Seis tempos do chá nos Açores

Da espontaneidade ao balanço de 1913

(Proposta de arrumo cronológico)

Para arrumar os cento e doze anos, que decorrem entre 1801 e 1913, propõe-se uma divisão em seis tempos. 1801, ano em que o Capitão Geral dos Açores, D. Antão de Almada escreve ao rei, dando-lhe conta da existência da planta de chá na ilha Terceira, sugerindo a sua preparação, e 1913, ano em que o engenheiro Aníbal Cabido faz um balanço à indústria do chá e traça caminhos futuros de consolidação daquela indústria.

Para gizar estes seis tempos, recorremos a literatura de apoio aos primeiros tempos do chá nos Açores. Cotejamos textos jornalísticos, textos de arquivo, livros e folhetos . Apesar de ter havido cultivo e produção de chá fora da ilha de São Miguel, a ilha do Faial é exemplo disso, nos Açores, o chá é essencialmente uma produção da Ilha de São Miguel. Esta proposta de arrumo cronológico, é apenas uma ferramenta de trabalho provisória. Ei-los:

1.º Tempo: Da espontaneidade às primeiras tentativas (1801-1873);

2.º Tempo: Da decisão à contratação de quem soubesse ensinar (1873-1878);

3.º Tempo: Da aprendizagem à prática (1878-1879);

4.º Tempo: De arranque (1879-1891);

5.º Tempo: De aceleração (1891-1913);

6.º Tempo: De balanço (1913-)

Primeiro Tempo: Da espontaneidade às primeiras tentativas (1801-1873)

Para melhor compreender este primeiro tempo, propomos dividi-lo em três momentos: um primeiro longo momento antes de 1801 (em que pouco ou nada sabemos); outro de 1801 a 1820’s (talvez alguém vindo do Brasil ou de outra parte do Império Ultramarino tenha trazido sementes e estacas); e outro de 1820’s a 1873 (vieram sementes e estacas do Brasil e de outras partes e tentativas de alguns produtores, incluindo José do Canto, em produzir chá). Este primeiro tempo, é caracterizado pelo desconhecimento inicial e pela procura final de um ‘método preciso para o fazer chegar à sua última perfeição’. No final deste período, houve mesmo quem tentasse, sem sucesso, produzir chá.

Antes de 1801: É bom reconhecer-se que não se sabe a razão da vinda das primeiras estacas e sementes de chá para os Açores, nem de onde vieram e por quem e para onde foram trazidas. Todavia, ficando os Açores situados no coração das rotas comerciais de volta do Oriente e do Brasil, é provável que tenham vindo, em tempos diferentes, trazidas por pessoas diferentes e levadas para ilhas distintas do arquipélago e para locais diversos de cada ilha. No entanto, pode dizer-se que, oriundas da China (via Macau), do Japão, da Índia e do Brasil. As razões, supomos, foram mudando: de planta ornamental também usada na medicina ou para produzir chá.

De 1801 a 1820’s: O que se sabe por via documental segura é que a 11 de Junho de 1801, a Fragata Cisne, levou ao reino ‘dous caixotes com a planta (…) chá’ da ilha Terceira. As pessoas, escrevia o Governador, tinham-no ‘(…) por curiosidade’, sem fazerem ‘o menor apreço, por lhes ser inteiramente incógnito o modo de secarem para poder chegar àquela consistência, que tem o chá, que vem da Índia, e por isso abandonam esta planta (…).’ Na óptica do mesmo governante, seria ‘de tanta utilidade (…)’ caso houvesse ‘quem lhes prescrevesse aquele método preciso para o fazer chegar à sua última perfeição. ’

De 1820’s a 1873: Lê-se numa nota de Francisco Maria Supico que, na década de vinte, terá havido quem tenha trazido chá do Brasil para as Calhetas. Trata-se de Jacinto Leite Pacheco, ‘antigo comandante da Guarda Real junto à corte de D. João VI no Rio de Janeiro (…). ’ Ou numa outra versão, que, as sementes que os chineses transformaram vieram do Brasil através de um criado do morgado João Soares trouxera .

Sabe-se ainda que, em 1848, António Feliciano de Castilho defendeu o cultivo e a manipulação do chá. Que, antes de 1866, conforme no-lo confirma a correspondência entre José do Canto e Edmond Goeze, que cá esteve naquele ano, já José do Canto tinha plantações resultantes do cruzamento de estacas e de sementes. Vindas originariamente da China. Com camélias locais .

Pelo que se depreende, já havia, antes da vinda dos dois primeiros chineses, quem cultivasse e quem tentasse produzir chá nos Açores. Mau chá: ‘(…) os proprietários de plantas metiam em frascos algumas folhas tenras, e quando bem murchas com elas faziam chá. Por muito acre não se podia tomar. ’ Era tempo de experimentar a sério. De passar da iniciativa individual desgarrada para a iniciativa associativa: a Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense.

Segundo Tempo: Da decisão à contratação de quem soubesse ensinar (1873-1878)

Um primeiro momento: Decisão e contratação de técnicos. Tendo em conta as condições, foram ponderados vários locais (Japão, Índia, Brasil e China) e um número variável de práticos. A escolha final recaiu em Macau e em dois chineses. Em simultâneo: cultivo de campos experimentais, montagem de fábrica e divulgação de literatura sobre o chá. Tempo de preparar a vinda de quem ‘lhes prescrevesse aquele método preciso para o fazer chegar à sua última perfeição’.

