O Aniversário dos Mortos

Parece-me uma grande tolice comemorar o aniversário de mortos. Dizem que o fulano hoje faria tantos anos. Tolice. Não pode fazer, porque deixou de existir. Criam-se datas para pessoas famosas com intuito de promoverem novas formas de lucrar com aquele resquício de memória ou mesmo com o desejo de alguns de agora em ser com que outrora foram. Morre um parente e quando faz um ano, dizem que é aniversário de morte. A morte aniversaria todos os dias, pois sempre tem alguém para levar para o túmulo. Aliás, o aniversário em si é uma celebração, ou espécie de preparação para a morte, já que estamos em uma vida com contagem regressiva e não sabemos quando nosso cronômetro irá parar. As festividades cabem apenas aos vivos, que saboreiam os momentos enquanto ainda existem, pois logo que deixarem de aqui estar, não haverá mais sentido nenhum desses rituais. Por falar em rituais, parecem terem sido criados com intuito de prolongar ou evitar a morte, que é inevitável e não se rende a esses caprichos humanos.

Especulações chegam ao ponto de tentar deduzir como a pessoa morta agiria diante de uma situação hoje, como se pudesse avaliar fora do seu tempo. Me recordo uma vez que me questionaram sobre os filósofos gregos voltarem a aparecer em nossa sociedade, considerada “moderna”, e quanto ficariam boquiabertos com nossas tecnologias, aviões, carros, celulares. Disse, que apesar do feroz anacronismo, poderíamos tentar ignorar isso e imagina rum Platão aqui olhando para o céu de boca aberta com um avião transportando gente. Mas imaginem como ele ficaria decepcionado em ver que se progrediu tão pouco em questões filosóficas e de natureza das chamadas mentalidades. Ver que ainda discutem suas obras e estão perdidos com o homem que nasce tendo que percorrer de novo esses caminhos já tão desgastados e ainda pouco percorridos. Parece mais um estado de repetição triste e enfadonho. Somos aquele herdeiro que não sabe o que fazer com a fortuna que recebeu. Acabando por desperdiçar sua vida e na morte, pensar que poderia ter aproveitado melhor do que abriu mão quando teve a chance.

Colocamos uma foto no porta-retratos e esperamos que aqueles momentos possam de alguma forma voltar. Eis a memória, relutando em fornecer míseros fragmentos de uma época que não mais nos pertence. Se pertencesse, provavelmente faríamos da mesma forma, pois era o momento de agir daquele jeito, não que seja um destino, mas sim uma consequência de toda uma série de vivências, em que grande parte nem nos damos conta de ter existido, apesar da influência. Por isso seguro meu corpo, observando a cerveja dentro, dando uma boa golada e fazendo pouco causo das manchetes falando a respeito de eventos comemorativos da morte de fulano ou sicrano, ou mesmo de parentes com aquela nostalgia, de falar de tempos belos. Gente que perdeu o interesse pelo momento é morto-vivo, que está preso a algo já morto e logo irá se encontrar com aquilo que ficou para trás, ao se tornar também um passado.

Também não compreendo aquelas estátuas erguidas, onde se gastam uma quantidade imensa de dinheiro para homenagear um morto. Um artista que resolva esculpir é algo que faz parte de arte, mas uma obra pública para representar um falecido, parece um grande disparate. Coisa que faz recordar antigos ditadores e pessoas de ego elevado, que querem um legado para a posteridade. A contribuição deveria aquilo que fizeram em vida, desde o próprio exemplo de conduta, até a concepção de alguma obra que venha a ser útil para as próximas gerações. O resto não passa de papo furado. Uma vez reclamaram de uma estátua pichada. Pelo menos serviu para o grafiteiro expor algo ali, porque a herança do Drummond esta nos seus livros e não em estátuas. Se algo é exposto ao público, como qualquer calçada, muro, fachada, esta sujeito inclusive a violência de grupos e outras formas de expressão ou manifestação. O espaço é público não porque é de todos, mas porque não pertence a ninguém. Quando desejarem criarem arte pública, saibam que ela é passiva de sofrer transformações, pois a via pública também não pertence a um governo ou artista que quer expor sua obra e que fique ali sem ser alterada, como um palco para sua extravagância. Todos um dia serão esquecidos. A morte é o direito do fim aos que fizeram algo e o dever de fim aos que hão de fazer.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 09/01/2014
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