Colecionando Problemas

Se existe um lado bom da ignorância é que ela nos permite ser surpreendidos por novos conhecimentos a qualquer momento.

Se partirmos da hipótese de que o sofrimento é apenas uma percepção distorcida e limitada da realidade que pode ser trabalhada e amadurecida através do autoconhecimento , devemos então aprender a reconstruir nossa percepção , e para fazer isso basta exteriorizarmos nossos problemas ou seja sermos ouvidos , ou melhor , escutados.

Na realidade a habilidade para ouvir é um fenômeno meramente físico , ouvimos apenas ruídos e barulhos que nosso cérebro se encarrega de decodificar , e isso tem pouco a ver com habilidade de escutar , pode-se dizer que escutar é o ato de ouvir com muita atenção , tanto que pessoas que perdem audição, desenvolvem extrema habilidade de escutar , apesar de não ouvirem. O ato de escutar é bem mais complexo do que simplesmente ouvir , vai alem do simples significados das palavras pronunciadas e dos ouvidos , envolve o corpo , a personalidade , o contexto , o ambiente , o sentimento , enfim uma gama de sinais e percepções que fazer o ato de escutar efetivamente uma habilidade tão difícil para a maioria de nós

Escutar atentamente é um privilégio de pouquíssimas pessoas devido á alguns fatores como o mau hábito consciente ou inconscientemente de interromper os outros, a tirar conclusões apressadas, a distrair o interlocutor ; a filtrar tudo aquilo que ouvimos pelas nossas crenças, experiências, costumes, expectativas, pressupostos, preconceitos e cultura ; ao querermos dominar uma conversação gastando mais tempo pensando no que iremos dizer , do que realmente escutando o que os outros têm a dizer.

Alem disso existe um fator morfológico envolvido , chamado velocidade de assimilação , uma pessoa normal consegue assimilar entre 250 e 500 palavras por minuto , enquanto consegue pronunciar somente entre 100 e 150 palavras , com isso nossa mente fica ociosa e tenta preencher esta lacuna com isso acabamos ficando dispersos ao ato de ouvir. Por esse motivo escutar exige pratica e treinamento.

Você deve conhecer algumas pessoas que são ótimas ouvintes , você conversa , elas não dizem muita coisa , mas quando vão embora parece que solucionaram todos os seus problemas. Na realidade estas pessoas permitem que você exteriorize o seu problema , com isso propiciando a oportunidade de mudar a sua percepção sobre ele , e quando isso ocorre , o problema já não parece tão grande e feio como se imaginava , e a solução fica mais clara.

Precisamos de mais ouvintes eficazes ou pelo menos aprendermos a sermos um.

“Se verdadeiramente vale a pena fazer uma coisa, vale a pena fazê-la a todo o custo.”

G. K. Chesterton, escritor britânico

Colecionador de problemas

Em uma aldeia onde havia muitos colecionadores. Passavam a vida colecionando objetos descartados pelas outras pessoas. Os colecionadores descobriram que uma vez que se tenha uma grande e variada quantidade de artigos descartados, eles se tornam valiosos novamente.

Um colecionador tinha uma provisão esplêndida de garrafas de vidro. Ele chamava a atenção pendurando algumas em árvores e criando música batendo com varas. Outro colecionava sapatos de todos os tamanhos. Ele comentava o quanto variava o tamanho e as formas dos pés das pessoas.

Havia colecionador de panela, colecionador de selos, de taco de golfe e colecionadores de chapéu, de livros cômicos e colecionador de cartão esportivo. Na verdade, era uma verdadeira coleção de colecionadores.

Um dia um velho homem chegou à cidade e vagando pela aldeia perguntava onde ficava a praça dos colecionadores. Ele levava um grande pacote, mas não parecia estar carregado nem muito pesado. Ele encontrou a praça dos colecionadores e se alojou em um canto.

Naturalmente, os colecionadores descobriram que havia um novo colecionador na cidade, e eles queriam saber o que ele tinha no pacote. Ele respondeu que nada havia mas apenas seu almoço e uma capa de chuva para o caso de chover.

- Você quer dizer que não tem uma coleção? - eles perguntaram - Você não é um colecionador?

- Oh, sim. - ele respondeu - eu sou um grande colecionador. Mas o que eu coleciono não cabe em um pacote ou uma caixa. Eu coleciono os problemas e as preocupações das pessoas.

Esta era uma idéia estranha e lhe pediram que explicasse.

- Bem, veja você, eu descobri há muito tempo que entre as coisas que todos querem se livrar existem as preocupações, os problemas, fardos pesados, tristezas, tempos difíceis - todo este tipo de coisas que jogam as pessoas para baixo e faz suas vidas mais tristes. Assim eu me ofereço para colecionar estes problemas e elas se sentem bem. Não é simples?