Entre o alvitre do capitão Geral dos Açores, D. Antão de Almada, de 1801, e a proposta do sócio da Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense, Ernesto do Canto, de 1873, haviam decorrido mais de sete décadas. Ambos sugeriam a aprendizagem das técnicas de laboração do chá, porém, enquanto a de D. Antão, que se saiba, não teve consequências, a de Ernesto do Canto, teve. Paralelamente aos preparativos para a vinda de técnicos, a SPAM, quis alertar o público para as vantagens do consumo e da produção do chá. Para esse fim, surgem textos de divulgação e de incentivo à produção local de chá. Começam a aparecer na imprensa local logo a seguir à tomada de decisão da SPAM de Novembro de 1873. Revestem-se de duas formas: a divulgação na imprensa das decisões da SPAM e a tradução de obras sobre o chá. Em concreto: história, técnicas de cultivo e de produção. São publicados no O Cultivador ou no Almanaque Rural da SPAM .

Explícita ou implicitamente, estes trabalhos pretendem convencer os leitores das vantagens económicas do cultivo e transformação do chá. Em Agosto, no número do dia 15 de Agosto, O Cultivador , de Guilherme Read Cabral, sócio activo da SPAM, publica um artigo. É ‘da autoria de C.C. (quem seria?) e intitula-se As virtudes do Chá. ’ No mesmo número, mas mais à frente, publica-se uma informação intitulada Chá. Em pormenor, refere a cultura do chá ‘em França, na região de Toulon.’ Fala de ‘100 000 plantas em 400 ou 500 enxertos de camélias. ’

No Almanach Rural ano de 1875, almanaque que a SPAM publicou, encontramos um texto denominado também O Chá . Trata-se de uma curiosa noticia sobre o chá na Índia. A sua cultura, colheita, preparação e manipulação, variedades. Entre outros temas de interesse. É traduzido por Guilherme Read Cabral.

Em Abril de 1876, novamente em O Cultivador, um artigo de Edmond Goeze intitulado o Chá . Goeze narra a origem geográfica do chá, de como se alastrou a outras áreas: Extremo Oriente, Índia e Brasil. Refere o comércio com a Europa. Para advogar, em seguida, o seu cultivo na Ilha de São Miguel. Que tipo de adubo seria necessário para os terrenos? Que terrenos seriam os mais aptos? Que é o chá preto e o verde? Sementes existem na Madeira e em São Miguel. Não põe de parte a possibilidade desta cultura ser introduzida no Minho. Diga-se que Edmond Goeze manteve correspondência epistolar mutuamente vantajosa com José do Canto.

Terceiro Tempo: Da aprendizagem à prática (1878-1879)

Tempo de aprender com quem ‘lhes prescrevesse aquele método preciso para o fazer chegar à sua última perfeição’. A tecnologia veio de fora: do trabalho de Lau-a-Pan, o chinês contratado, e do texto reeditado do livro do brasileiro carmelita Frei Leandro do Sacramento. Sendo a técnica rudimentar, a aprendizagem foi rápida. O progresso, ainda que de modo incipiente, já se revelava, no texto do relatório da comissão da SPAM de finais de 1879. E na observação de Rafael de Almeida (publicada na A Persuasão), secretário da SPAM. Ou ainda, presume-se, no folheto que a SPAM publicou em 1879 .

Era, pois, pouco depois da vinda dos chineses, tempo de preparar quem quisesse começar a plantar e transformar o chá. Logo em Abril de 1879, sai em três semanas sucessivas do mês de Abril, anúncios de venda de plantas de chá . Naquele mesmo mês, para tornar mais acessível aos bolsos dos interessados os conhecimentos técnicos e os cuidados a ter com o chá, a SPAM edita um livro . Em finais de Abril e princípios de Maio, de novo, em três semanas consecutivas, sai mais três anúncios de venda de planta de chá. E duas semanas em Maio. Mais um anúncio em Junho.

Em Maio começara uma nova colheita ainda com os dois chineses em S. Miguel . Os chineses, que haviam chegado à ilha a 5 de Março de 1878, partiram da ilha a 18 de Julho de 1879 . Fora arrojada a iniciativa da SPAM, esperava-se que tivesse sucesso.

A) Frei Leandro do Sacramento: Botânico brasileiro. Para acompanhar de perto a experiência do técnico chinês, seria útil recorrer a um manual sobre o chá. A escolha da SPAM parece ter recaído na obra de Frei Leandro Sacramento. Escrita em português, fora publicada na cidade do Rio de Janeiro. Cumprindo, no Brasil, com êxito a função a que se destinara cinquenta e quatro anos antes, cinquenta e quatro anos depois, pretendia-se, nos Açores, que cumprisse a missão com o mesmo sucesso. Diga-se que no tempo da Fuga da Corte para o Brasil e estadia no Brasil, o chá fora aí introduzido e aproveitado.

Quem foi Frei Leandro do Santíssimo Sacramento? Foi um frade carmelita brasileiro que se dedicou à Botânica. Havendo nascido no ano de 1778, no Recife, faleceu, com pouco menos de 50 anos, no Rio de Janeiro, a 1 de Julho de 1828. Estudou Filosofia na Universidade de Coimbra e regressou ao Brasil em 1806. Mudou-se para o Rio de Janeiro. Naquela cidade foi professor de Botânica na Academia Médico-Cirúrgica. Quando, em 1824, foi nomeado director do Jardim Botânico. Dava aulas de botânica e de agricultura no Passeio Público.

