Só te perdoo por seres do Ideal!

Por que não me chamaste antes? O Zé chamara-me para me dar um punhado de tijolos coloridos (assim tratava os azulejos) que encontrara na guarnição de barro das paredes do quarto do rés-do-chão da sua casa do largo das Freiras. No nº 6. E não queria que ninguém lhe atrasasse o trabalho de as rebocar de cimento. Os azulejos serviam, segundo disse, para ‘encorpar’ o reboco. Isto passou-se em 1998.

Pouco antes, ainda em 1998, eu descobrira dois minúsculos fragmentos daquele tipo de azulejo nos entulhos das terras do antigo mosteiro: um, no sector 3 (espaço artificial), camada 3 (estrato irregular), outro, no sector 4, camada 3. Um ano depois, depois das descobertas de 1998, em 1999, encontrei um terceiro, no sector 4, camada 3. De novo em entulhos. Somando os 10 fragmentos encontrados no reboco do quarto da casa do meu amigo Zé (7 -a e 7b contam um, mas são dois fragmentos) aos três encontrados no campo arqueológico contíguo à casa do Zé, que terá tido algo a ver com o mosteiro, contabilizamos 13 fragmentos. Apesar de terem sido encontrados à distância de dois anos uns dos outros e em dois locais distintos, parecem pertencer a um mesmo conjunto de azulejos. Por duas razões: traço parecido na superfície vidrada e marcas iguais na parte não vidrada (chacota).

O universo promissor de c. de 335 azulejos (incluindo fragmentos) descobertos em vários locais da igreja Matriz de Nossa Senhora da Estrela, da Ribeira Grande, pertencentes à sua capela-mor, contrasta com o universo pouco promissor destes 13 fragmentos. Ainda assim, exultei. Era a perspectiva de descobrir um novo painel deste tipo. Os da Matriz haviam sido expostos no Museu Municipal em Dezembro de 1997 e o seu estudo publicado em 1998. Nas férias do verão seguinte, fui mostrar a Oeiras os 13 cacos ao José Meco.

Sem dados arqueológicos seguros, para sermos exactos, aqueles 13 fragmentos, restos de painéis, podem ter pertencido ao mosteiro de Jesus da Vila da Ribeira Grande, mas também podem ter pertencido a outro local da Ribeira Grande ou até a locais fora da Ribeira Grande. Porém, até melhor prova em contrário, dada a proximidade espacial ao antigo mosteiro, é mais provável que tenham pertencido ao mosteiro de Jesus da Ribeira Grande.

A serem do mosteiro, somam-se aos azulejos de aresta e de corda-seca quinhentistas sevilhanos e aos de padrão policromo azul e amarelo, seiscentistas lisboetas, encontrados naquele mosteiro. Estes últimos, já estudados e expostos no Museu Municipal da Ribeira Grande. Na pior das hipóteses, sendo ou não daquele mosteiro, continuam a ser um novo conjunto de azulejos historiados encontrados na ilha.

Será inconclusiva qualquer ilação, mas dizer apenas que são fragmentos de azulejos, pintados a azul sobre um fundo de esmalte branco, e que são figurados ou historiados, que se produziram em Lisboa desde finais do século XVII a finais da primeira década do século XVIII, é dizer quase o óbvio. Queremos saber mais. É o que tentaremos ver no próximo Perfil?

Mário Moura

Adenda: Em relação ao 17 B, o meu colega Élvio Sousa opinou: precisaria de ver a peça, e uma foto em jpeg. Existem peças semelhantes, de fabrico sevilhano para o século XVI (azul-circular). O fabrico português distingue-se pelo vidrado e características da pasta. Mandei e a resposta foi: estou inclinado para Sevilha. Embora hoje se comprove também a produção portuguesa

Mário Moura
Enviado por Mário Moura em 20/02/2014
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