Erros e Defeitos /Acertos e Qualidades

Há muito se comenta sobre o fato de alguém errar ou acertar acerca de algo ou alguém. Creio que seja um equívoco. Errar é não acertar algo que desejamos. Mas o conceito de alvo é bem mais amplo que nosso olhar direcionado. Alvo não é apenas o ponto que desejamos atingir, mas a referência de tantos outros pontos que surgem a partir desse, formando uma infinidade de poros em tudo que possamos captar. A mira consiste em focar diante de um posicionamento. Quando erramos, inevitavelmente acertamos outro ponto inimaginável. Presumimos a inocência do que se frustra diante do desvio. Sabemos que um acerto equivale a uma série de conseqüências, que muitas vezes escapam a nossa compreensão. O acerto não calculado, cria possibilidades ainda mais distantes, saindo de nossa linha de percepção e alastrando-se. podem mencionar o exemplo do campo de batalha, em que o erro de um projétil pode custar a sua vida. mas o acerto custa a vida alheia e esse outro também pode ser ludibriado por essa curva de acerto e acertar outra coisa que não seja você. Direcionamos e logo em seguida vem a vontade seguir aquela reta, da forma mais contida possível, para que possamos nos glorificar com o máximo do mínimo.

O máximo é aquilo que excede. Aquele que acerta, também se faz cativo de um único ponto. Um refém de uma reta, que busca estar sempre limitado, para atingir aquele óbvio que foi programado. O acerto se torna enfadonho, tolo. Sabemos o que desejamos acertar e o acertamos. É a perspectiva sendo satisfeita, se resumindo naquilo, nada além. É a morte do desejo, já que alcança o que determina. Mas o acerto encobre todos os outros pontos que poderia explorar mas que não foram, devido a sua aprisionante simetria. Dizemos que vamos de A até B, e assim o fazemos. Os intervalos e tantos outros mistérios, com o restante do alfabeto, são ocultos. Acertar é errar várias vezes e errar é deixar de acertar uma vez. Claro que alguém concluiria que errar é também acertar um ponto apenas. A diferença é que quando erramos, só sabemos a que direção irá alcançar, quando atingir algo, o que significa que pode acertar tudo, criando uma abrangência muito ampla. Já quando acertamos, observamos um ponto e é nele que encerramos. Errar é produzir uma gama de probabilidades bem mais fértil. A ciência, apesar da busca pelo acerto, que será ao mínimo de uma comprovação, se expande em máxima capacidade nos erros, já que são eles que favorecem a abertura e novas perspectivas.

Quando entramos no campo dos defeitos, a coisa se torna diferenciada. O próprio filósofo Mario Cortella, comenta sobre o fato de não nascermos prontos, como um sapato produzido, por exemplo. Não nascer pronto coloca cada um de nós em uma situação bem diferente de outras modalidades. Aqui me refiro especificamente ao conceito de produção, no sentido industrial. Qualidades são próximas a adjetivos. Dizemos que temos essa e aquela. Na condição de artistas que somos, ou seja, criadores de algo, cada um possui seu talento, utilizando essa expressão como forma de qualificar quem possui uma forma única de fazer algo. Todos nós fazemos as coisas cada qual a sua maneira. Mas na arte, é aquilo que além de fazer de nossa maneira, somente nós conseguimos produzir algo, a ponto de tocar, influenciar e dar sentido a outras pessoas. Uma pessoa pode ser ótima em uma parte específica da mecânica e não conseguir ler um livro ou o contrário. Poderíamos dar vários exemplos, mas talvez o anterior já tenha sido elucidativo.

Podemos dizer, que a qualidade é a particularidade que te faz não apenas diferente, mas que permite seduzir o interesse de outras pessoas, já que seria aquilo que de especial tem para oferecer a elas. Ao tratarmos dos chamados defeitos, creio cairmos em algo fora do contexto em relação a ideia de qualidade, não permitindo nem que sejam utilizados como antônimos. Defeito é o que torna algo inoperante, inapto. Seria, como no exemplo do Cortella, se fossemos produzidos já prontos e alguns dentro dessa produção, não correspondessem ao funcionamento adequado. Tal adjetivo foi atribuído ao homem permitindo uma forma de mecanizá-lo. Como se fossemos máquinas e que um óleo ou uma mudança de peça pudesse resolver o problema. É assustador a eugenia e outros estudos contemporaneos que ainda buscam essa forma de moldar um ser “perfeito”, com intuito de controlar ao máximo, fazendo surgir ciências como psicologia. Não que a psicologia seja uma desgraça total, já que possibilitou novas perspectivas.

O problema é essa mentalidade de fazer do sujeito uma peça na engrenagem. Essa mesma concepção que torna o operário descartável em modelos industriais, o paciente descartável dentro do sistema de saúde, ou mesmo os índices de guerra ou mortandade em geral, onde todos se tornam cifras, gráficos. Pouco importa que uma vida tenha sido tirada. Se o índice é baixo, é considerado razoável. Visões religiosas de pecado, reforçam a ideia de defeito, como se tivéssemos pisado feio na bola, aliás, quem pisou foi um e a descendência pagou o pato. Carregamos o estigma do defeituoso, o que tenta se concertar e isso gera buscas medonhas como do ideal de belo, no sentido mais rasteiro possível, em que tentam esculturar corpos, onde cobranças violentas são feitas, o tempo se torna um inimigo, para que as pessoas tentem enfrentá-lo, ir além de suas capacidades. O objetivo não é uma superação “saudável”, mas mecanizar o sujeito, torná-lo uma extensão dessa máquina que foi criada e a cada momento aprisiona mais seu criador. Descrédito que qualquer um de nós tenha defeitos, no máximo divergências, e isso é aceitável, já que faz parte da chamada idiossincrasia.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 12/01/2014
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