Impõe-se, uma advertência: não se cotejou o original de Frei Leandro, de 1825, com a cópia que originou a reedição, de 1879. E optou-se por esboçar os assuntos tratados. Com o enunciado dos temas, apenas se pretende demonstrar a óbvia utilidade de manual desta reedição no próprio momento do arranque do chá em S. Miguel .

Que intenção nortearia a SPAM ao reeditar o livro de Frei Leandro e publicar o relatório da comissão nomeada? Ou a venda a baixo preço de um folheto sobre o chá? Os objectivos da SPAM são claros: aprender com o trabalho do mestre chinês e assimilar as instruções dos manuais. Só cruzando a observação prática com a leitura teórica, que por seu turno se escorava na prática, se poderia fornecer elementos seguros aos que pretendessem apostar no chá para fins industriais.

A publicação do texto de Frei Leandro fará, pois, parte da estratégia da implantação do chá nos Açores. Outra vertente desta estratégia, foi a de aquilatar o valor do chá produzido, enviando-se amostras a especialistas em Paris e Londres. Ou, sem revelar a origem, dando-o a beber a sócios de diversos clubes sociais: Clube Micaelense, em Ponta Delgada ou Clube Lisbonense, em Lisboa. Provas que, pelo que se conhece, obtiveram êxito. Ainda uma outra linha estratégica adoptada pela SPAM, foi a de obter apoio legislativo do parlamento nacional. Apesar de não ser de leitura tão linear, as medidas de protecção e de incentivo ao cultivo do chá tardaram ou não chegaram ou foram consideradas insuficientes.

B) Relatório da Comissão de acompanhamento nomeada pela SPAM. A SPAM ao promover, em 1879, a segunda edição, do livro de Frei Leandro, de 1825, aproveitou para publicar o relatório da comissão nomeada para assistir à manipulação do chá. O relatório, apresentado na sessão de 5 de Fevereiro de 1879, tratava matéria referente a 1878.

Segundo o relatório: além de se assimilar a tecnologia do chá, pretendia-se primeiro, saber ‘ (…) se o chá cultivado em São Miguel era susceptível de produzir (…);’ segundo se ‘(…) depois de preparado convenientemente [era] artigo próprio para o comércio (…).’

Do relatório, seleccionamos apenas aspectos técnicos. Aí dá-se conta da chegada dos dois chineses a 5 de Março de 1878, e de que nove dias depois, haviam sido colhidas as primeiras folhas nas propriedades do ‘consocio José do Canto’ (irmão do relator), que foram manipuladas na sede da SPAM, em Ponta Delgada. Numa ‘casa de antemão preparada com a fornalha e outros aprestes indispensáveis.’

Quando tudo parecia estar a correr bem, a SPAM é confrontada com um imprevisto bastante desagradável: os chineses guardavam os segredos que deveriam revelar. Porém, logrou-se dar-se-lhes a volta. Continua o relatório: ‘levados por meios persuasivos (…) .’ Mas não foi só o esconder a tecnologia. Outro contratempo igualmente imprevisto, ensombrou o êxito completo da experiência: ‘mestre Lau-a-Pan – ignora[va] quase completamente os processos da manipulação e fabrico do chá verde (…).’ A SPAM não se fiando apenas nos chineses, logo na Primavera seguinte de 1879, agora já sem os chineses, seguindo as instruções de Ball, propunha-se a empreender nova tentativa para obter chá verde.

Quanto aos processos do fabrico do chá, passados apenas meses, dada a pouca complexidade da tecnologia envolvida: ‘as principais operações da manipulação são [eram] já bem conhecidas de alguns membros da comissão, e o nosso empregado da secretaria Rafael de Almeida tem conseguido pôr em prática todo o processo seguido pelos chins. ’

C- ‘Na sociedade de Agricultura Micaelense, vende-se um folheto tratando da manipulação do chá pelo preço de 120 réis. ’ Pouco se sabe acerca deste folheto, excepto que se destinava, sem dúvida, a tornar acessível a informação.

D – Samuel Ball - Falhada a experiência do chá verde, a SPAM virou-se para Samuel Ball. Ball residiu na China de 1804 a 1826. Aproveitou a estadia oficial para observar a cultura do chá na China. Foi um sucesso a seguir ao fiasco da embaixada britânica à corte Imperial, de 1792, liderada por lord George Macartney, Primeiro Earl Macartney. Segundo acusa Gabriel de Almeida, ao contrário do Brasil, em que o Imperador da China oferecera o segredo do chá ao Rei de Portugal, a embaixada de lord Macartney roubara o segredo aos chineses .

Ball observou como os chineses cultivavam e fabricavam o chá, como confessa, tudo ilustrado pelos melhores especialistas, tanto chineses como europeus. Com observações acerca das experiências levadas a cabo para a introdução da cultura do arbusto do chá em outras partes do mundo. Seria, mais tarde, feito cavaleiro (esquire) e nomeado inspector de chás na United East India Company in China. O livro saiu, em 1848, vinte e dois anos depois da sua estadia oficial na China.

Parece-nos evidente que os membros da SPAM pretenderam confrontar duas experiências bem sucedidas fora da China: a do Brasil, logo o livro de Frei Leandro, a do Assam britânico, na Índia, logo, Ball. A experiência do Brasil fora anterior à de Assam e obtivera a colaboração voluntária do Imperador da China; ao invés, a de Assam ocorrera, pelo menos duas décadas mais tarde, e resultara, como se diria hoje, de um caso de espionagem comercial.

