Ensaios com Montaigne - Sabemos qual é o final do filme?

“Quanto a tudo mais podemos dissimular; fazer como filósofos belos discursos de forma excelente; conservar a nossa serenidade em face de acidentes que nos atinjam superficialmente. Mas na última cena, a que se representa entre nós e a morte, não há como fingir, é preciso explicar-se com precisão em linguagem clara e mostrar o que há de autêntico e bom no fundo de nós mesmos.” (MONTAIGNE, ENSAIOS, Somente depois da morte podemos julgar se fomos felizes ou infelizes em vida)

O que é a vida? Um filme! Sabemos ou temos nebulosas recordações de quando ele começou a rodar, mas não sabemos quando ou qual será o seu fim! Estás, agora, numa cena romântica? Feliz? Trágica? Infeliz? Cômica? Está apenas em teu controle determinar como irá se agitar até o dia em que o relógio parar - de contar?

Tu és rei? Amanhã poderás ser servo! Tu és servo? Amanhã poderás ser rei! Tu és louco? Amanhã poderás der sábio! Tu amas o dinheiro? Amanhã poderás desprezá-lo! Tua vida foi um vale de lágrimas e conseguistes sobreviver? Amanhã poderás encontrar uma ilha onde não mais terás de nadar pelo vale da sombra da morte, e, lá, poderás encontrar um paraíso.

Nesse quebra cabeça, que pode mudar de cor e de forma a qualquer instante, não é sábio acreditarmos que o que construímos nunca será modificado, e que se não conseguimos montar nada com as peças que temos, nunca conseguiremos resolver esse problema.

Um primo meu, há pouco tempo, estava despencando de um abismo, e não via outra saída a não ser deixar-se levar. Estando perto de ser esmagado pelo solo, encontrou forças para não desistir de encontrar o que necessitava para conseguir o que lhe faltava para não morrer, e continuar escalando o alpe da vida: um amor. E eis que encontrou. Mas, de repente, começou a despencar novamente, porque tinha certeza absoluta de que não havia chance alguma de ele ser efetivado no emprego, e ter como fim sair de lá no final do ano como estagiário. E eis que, rolando do precipício, ele recebe a notícia de que as duas pessoas destinadas a ficar com o cargo que ele sonhava não poderiam ocupá-lo: uma porque resolveu sair da empresa para seguir um novo rumo, e outra porque é nova na empresa e não está apta para o cargo. Eis que a vaga dos sonhos do meu primo será dele.

Não devemos nos descabelar com o que estamos vendo agora, e nem com o que se passou, pois se nossa vida está um caos, não podemos descartar a possibilidade de que um dia o caos se canse e se deite para embernar por uns 50 anos, tempo suficiente para desfrutarmos da paz que virá em seu lugar.

E se encarássemos tudo como um acidente, um presente dos céus? Talvez, choraríamos menos com a perda dos nossos brinquedos.

Não descarto a possibilidade de os Estoicos terem tido a consciência do caráter efêmero da vida, e visto ela tal como um punhado de areia que deixamos escorrer por nossas mãos ou que pode ser levado pelo mais suave vento; por conta disso resolveram se tornar indiferentes às suas atrações, não no sentido que negar o que sentiam mas de não perderem as suas almas.

“A grande propriedade rústica de um homem rico tinha produzido com abundância; E ele arrazoava consigo mesmo, dizendo: Que farei? Não tenho onde recolher os meus frutos. E disse: Farei isto: Derrubarei os meus celeiros, e edificarei outros maiores, e ali recolherei todas as minhas novidades e os meus bens; E direi a minha alma: Alma, tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe e folga” Mas Deus lhe disse: Louco! esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será?”.

"Então a necessidade arranca-nos palavras sinceras, então cai a máscara e fica o homem”.