Ensaios com Montaigne - Como não enlouquecer?

“Como se tivéssemos infeccioso o tato, ocorre-nos corromper em as manuseando, as coisas que, em si, são belas e boas [...] Falha o archeiro que ultrapassa o alvo da mesma maneira que aquele que o não alcança.” (MONTAIGNE, ENSAIOS, Da moderação)

O que é a felicidade para você? Você já a sentiu? Quando? Desejaria que este estado ficasse impregnado em você para sempre? Mas como, se você fosse feliz plenamente, poderia saber que está feliz? Da mesma forma ocorre com aquele que não se contenta com uma taça de vinho para se alegrar, e desfrutar tanto do seu saboroso gosto como da bela coloração que traz para a vida, e resolve beber o dia inteiro. Os sábios filósofos cristãos tinham razão quando disseram que o pecado – ideia vista como ultrapassada para os moderninhos de todos os tempos – nada mais é do que uma transgressão que nos desvia do caminho seguro, ou iluminado por Deus. Basta voltarmos ao caso do bebedor para compreendermos essa questão. Ao achar que só bebendo o dia inteiro será feliz, não estaria ele trocando a sua liberdade pela escravidão da sua consciência? Não estaria direcionando toda a sua alma para seu objeto de desejo e alienando-se da realidade, do mundo?

Como seria o mundo se não houvesse mais nada para ser feito, para ser buscado? Sem conflito, sem vontade, sem nenhum motivo para se mover, o homem não teria razão de ser. Imagine, então, como seria a vida por aqui, se houvesse uma ditadura da felicidade, ditadura essa, que já convive com a democracia em plena luz do dia. Pensemos no caso daqueles que fazem o bem para serem vistos, lembrados e remunerados. Jesus foi claro, quando disse que estes terão o seu pagamento, mas só por aqui, porque, estes, ignoram - razão esta, talvez, por se empenharem tanto em serem bons ao ponto saberem o que a mão esquerda e direita dão - que não são o centro do universo, nem da terra, nem de nenhuma alma.

Quem se julga sábio e bom, não o é, pois falta-lhe a humildade para enxergar a sua pequenez diante do todo. Não atoa aqueles que se acharam salvadores do mundo, Deuses, que quiseram impor a sua visão de mundo, e limpar os seus defeitos e conflitos, quiseram apagar com uma borracha o ser humano. É por isso que Montaigne dizia que aqueles que buscam ser anjos antes de serem humanos, acabam se tornando monstros, pois desprezam as referencias da vida, para se guiarem pelas da alucinação. "Todo mundo parece tão feliz. O que deixa as pessoas felizes não pode ser ruim" afirmou uma aluna, no filme "Um homem Bom", ao seu professor de literatura, ao ver o povo - este que dizem que tem sempre a razão, quando é a maioria, este que dizem que é voz de Deus, e que dentre tantas coisas disseram "soltem Barrabás, crucifiquem Jesus" - cegamente crentes nas promessas e nos sonhos de Hitler e felizes em um desfile do partido nazista, tentando convencer o professor, que via tudo aquilo com ceticismo e pessimismo, de que ele deveria seguir a manada.

"E disse aos que vendiam as pombas: Tirai daqui estas coisas; não façais da casa de meu Pai casa de negócio [ou comércio]."

Referências:

Ensaios, Montaigne

Um homem bom: http://megafilmeshd.net/um-homem-bom/