Está dividido em 13 capítulos . O primeiro capítulo narra a descoberta do chá. O segundo, trata, especificamente, do chá preto; o terceiro, do cultivo do chá; o quarto, do tempo da recolha; o quinto, da manipulação que antecede o roasting; o sétimo, é sobre o roasting e secagem final das folhas; o oitavo, da manipulação do Pekoe e outros chás; o nono, do chá verde (que é o que interessava na altura os membros da SPAM); o décimo, o calor usado na manipulação do chá na China; o décimo primeiro, descreve algumas experiências; o décimo segundo, de observações botânicas e diferenças específicas de chá; finalmente, o décimo terceiro, cuida da introdução e do cultivo do chá na Índia, Java e Brasil. Inclui ainda um apêndice .

Quarto Tempo: Arranque (1879-1891)

Neste tempo de arranque, há um primeiro momento, de 1879-1883, caracterizado pela tentativa em conseguir legislação protectora para a nova indústria. Neste, já se observa, uma primeira e pouco expressiva produção. Quase para consumo próprio. Um segundo momento, de 1883-1886, que se caracteriza por uma continuada produção. Mas ainda a passo lento. José do Canto e a sua participação frustrada na feira de Lisboa (1883-1884). Gabriel de Almeida diz que se começa a vender chá da ilha em 1884. Um terceiro momento, de 1886-91, em que se detecta uma velocidade crescente e novos objectivos na produção. Vicente Faria e Maia, em 1886, lança o primeiro anúncio de venda do seu chá. Em, 1887, é a vez de Luís Ataíde Corte Real fazer o mesmo .

Provada a viabilidade económica do chá nos Açores, assimilada a técnica básica, era tempo de se passar ao ‘tempo de construir’ os alicerces da futura indústria. Os conhecimentos técnicos para este segundo período, são locais. São de alguém que conhece seguramente os trabalhos e as observações precedentes. São de Gabriel de Almeida, irmão de Rafael de Almeida. Será que quis aproveitar os conhecimentos adquiridos pelo irmão para ganhar com isso? Provavelmente. Antigo aluno do mestre, a sua acção mercantil também terá sido pedagógica, influência do magistério de António Feliciano de Castilho.

Além de vender plantas de chá e de editar um folheto acessível, a SPAM manda analisar o seu chá e obtém resultados excelentes . E, para estabelecer incentivos à nova cultura, José do Canto faz três propostas de protecção e incentivo ao chá em sessão da Junta Geral . Trata-se de apoio das Câmaras Municipais, de prémios aos melhores produtores .

Em 29 de Novembro de 1880, o Memorando Introdutório a enviar a ao Parlamento apontava sólidas razões económicas: solução para as crises económicas e agrícolas. Foi seu redactor José do Canto . Quanto às vantagens desta cultura, eram evidentes: ‘não exige construções nem mecanismos dispendiosos, nem capitais que excedam a posse de qualquer mediano cultor. Enfim pode ser uma cultura popular espalhando os seus benefícios por todas as classes da sociedade.’

Para que pois a cultura do chá se generalize no país, e nos poupe o tributo das grossas somas a que pagamos ao estrangeiro, carecerá apenas, quanto a nós, de se estabelecer, durante o seu período infantil, a protecção que imploramos. ’ Em 1881, começava a aparecer o fruto daquela iniciativa do chá e bem auspiciosa se afigura o futuro deste trabalho.

Caetano de Andrade de Albuquerque, deputado pelo circulo de Ponta Delgada, membro da SPAM e da Comissão de acompanhamento ao trabalho dos chineses contratados ‘em 1881 (…) apresentou na casa do parlamento (…) na sessão de 15 de Março, um projecto de lei de protecção à agricultura e fabricação do chá (…) . Que não foi aprovado.

Seguira-se um período de silêncio? Como escreveu o jornal República Federal? Diz-se: ‘Chá Micaelense (...) nunca mais se ouviu falar em trabalhos nesse sentido ; pois era de todo o ponto utilíssimo que se promovesse e activasse a criação dessa indústria, que poderia, no futuro, as desastrosas consequências da nossa miséria actual, se algum monopolista a não empolgasse em proveito exclusivamente seu. ’ Um ano depois, o mesmo jornal publica anúncios de venda de plantas de chá . No dia seguinte, e durante duas semanas, é a vez de outro jornal fazer o mesmo .

Já antes, respondendo à letra a uma crítica contundente do jornal de Lisboa, Diário de Portugal, a respeito da qualidade do seu chá, José do Canto, a 17 de Junho de 1884, explicava que o chá que enviara em 1883 para uma exposição prevista para 1883 e que afinal se realizara em 1884, deteriora-se por ter sido mal acondicionado. Nesse artigo, interessa-nos, sobretudo, o que José do Canto diz mais à frente : que o chá é tão fácil de produzir como o pão ; que muita gente o cultiva e consome na ilha ; até fora da ilha, no continente.

Todavia, em 1884, apesar de se dominar a tecnologia, apesar de haver chá cultivado, de haver quem o produzisse, José do Canto fazia-o, como outros, por curiosidade. Porém, o chá de S. Miguel era consumido localmente e até em Lisboa .

É neste mesmo ano de 1884, segundo Gabriel de Almeida, que começa a venda de chá produzido em são Miguel . Porém, os primeiros anúncios até ao momento conhecidos de venda de chá micaelense, surgem dois anos depois, nos dias 17 e 26 de Março de 1886. ’ Era Francisco Cabral que o vendia no Largo da Graça, n.º 34. Era chá das propriedades do Sr. Vicente Machado Faria e Maia. A Persuasão de 24 de Março faz o mesmo . Diz dele, Supico: ‘O sr. Dr. Vicente Machado é um dos cavalheiros que mais cuidados consagra a esta cultura e dos que a têm em maior escala. ’ O dr. Vicente aparece, desde, pelo menos, 1878, envolvido nos assuntos do chá. Muitas vezes ao lado de José do Canto.

