Ensaios com Montaigne - Deve o mestre (ou professor) buscar, antes de tudo, ser filósofo?

“Imaginários ou reais, tomo conhecimento deles e deles tiro proveito, e entre os diversos ensinamentos de uma mesma história, escolho para meu uso o mais notável e preciso. Há autores que procuram principalmente tornar conhecidos os fatos; eu, se pudesse, visaria antes deduzir deles as consequências que porventura comportem. Permita-se nas escolas que de admitam analogias ainda que não existam.” (MONTAIGNE, ENSAIOS, A força da imaginação)

Quem busca somente o que vê é como aquele que, em seu primeiro sopro de vida, resolvesse morar por toda a eternidade no mesmo vilarejo, por não imaginar que existe outro lugar para experimentar a vida, visto que o que desfruta em seu horizonte lhe basta para respirar.

Disso podemos pensar, do que se faz da educação, quando o mestre que por preguiça, ignorância, douta ignorância, arrogância, presunção, vaidade ou pedantismo, se regozija ou morre de tristeza, de tédio, e de raiva, por não transpor a memória, passando de décadas até uma vida inteira, a decorar o que “está escrito”.

Desse mal resulta a formação de mentes - e vidas - vazias, assim como os buracos que os mestres cavam ao apartarem os alunos da vida, do pensamento, e da sabedoria que se pode extrair de suas fontes, quando lhe comunicam: “ou vocês entram no meu subsolo para contemplar a luz do sol, ou receberão 0 por má conduta, falta de disciplina, por ficarem com medo de se moverem para se estagnarem no meu buraco”.

As questões que devem ser feitas diante desse regime de escravidão que ainda tem pernas em pleno século 21 - Montaigne não viu diferente no século 16 - são: de que vale o aluno estar vivo, e ser dotado da capacidade de pensar, se o seu mestre exige que ele seja um morto vivo, e rumine alimentos – quando não lhe enfia por goela abaixo – insossos, pedras, por assim dizer, que nada trazem de bom para vida? “E qual o pai de entre vós que, se o filho lhe pedir pão, lhe dará uma pedra? Ou, também, se lhe pedir peixe, lhe dará por peixe uma serpente?”

Se o mestre habituou-se, em sua caverna, a acreditar que pedra é pão, e que peixe é serpente, não há por que duvidarmos que servirá de bandeja para seus alunos, tais venenos, julgando que o lhe serve é o que há de mais saboroso. “Repousar no saber consagrado dispensa o penoso trabalho de pensar e decidir.”

Não vejo outra alternativa para a educação a não ser a do cultivo da experimentação, do ensaio, que propicie a liberdade de o aluno imaginar, ver, e viver com a própria vida, com as próprias pernas, sem medo de ser chicoteado, mas feliz por ser amado. “Quem age não está sujeito a uma vontade que lhe seja exterior. Ao despertar, o homem descobre os dias como seus.”

Talvez, seja preciso que os mestres, antes de se revestirem da presunção, do poder e do direito sobre outros corpos – para docilizá-los ou libertá-los – aprendam o dever de casa de serem filósofos - “o filósofo sabe que não sabe, razão porque deseja saber”

- ou aprendizes - “pois cabe aos aprendizes inquirir e debater, e ao mestre resolver” – de forma que possam primeiramente conhecer por experiência própria como podem construir uma canal de comunicação entre a sabedoria e seus alunos, de modo que estes, por escolha própria, decidam ou não serem amigos do saber, se filiarem e até amarem a mentes do porte de Sócrates, e por aí vai. A máxima dessa familiarização com a escola de investigação poderia ser: “pedi, e dar-se-vos-á; buscai e achareis; batei e abrir-se-vos-á; porque todos os que pedem, recebem; os que buscam, acham;e a quem bate, se abre"; e não por: "nós vivemos, morremos, e amamos num espaço enquadrado, recortado, matizado, com zonas claras e escuras, diferenças de níveis, degraus de escadas".

Fontes:

Ensaios, Montaigne: Pendantismo, Da educação das crianças, A força da imaginação, Costume da ilha de Quios.

Heráclito e seu (dis)curso

Documentário: Michel Foucault por ele mesmo: http://www.youtube.com/watch?v=iTV8Nm0BwOE&hd=1

Da experiência