostrando que durante muitos milênios a China foi o grande polo cultural do planeta, tendo sido desenvolvida por lá quase toda a nossa tecnologia anterior à eletricidade e aos motores a vapor e de explosão.

Os livros atuais contam histórias já consagradas desse mesmo evento, esboçando o surgimento da escrita na mesopotâmia. Um dia alguém escreveu uma história como essa, outros transcreveram a mesma história, citando o nome do autor como autoridade.

O texto acima, hoje, não causará nenhum impacto. Transcrito, no entanto, e seguido da rubrica “Gustavo Gollo”, acabará recebendo a aura mágica que acompanha os saberes das autoridades.

Sugiro aos leitores que não acreditem, de antemão, nas informações acima, nem em nenhuma outra das que nos chegam sob a aura da autoridade. Recomendo a todos que ajam à maneira dos físicos, desconfiando de todas, de absolutamente todas, as informações que nos chegam. Sugiro que ao receber uma informação explicativa de algo, repitam sempre a mesma pergunta: mas como sabem que isso é assim? Na falta de respostas, desconfiem.

Os que assim agirem, perceberão a imensa fragilidade do conhecimento contemporâneo. Descobrirão, no entanto, que existem umas poucas áreas nas quais é realmente difícil duvidar da história contada; mas perceberão que tais áreas, de fato, existem.