Um ano depois era a vez de Luís Ataíde Corte Real: ‘Chá micaelense. Encarecem-se muito as qualidades do chá exposto à venda pelo sr. Luís Ataíde Corte Real. Não admiramos que seja excelente, porque o sr. Ataíde é um dos mais esclarecidos preparadores do nosso chá. ’

Diz José do Canto, em 1884, que ‘dentro em pouco a ilha de S. Miguel, não só não precisará importar este artigo, mas estará habilitada a exportar grandes quantidades. Esta indústria auspicia-se bastante remuneradora, e pode vir a influir muito vantajosamente na economia do nosso distrito. ’ José do Canto vaticina, pois, em 1884, que, ‘(...) num período não muito remoto, será esta interessante cultura vulgar (....). ’

Como a proposta não tivesse passado em 1881, fruto de novas circunstâncias animadoras para o chá, Caetano Andrade volta, em 1887, a insistir: nem chegou a ser votado . Transporta a fase associativa da SPAM, já também na esfera da iniciativa individual, deparamos com três obras que obtiveram sucesso editorial. São de cariz publicitário. Foram publicadas entre os 1883 e 1893. A primeira das três, saiu em 1883, e chamava-se: Breve Notícia sobre a Cultura e Plantação do Chá ; a segunda, em 1892, Manual do Cultivador e manipulador do chá; e; a terceira, em 1893, Guia do Cultivador e manipulador do Chá.

Gabriel é um publicista auto-didacta, apostado na divulgação de novas tecnologias. Não o fez só para o chá, pois, entre outras, também divulgou as culturas do tabaco e do ananás. É um bom divulgador. O seu primeiro trabalho sobre o chá é quase um folheto de publicidade, enquanto o segundo e o terceiro, mais minuciosos, são já guias para o cultivo e manipulação.

Quem era Gabriel de Almeida? Indo às genealogias de Rodrigo Rodrigues, ficamos a saber que Gabriel nasceu a 29 de Setembro de 1866. Confirma-se que na freguesia de São José. Casou a 28 de Novembro de 1891. E, o que nos interessa, era, como dissemos, irmão de Rafael de Almeida. Rafael era nove anos mais velho (31 de Outubro de 1857) Eram todos filhos naturais de Luís António Máximo Pereira, mas perfilhados, conhecido por Miguel de Almeida.

Segundo Urbano Mendonça Dias, nossa outra fonte, terá morrido ‘bastante novo.’ Escritor prolixo, sem formação académica, ‘sem grandes títulos literários, soube no entanto apresentar-se no Mundo das letras, sendo recebido com simpatia por todos. Foi redactor do jornal O Civilizador. Colaborador de diversos jornais (Açoriano Oriental, A Caridade, Diário de Anúncios e Novo Diário dos Açores). Autor de muitas obras, abordando vária temática: o chá, o tabaco, a estadia de Castilho na Ilha de São Miguel, a vinha, o açúcar, o ananás, a laranja, a pesca, o turismo.

A) Folheto publicitário a incentivar ao consumo e à produção do chá. É um folheto claramente classificável de publicitário. Gabriel de Almeida, neste pequeno opúsculo, dado à estampa cinco anos após a reedição da obra de Frei Sacramento, incentiva os açorianos a produzirem e a consumirem chá da terra. A obra está dividida num só capítulo, a que intitulou Cultura da Planta do Chá. Neste, na primeira e terceira partes e no primeiro parágrafo da quarta, escreveu o que já se sabia pelo relatório da comissão da SPAM de 1879.

No que diz respeito à História do chá, refere-se à introdução do chá no Brasil (página 4). Aborda as propriedades dos chás (página 5), o tipo de terrenos que a planta parece preferir, o modo como as plantas devem ser cultivadas, a monda e as primeiras folhas (páginas 6 e 7). Existiriam, informa-nos, colhendo a informação em segunda mão, cremos, de um manuscrito chinês, não se sabe como, ‘pelo menos cinquenta e seis variedades de chá.’ Tendo origem na mesma planta, a diferença residia ‘na preparação.’ (página 7) Conclui o trabalho, enumerando dez variedades de chá. (páginas 9-11).

A haver diferenças, que diferenças haverá, de novidade entre a reedição do livro de Frei do Sacramento e a de Gabriel de Almeida de 1883 que justifique a publicação de Gabriel de Almeida? À primeira vista, o livro de Gabriel de Almeida apenas apresenta diferenças formais: é mais pequeno. Todavia, para além desta diferença, existem outras. Em primeiro lugar, sendo em formato mais pequeno e escrito em linguagem comum, é mais acessível ao público. Acaba por ser mais barato e menos denso. Segundo, porque ao pretender demonstrar as qualidades do chá local, é também um folheto publicitário.

Uma circunstância não despicienda: Gabriel de Almeida, na ocasião em que publica o seu livro, não se sabe se o faz pouco ou muito tempo depois de o escrever, era um jovem de dezassete anos de idade. Além do mais, repare-se mais uma vez na feliz coincidência, era nem mais nem menos que o irmão mais novo de Rafael de Almeida, o secretário da SPAM que fora incumbido, observando o que faziam os dois chineses, de aprender a manipular o chá. Rafael teria já vinte e cinco anos ou ia a caminho de os fazer.

