Confessar

O ato de confessar, apesar da vinculação religiosa, conforme institucionalização feito pela Igreja em um determinado período, vai além da simples regra clerical. Percebemos, que desde tempos anteriores a esse, o confessionário se faz presente, ainda que não com esse rótulo e com certas prerrogativas ali atribuídas. O anacronismo a que me reporto serve-se do conceito com intuito de exemplificar uma raiz ainda mais remota. O ensaio não busca uma historiografia acerca do confessionário, mas abordar certas questões que envolvem o ato de confessar. O próprio Michel Foucault, expõe o confessionário como origem dos modernos divãs, onde a pessoa deixaria de expor suas angústias aos padres e atribuiriam o papel ao psicanalista, fazendo com que o receituário viesse substituir as penitências.

Quando falamos de confessar, a princípio, existe uma necessidade de colocar para fora, fazendo com que nossa aflição seja acalmada pela exposição do trauma. A angústia nasce da inquietação que consome o interior, como uma espécie de patologia que precisa ser extirpada. Angustiados, podemos nos sentir por longos tempos, fazendo com que nossa vida passe a girar em torno desse astro da melancolia. Mas para confessar, precisamos, aliás, necessitamos da presença do outro, o que nos remete a questão da alteridade. A confissão precisa ser algo que nos faça ter a consciência de que o mal foi colocado para fora e isso ocorre apenas quando o vemos em outro lugar que não nós. Falar consigo pode em alguns momentos funcionar, pois faz com que seu eu assume o papel de uma forma além de si. Alguns utilizam formas, como uma força da natureza ou qualquer outro motivo que venha a agregar sua pesada carga. Eis que surge a magia, com intuito de liberar a força que lhe aflige em algo que possa absorvê-la ou mesmo desintegrá-la. Antigos bruxos viam a necessidade de cura com suas fórmulas, o que podemos constatar desde a alquimia até outras formas ritualísticas.

O psicanalista ou mesmo se pensarmos em um médico de pronto atendimento clinicando, existe ali uma tentativa de se expor, ou melhor, expor o que te aflige. O médico absorve as impressões e tanta canalizar de acordo com seu cientificismo pragmático. Muitas vezes existe uma necessidade de maior sensibilidade por parte de quem recebe a incumbência de aliviar o fardo do outro. Por isso terapeutas e mesmo pessoas mais sensatas, como os idosos com sua experiência de vida, costumam doar seus ombros para que outros possam desabar sobre seus alicerces. Tal fato ocorre diariamente, já que somos carentes por natureza e muito angustiados com nossos dilemas. Familiares convivem com essa troca de amparos, demonstrando um acolhimento que faz com que muitas pessoas observem na família, o grande esteio para se apoiar perante as dificuldades. Diversos religiosas também se doam nessa causa, embora o mais preparado, por estar institucionalizado nesse ofício, seriam os padres. Os padres desde tempos medievais, estão diante das mazelas humanas e dispostos a aliviá-las, proporcionando conforto aos corações oprimidos.

A ideia da divindade, aparece com um porto seguro aos aflitos. Pois os deuses, com toda sua força, conseguem oferecer o alívio aos que buscam algo além do seu tormento. A divindade é esse outro universal, que consegue dissipar as tragédias, pois conta com um aparato de apoio rico, como é o caso do tempo, que todos os dias consome a memória e faz com que as novidades venham obscurecer aquele sentimento que tanto lhe atacava. Embora exista algo ainda mais violento em relação a confissão, que seria a exposição. Não importa a quem, quando se coloca como confesso, possui a coragem de deixar em evidencia suas frustrações, os dramas mais íntimos, deixando-se à disposição daquele que o recebe. Assumir a própria fragilidade exige um posicionamento diante de si que pode levar à deterioração, pois exige tomar consciência dos próprios medos. Ultrapassar essa condição e revelá-la exige muito de quem confessa e aumenta uma responsabilidade sobre quem recebe a confissão, já que passa a assumir uma postura de autoridade que foi atribuída pela confiança de quem o elegeu. A confissão é uma necessidade do homem, que busca no outro, essa salvação diante da angústia do ego.

Bruno Azevedo
Enviado por Bruno Azevedo em 22/02/2014
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