Caridade vs Piedade

As pessoas com seu gesto “nobre” de ajudar o outro, acaba muitas vezes se defrontando com duas atitudes, aqui expostas em conceitos, caridade e piedade. Apesar de existirem em dicionários proximidades e questão do sinônimo, ainda creio na fragilidade de fazer com que palavras distintas sejam equiparadas, como se nossa capacidade dedutiva fosse limitada e reduzíssemos a linguagem a apenas uma das diversas expressões que se julgam iguais.

Quando ajudamos alguém, diante da condição que a pessoa se encontra e sentimos pena, ou seja, piedade perante um indivíduo abaixo de nossas conquistas, podemos dizer que estamos diante do primeiro conceito aqui abordado. Temos o apelo religioso que diz a respeito da glória em ajudar o que está por baixo. E nos sentimos por cima, isso é verdade. Estendemos a mão com o peito magnânimo. Somos criaturas acima de outros que aparentemente seriam iguais, fazendo valer nossa superioridade em forma de ajuda. Estendemos a mão generosa que pesa sobre o corpo daquele em condição frágil. Temos o dever de acolher aquele infeliz, de trazê-lo para junto de nós. Eis a condição do ser elevado. O piedoso se emociona e sai de sua pré-potência para humilhar mais uma vez o desgraçado, fazendo dele um dependente.

A caridade, acredito seguir por outro viés. Até mesmo etimologicamente, ela trata de um afeto, um amor e carinho para o ajudado. Não somos maiores em relação a estes ou aqueles, mas nos apequenamos diante do sentimento e despejamos o sentimento sobre um igual, fazendo muitas vezes que o outro até se sobreponha a nós, já que amor envolve também o sacrifício. Não existe o desejo da recompensa, nem mesmo aquele intuito de elevação, já que o sentir vem de forma avassaladora e não busca permutas. O caridoso se coloca a serviço, não presta serviço em busca de serviçais. A caridade é o gesto anônimo diante de um sentimento comum, que agrada por estar de acordo com uma ética kantiana que busca essa paridade em nome do desejo de bem-estar, que vem a nós com a colaboração do outro.

Portanto, estando diante de um gesto para com outro, devemos estar diante desse dilema. O que desejamos afinal? Ser piedosos ou caridosos? Mas isso não é uma escolha que fazemos baseada no peso que cada uma das afirmativas possui. A decisão cresce de acordo com o desejo mais íntimo de cada um. Pode dizer-se caridoso e estender a mão, mas se o coração não acolher a palavra, ela será vazia de sentido. Dentro de si a resposta se manifestará no ato. Em qual das duas posturas irá se sentir melhor e como se comportará perante as possibilidades, se buscará realmente um ethos ou um ego. Eis a grande problemática que envolve o contato com o outro, os questionamentos mais íntimos e que irão influenciar nossa moral.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 04/01/2014
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