Quando os chineses estão a experimentar o chá colhido em S. Miguel, Gabriel, com doze para treze anos, pode ter sido companhia do irmão mais velho. Ou teria ouvido os seus comentários. Ou até, vamos supor, por ter mais jeito para a escrita do que o irmão Rafael, ter sido encorajado ou desafiado por ele a escrever.

Em 1879, Rafael era um jovem de 21 ou de 22 anos. Este primeiro trabalho de Gabriel, é, naturalmente, incipiente, mas, nem por isso, raro. Recorde-se, por exemplo, que, em 1849, José de Torres, com apenas dezasseis anos, publicou Viagens ao Interior da Ilha de S. Miguel . A publicação deste trabalho de Gabriel, pode especular-se, talvez tenha ainda resultado, para além do propósito didáctico, de uma vontade de rendibilizar conhecimentos. Portanto, estaremos perante uma oportunidade comercial. O que pode ser corroborado, se tivermos em conta o que publicou ao longo da vida, por outros trabalhos.

Quais as possíveis razões da pouca velocidade imprimida no primeiro momento deste quarto tempo? Ou seja até 1886. Será a crise da filoxera das vinhas e da diminuição da produção e exportação da laranja? A emigração? O aguardar-se o retorno na aposta bem sucedida no ananás? Aposta no tabaco e no álcool e em outros produtos: café, algodão. Por exemplo? Ou em fábricas? Tudo isso um pouco?

Supico, atento ao clima da época, em 1879, escrevia, ao referir uma outra aposta no café: ‘(…) nesta época de crise aterradora, que só pode ser vencida com muitos esforços no sentido de encontrarmos no solo novas fontes de riqueza. ’ É de novo Supico, sempre interessado e atento, quem, no final daquele ano, escreve: ‘Sociedade de Agricultura. Esta associação benemérita (…) não podia ficar indiferente perante uma questão vital para que convergem todas as nossas atenções – estudar as causas da violenta crise económica que esta ilha está sofrendo, e propor os meios que a possam esconjurar. (…). ’ Ainda em 1883, voltando a citá-lo, o jornal República Federal se referia às condições: ‘ (...) desastrosas (e à) nossa miséria actual (...). ’

Quinto Tempo: Aceleração (1891-1913)

José do Canto e a fábrica da Caldeira Velha. O conhecimento e a maquinaria vindos também de fora. Outros chineses e mecanização. Seguem-se-lhe José Bensaúde, José Maria Raposo do Amaral. Um primeiro momento, de 1891 a 1895: Da construção da fábrica da Caldeira Velha em 1891-92 à Exposição da SPAM em 1895. Um segundo momento, de 1895 a 1913: aumenta o número das fábricas. Introdução de alguma maquinaria. Início de exportações planeadas para fora da ilha, continente e estrangeiro .

A vinda de novos dois técnicos chineses, desta vez contratados por José do Canto, para a fábrica de chá da Caldeira Velha, em 1891, marcará o início deste novo momento. Momento em que se começa a trabalhar a uma velocidade superior, sem as hesitações dos tempos antecedentes . Ao mesmo tempo, a iniciativa de José Bensaúde (1891). Frederico Serpa já tem em 1895. Raposo do Amaral tem produção em 1898 .

A) História e Manual de cultivo e de apoio à produção local de chá. Este novo trabalho de Gabriel de Almeida, saído em 1892, é um misto de História e de Manual de Cultivo e Produção do chá . Persiste a mesma característica: acessível na linguagem e no formato. É, novamente, um evidente incentivo à produção local. O que levaria este autor, nove anos depois do primeiro trabalho, a publicar um segundo sobre o chá? Comparando os dois trabalhos, este de 1892, patenteia uma maior maturidade na forma e no conteúdo. Outra coisa não seria de esperar, já que, Gabriel tinha 25 ou perto de 25 anos, tendo, entretanto, acumulado experiência mercê da publicação de outros trabalhos de divulgação. E o chá, entretanto, desenvolvera-se nas ilhas. Este é o segundo de três livros que dedicou a esta planta agro-industrial: o primeiro fora em 1883, agora, este de 1892, e o terceiro e último, seria publicado no ano seguinte, em 1893. Até pelo título já vemos a entre ambos: Manual do Cultivador do Chá. Por tudo o que sabe, ‘a exploração do chá não é muito dispendiosa (…).’

Gabriel organizou-o em três partes: ‘na primeira (diz ele) compendiamos as notícias mais curiosas sobre o chá; na segunda historiamos os ensaios feitos na ilha de São Miguel (…) para o estabelecimento desta indústria; e na terceira (…) apresentamos as regras praticas e os necessários detalhes sobre a sua cultura, fabrico e exploração.’

Analise-se a terceira parte. Em relação à obra de Frei do Sacramento, é bem visível, que a de Almeida é mais resumida. Será mais fácil de se usar no dia a dia: um verdadeiro manual. Inclui modelos de folha de despesa. Encontra-se ainda subdividida. Passo a enumerá-la, em nota de rodapé, pelo seu evidente interesse . Bastará uma leitura na diagonal, para nos convencermos da natureza de manual da obra .

B) Manual de cultivo de apoio à produção local de chá. Em 1893, Gabriel edita novo trabalho. Nele, deixa de lado os aspectos históricos, talvez por se tratar de um guia, talvez por já os ter anteriormente tratado. A parte polémica publicada na obra anterior, foi liminarmente eliminada: a que tratava de relativizar a exclusividade e preeminência do clã Canto na introdução do chá. O que é que estava em jogo? Os louros pertenceriam apenas a Ernesto do Canto ou deveriam ser distribuídos por mais gente? Gabriel achava que Ernesto do Canto não era o único. Porém, cedo terá percebido que era melhor passar ao lado do assunto: o seu objectivo era divulgar não polemizar. Interessava-lhe mais ganhar dinheiro e divulgar o assunto do que alimentar querelas inúteis.

