Sobre outras inteligências

Somos sempre nós mesmos, impossível outra coisa; só podemos ver o mundo através de nossos olhos. Desse modo, nunca vemos, de fato, o mundo; o que vemos é sempre o mundo visto por nós; a diferença é sutil.

Eventualmente avaliamos a inteligência das pessoas. Umas vezes ouvimos de alguém um determinado comentário e o consideramos uma observação inteligente, outras, achamos a opinião obtusa. Em qualquer dos casos, temos que pautar nossa avaliação por nós mesmos; nossas avaliações pessoais sobre a inteligência de um comentário, ou de uma pessoa, baseiam-se sempre na comparação entre opiniões da pessoa e a nossa. Opiniões incompreensíveis serão consideradas obtusas por aquele que pensa ter algum entendimento da questão em pauta. A avaliação pessoal permite apenas situar nossa inteligência em relação à outra, medir certa distância; naturalmente, nos colocamos sempre acima do outro: se não compreendemos determinada opinião, ela não tem sentido.

Duas formas indiretas nos permitem escapar, em certa medida, da estreiteza de nossa avaliação direta: as avaliações feitas por outras pessoas, e a avaliação dos resultados das ações da pessoa avaliada. Culturas antigas, por exemplo, são analisadas de maneira indireta, sendo as análises sobre o desenvolvimento cultural dos povos baseada quase exclusivamente, na perenidade de suas obras arquitetônicas. Tendemos a considerar desenvolvidos os povos que deixaram pesadas construções de pedra a desafiar o tempo; consideramos reles aqueles que não tenham deixado legados tão concretos, mesmo desconhecendo qualquer outra coisa sobre suas culturas. Essa característica me parece um traço cultural contemporâneo, do tipo usual que sempre avalia a si mesmo como o mais alto grau já alcançado. Esperamos sempre que os que vivem em outras culturas desejem basicamente o mesmo que nós, e os medimos sobre esse ponto de vista. Assim, as medidas de avaliação do desenvolvimento de outros povos são, fundamentalmente, medidas de similaridade entre eles e nós.

Obras estarrecedoras podem, talvez, sobrepujar essa subjetividade fundamental. Tanto nas avaliações de outras culturas, quanto nas pessoais.

Quanto mais distantes as inteligências, mais incompreensíveis elas são, umas para as outras. Conseguimos avaliar a inteligência de outras pessoas, mas somos completamente incapazes de avaliar a inteligência dos animais. Estamos acostumados a pensar que somos os únicos seres inteligentes no planeta, embora já tenhamos encontrado capacidades intelectuais nas quais os animais nos superam. Penso que não estamos dispostos a conceder a igualdade a nenhum deles. Talvez fôssemos obrigados a fazê-lo caso algum deles fosse excelente construtor, mas nem castores, nem formigas e nem cupins se comparam a nós nesse quesito, razão pela qual, talvez, damos tanta importância a isso. Se insistirmos em medidas da capacidade mental teremos algumas surpresas.

Também as máquinas vêm adquirindo capacidades inusitadas, e, óbvias para nós que as projetamos com tal intuito. Não houvessem sido projetadas, seríamos incapazes de perscrutar-lhes a mente e descobrir nelas tais habilidades estrondosas. Apesar de reconhecermos tais capacidades mentais, não estamos dispostos a lhes conceder o status de criaturas pensantes; sendo diferentes de nós, sempre lhes podemos atribuir “falhas” capazes de “demonstrar” não serem inteligentes, mas meros objetos inanimados, como as cadeiras ou copos.

O teste proposto para identificar máquinas pensantes, o chamado “teste de turing”, consiste em estabelecer a incapacidade de descobrirmos se estamos a falar com uma pessoa ou uma máquina. Caso não consigamos distinguir entre o autômato e a pessoa, devemos considerar uma tão inteligente quanto a outra. Há sabedoria na proposta. No entanto, o que ela propõe, fundamentalmente, não é um teste de inteligência, mas de similaridade. Provavelmente, não estamos dispostos a conceder o status de “inteligente” a nenhuma outra criatura, exceto nós mesmos. É possível que venhamos utilizando tal postura para justificar o tratamento que vimos dando a outras criaturas, especialmente àquelas parasitadas por nós, que as criamos com o intuito de devorá-las.

Outras inteligências identificarão outros tipos de padrões, não reconhecíveis por nós. Temos exigido de outros seres o reconhecimento dos mesmos padrões que reconhecemos, desconsiderando habilidades diferentes das nossas, que não conseguimos compreender. De fato, não temos nenhum interesse em estabelecer contato com outras inteligências: suas conversas serão sumamente entediantes. Costumamos ficar rapidamente entediados ao conversar com pessoas que não compartilham os mesmos interesses que nós, embora, de fato, todas as pessoas se assemelhem muitíssimo em tudo, incluive nos interesses. Os interesses dos castores, dos cupins, ou dos besouros, nos são muitíssimo mais dissimilares que os das outras pessoas; os das máquinas também. Eventuais ETs entrariam no mesmo barco.

Estou apostando que, se abandonarmos momentaneamente o nosso conceito de inteligência, digo, de similaridade cognitiva, teremos muitas surpresas interessantes, inclusive a constatação da presença entre nós de máquinas e outras criaturas inteligentes; embora possuidoras de um outro tipo de inteligência, não o nosso.