Ensaios com Montaigne - O homem e a bolha

“Não vamos, somos levados." (Montaigne, Ensaios)

“Quero esquecer quem eu sou”, disse Madame Bovary, ao se encontrar com seu amante em um baile de máscaras. “Não há mais nada para se sentir”, disse para o seu marido, após ter se envenenado com arsênico. Isso me leva a pensar sobre a necessidade do ser humano de perder a consciência para se entregar ao que tem medo de dar para a luz, quando em posse da razão, de se libertar da moral, das leis, dos costumes, das responsabilidades, das limitações, dos fracassos, do tédio, de tudo o que foi construído; e também, sobre a questão do quanto os afetos determinam o seu destino, da dependência das sensações para não morrer congelado. É por conta disso que, segundo interpretações e associações que fiz sobre ideias de Peter Sloterdijk, vivemos para as esferas, ou das bolhas que criamos para nos protegermos do mundo, do seu absurdo, da sua inundação, da sua incompreensibilidade. A bolha, serve, dentre tantas coisas, como um sistema imunológico. Para imaginarmos como isso se dá na prática, podemos ver logo começo do livro Esferas I, a figura de uma criança criando bolhas de sabão, e contemplando-as, como se fossem suas filhas, e ao mesmo tempo, ignorando tudo o que se passa ao seu redor. É como se no momento em que a criança se entretém com suas bolhas, ela adentrasse numa espécie de paraíso, num local onde não há perigo, onde não se precisa pensar sobre a inevitabilidade da morte, sobre o que se fazer enquanto ela não chega. Se substituímos a bolha pelo fim que damos ao nosso dinheiro, fruto do nosso trabalho – talvez por isso Nietzsche tenha dito que o trabalho era uma distração para o homem moderno –, perceberemos que, talvez, apesar de crescermos em matéria de idade, permanecemos frágeis, medrosos como as crianças. A questão é: seria possível viver sem esfera? Será que, se nos libertarmos da bolha conseguiremos respirar? A vida de Cioran, ao que consigo ver, diz que sim. Mas se paga um preço alto e perigoso por isso.

Ensaiador
Enviado por Ensaiador em 22/12/2013
Reeditado em 23/12/2013
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