Talvez por isso, um ano depois de publicar a última obra sobre o chá, Gabriel de Almeida, espírito organizado e minucioso, com faro para o negócio, publica a sua terceira obra em dez anos dedicada ao chá. Desta vez não a denomina de manual, mas de guia. Era dirigida não apenas ao cultivador mas igualmente ao manipulador. Logo na capa, talvez a defender-se, sofrera ataques pela posição que defendera contra a hegemonia de Ernesto do Canto, declara com orgulho o seu currículo. Era: ‘membro de diversas sociedades cientificas do estrangeiro.’

Uma simples vista de olhos, indica-nos que, esta obra de 1893 será, fundamentalmente, a obra de 1892, despojada das suas duas primeiras partes. Será por isso que a intitula de guia e não manual? Aparece em formato mais pequeno e é impressa em letra mais miúda. O primeiro livro fora impresso em Ponta Delgada, este, na cidade de Lisboa. Este exemplar (o que manuseio) tem assinatura de pertença de Eugénio do Canto. Esta obra, parece ser ainda mais de uso diário: talvez por ser mais abreviada. Mantém toda a estrutura da antecedente. Inclui os mesmos modelos de folha de despesa.

Tal como na anterior, esta nova está igualmente subdividida. Para confirmar uma e outra, passo a enumerar em nota de rodapé . Em suma, este livro de 1893, é exclusivamente dedicado à orientação do cultivador e do manipulador . Entre 1892 e 1893, ocorreram diversas experiências particulares. Daí este novo livro? É bem provável. Havia mercado para eles.

Para este quinto período, socorro-me também de Cristóvão Moniz. Partindo o autor, muito certamente, de observações anteriores e do conhecimento dos trabalhos já publicados, Cristóvão Moniz propõe mudanças. Não deixa de ser divulgador, e bom, apesar de ser, acima de tudo, um técnico formado.

Dois anos após a última obra de Gabriel de Almeida sair, em 1895, sai a de Cristóvão Moniz. A quinta obra, saída em 1895, intitula-se, A Cultura do Chá na Ilha de São Miguel. Naquele ano de 1895, existiam já sete fábricas (produtores?), das quais, quatro ficavam na Ribeira Grande. E, dentro da Ribeira Grande, já se destacava a freguesia da Ribeira Seca, com duas, e a Conceição, com uma. No total, aquela zona do Concelho, possuía três das quatro fábricas do Concelho. Sabemo-lo por causa de uma exposição promovida pela SPAM, realizada a 18 de Maio de 1895. Entre outras indústrias, o chá. Inclusive, prováveis novas fábricas de chá, já que, sendo o chá de fácil produção, quem o cultivava em querendo produzi-lo, produzia-o . Moniz narra a vitória local do cultivo e transformação do chá.

Em 1903, oito anos depois de Moniz, das sete fábricas que haviam iniciado a laboração entre 1878 e 1895, quantas mais abriram entre 1895 e 1903? Recorremos a Francisco Maria Supico. Proprietário e editor do jornal A Persuasão. Num inquérito informal que empreendeu, avança com dez fábricas. Mas, desde logo, adverte-nos para o facto de existirem outras de menor importância. Destas menores, porém, não nos adianta qualquer pormenor. Omitindo, ao contrário do que fará Cabido, mais tarde, o número das fábricas menores. Portanto, o número total de fábricas referido, é claramente um número que fica aquém da realidade. Até agora, temos apenas as mais importantes e as que o inquérito informal apurou. Para o mesmo ano de 1903, há, ainda, o que se poderá ser considerado um catálogo, muito sumário, circunscrito à Ribeira Grande, de Cristiano de Jesus Borges (1903) .

C) A palavra do agrónomo divulgador. Em 1895, a tecnologia do chá, pelo menos a introduzida pelos chineses, não oferecia quaisquer segredos aos locais. Comecemos pelas palavras finais, vindas na página 107, do livro de Cristóvão Moniz: ‘(…) se [o Minho ou outra qualquer parte do nosso país] intentar tão vantajosa empresa, não haverá já precisão de recorrer para tanto aos filhos do celeste Império, porque, à voz de Portugal, acudirão os – Micaelenses.’ Era, não restam dúvidas, o orgulhoso atestado da maioridade no domínio da tecnologia do chá pelos açorianos. Cristóvão Moniz é, nas suas próprias palavras, ‘agrónomo, director da escola de viticultura Ferreira Lapa.’ Quando publica este trabalho, está a residir no continente, porém, no ano seguinte, regressaria à Ilha de São Miguel. Para saber mais sobre ele, consultámos a entrada biográfica na obra sobre os parlamentares da I República. Confirmámos: é natural da Ribeira Grande, onde nasceu a 10 de Dezembro de 1861. A parte que se segue, é nossa: era um de vários irmãos célebres na terra. Alberto Ferreira Moniz, após regressar à Ilha, estabeleceu-se como comerciante de ferragens. Ainda hoje a Loja Evaristo Lima é conhecida pelos mais antigos da terra como a loja do Sr. Alberto Moniz. O irmão Alberto, era um desses dramaturgos amadores aclamados localmente. Existem, nas mãos de um particular, algumas das suas obras manuscritas. Outro irmão, o padre Egas Moniz, foi Ouvidor do Eclesiástico e autor de vários trabalhos (publicados em jornais) sobre a história local. Correspondia-se com Ernesto do Canto. Conheço um interessante trabalho, a que já dei à estampa, sobre a origem toponímica das ruas da freguesia da Conceição, da Ribeira Grande .