Alguns dos colecionadores pensaram que era uma convicção tola e possivelmente isso era perigoso à reputação de sua profissão.

O velho não parecia prejudicar ninguém, entretanto, assim eles o deixaram só. Logo apareceu alguém e perguntou como ele colecionava problemas, e ele respondeu,

- Bem, há algo provavelmente em sua vida que o aborrece agora mesmo - um pouco de preocupação que você tenha. Fale-me um pouco sobre isto e eu a acrescentarei à minha coleção.

- Mas como isso me ajudará? Você pode desaparecer com o problema só porque lhe falo sobre isto?

- Não, mas você se sentirá melhor. Tente.

Assim a pessoa falou para o velho sobre algo que era um problema. Quando a história terminou, o colecionador de problemas acenou com a cabeça algumas vezes, elevou as mãos como se erguesse algo pesado e fingiu colocar no pacote.

- Pronto! Eu guardei este. Como você se sente? Perguntou.

A pessoa que tinha o problema respondeu:

- Estranho. Sinto-me bem. Eu acho que posso controlar o problema muito melhor agora. Realmente funciona!

As palavras se espalham ao vento. Logo havia uma multidão em volta do colecionador de problemas.

Um dia, uma mulher apareceu na aldeia caminhando lentamente e com considerável dificuldade. Logo a levaram ao colecionador de problemas. Quando ele explicou a ela que tipo de colecionador ele era, ela começou a lamentar:

- Oh, você não sabe quantas problemas e pesados fardos há neste mundo. Eu venho de uma cidade onde há mais problemas do que em qualquer outro lugar. Todos sofrem e ninguém tem qualquer esperança. E o pior é que as autoridades da cidade prosperam passando por cima dos problemas do povo. É um lugar horrível, desesperador. Eu tive que partir. Era a única esperança que eu tinha.

O colecionador de problemas ficou sério. Levantou-se e ergueu o pacote com um gesto que era mais lento e mais doloroso que o normal. Depois de um longo silêncio, falou lentamente.

- Eu tenho que ir até lá.

Os aldeãos e a mulher fizeram um grande protesto. Eles não queriam perder o colecionador de seus problemas. Tinham medo de como ficaria a cidade e lhe imploraram que ficasse.

O velho se escapuliu no meio da noite.

Muito tempo se passou até que um cansado jovem entrou na aldeia. As pessoas sabiam, sem perguntar, que ele vinha da cidade. Eles o ajudaram da melhor forma que podiam, e quando ele estava se sentindo melhor, lhe perguntaram se sabia do velho que tinha partido para a cidade várias semanas atrás.

- Conheci sim! Este homem entrou quieto na cidade e, no princípio, ninguém o notou. Então de vez em quando você poderia vê-lo conversando com pessoas - escutando principalmente. Quando uma pessoa terminava de falar, ele curvava a cabeça e fazia estranhos gestos com as mãos e a pessoa começava a se sentir melhor. Pela primeira vez em um longo tempo, as pessoas da cidade começaram a se sentir melhor e ter um pouco de esperança.

- Sim, nós sabemos. Ele fez isso aqui também. Respondeu um dos aldeãos.

- Bem, não levou muito tempo para as autoridades o notarem. Mandaram-lhe partir e deixar de se intrometer nas vidas de outras pessoas. Ele simplesmente recusou. Disse o jovem da cidade.

E com os olhos tristes e um nó na garganta, continuou:

- Eles o colocaram na prisão, mas lá ele colecionou os problemas dos outros prisioneiros. Finalmente, as autoridades decidiram que ele era uma ameaça subversiva ao sistema. Assim eles o executaram.

Os aldeãos ofegaram. Alguns começaram a chorar.

- Eu sinto muito por lhes trazer estas tristes notícias. Ele também era meu amigo.

- É doloroso para nós, você sabe. Como faremos agora que ele morreu?

De repente o rosto do jovem ficou iluminado.

- A idéia ainda funciona! Ele exclamou. Colecionar problemas ainda funciona! Você pode fazer isto para mim, e eu posso fazer isto para você. Ele só nos mostrou como fazer!

O jovem saltou, cheio de energia e com força renovada.

- Estou voltando para a cidade!

- Mas o que fará você por lá? - vários aldeãos perguntaram em harmonia - Você ficou doido? Lá existem muitos problemas.

- Exatamente! Exatamente! - ele continuou - É por isso que eu vou. Aprendi a lição, vou ajudar as pessoas a se sentirem melhor. Tornarei-me um colecionador de problemas! O que tenho a fazer é simples: basta ouvir as pessoas. Fazer com que elas se abram, desabafem e, assim, reflitam melhor, sintam-se mais leves. E hei de espalhar o que aprendi. Hei de criar novos colecionadores de problemas.

Hei você! É, você que está lendo este texto!

Quer se tornar um colecionador de problemas?

Leo Remington