Regressemos à entrada biográfica: Cristóvão estudou no liceu em Ponta Delgada, formando-se em Agronomia em Lisboa. Foi como agrónomo ‘subalterno’ que foi colocado, em 1887, na cidade da Horta. Dois anos depois, em 1889, viajou da Horta para Santarém, onde exerceu as funções de professor na Escola Prática de Agricultura. Foi igualmente director da Escola Prática de Viticultura de Torres Vedras e da Estação Anti-Filoxérica do Sul. Em 1896, dezassete anos após ter ido dos Açores para o continente português, vem do continente para os Açores para assumir a gerência de uma fábrica de álcool industrial. A entrada é muda a este respeito, porém, é crível que tenha exercido funções na fábrica do Álcool da sua terra natal. Estrutura, hoje a ser adaptada a Centro de Artes dos Açores. A experiência não terá durado mais do que três anos. Devido à crise da indústria regional provocada pelo proteccionismo nacional à indústria continental. Em 1899, dez anos depois, regressa de novo à função pública, agora como chefe de secção da Repartição de Serviços Agronómicos.

Em 1910, no ano da implantação da República, foi nomeado director de Patologia Vegetal. Desempenhou funções de secretário-geral do Ministro da Agricultura. Em 1911, foi eleito pelo Círculo de Ponta Delgada à Assembleia Constituinte. Fez parte do Senado nas legislaturas de 1911, 1919 (como candidato da União Republicana) e 1921, ainda em representação do Círculo de Ponta Delgada. Foi colaborador do Portugal Agrícola e de A Vinha Portuguesa.

Cristóvão Moniz subdivide o livro em cinco capítulos. Em relação às obras anteriores, é notória a introdução de uma notável inovação: ilustra a obra com gravuras. São seis gravuras, todas úteis. (Veja-se nota de rodapé) O impacto visual das figuras, ajudaria a perceber as descrições.

Quanto aos cinco capítulos propriamente ditos: Preliminar – Bosquejo histórico do chá e ensaio da sua cultura fora da China e do Japão (p. 5); Capítulo I – Origem, descrição botânica e climas próprios da Camellia thea: Origem, descrição botânica, climas (pp. 35-41); Cap. II – Terreno, plantio e reprodução da Camellia thea: terreno, plantio, reprodução (pp. 57-69); Cap. III – Amanhos da Camellia thea: estrumação, campinação, poda (pp. 73-81); Cap. IV – Colheita e preparação geral das folhas da Camellia thea: colheita, preparação das folhas (pp. 85-93); Cap. V – Manipulação especial do chá: Chá preto, murchidão, Torcedura, Fermentação, Exsicação, chá verde (pp.85-105).

Comparando os dois últimos trabalhos de Gabriel de Almeida com o de Cristóvão Moniz, descobre-se logo uma diferença: enquanto as obras de Gabriel registam uma técnica e uma indústria ainda algo rudimentar, a de Cristóvão, distanciada apenas dois ou três anos daquelas, regista uma técnica avançada e retrata uma indústria em plena maturidade. Que domina perfeitamente a tecnologia essencial, mas que, segundo o autor, precisaria de generalizar a modernização. A obra de Cristóvão Moniz introduz novidades técnicas: as máquinas .

D) A palavra a Supico: ao primeiro historiador do chá local: 1903. Como o que nasce forçosamente terá uma História para contar, o chá começou a ter História, com o seu primeiro historiador, o homem que ia recolhendo notícias e curiosidades acerca do chá na ilha e nos Açores. Apesar de Gabriel de Almeida já o referir, é Supico, em nosso entender, quem o melhor faz. Não era técnico nem industrial era um artista da palavra. Era o continental fixado há muito na Ilha, Francisco Maria Supico. Supico, segundo, Carlos Riley, seu biógrafo, nasceu na Lousã, em 1830 e faleceu em Ponta Delgada em 1911. Chegou à ilha aos 22 anos. Após ter praticado farmácia em Montemor-o-Novo e Coimbra, na década de 40, submeteu-se em Dezembro de 1851 a um exame de Farmácia na Universidade de Coimbra. Já em Abril de 1852, era admitido na Farmácia da Santa Casa da Misericórdia de Ponta Delgada. O seu primeiro trabalho conhecido foi publicado no jornal A Estrela Oriental da Ribeira Grande . Inicia as Escavações em 1895. Em 1903 publica o resultado do seu inquérito informal sobre as fábricas de chá locais: 10 fábricas maiores.

Sexto Tempo: Tempo de balanço e de revisão (c. 1913)

E quantas mais fábricas entre 1903 e 1913? O texto é de 1913, vem num periódico, tem por título A Indústria do Chá nos Açores, e é da autoria de Aníbal Gomes Ferreira Cabido. Aníbal Cabido, faz o balanço presente e aponta tendências. Cabido, referindo mais de duas dezenas de pequenas fábricas, detém-se no inquérito específico de dez fábricas com alguma maquinaria, situando-se uma delas na Ilha do Faial . Pretende aí, partindo da realidade, abrir perspectivas de melhor aproveitamento da indústria.

A) A palavra do engenheiro Cabido. A tecnologia fora assimilada. Em menos de trinta anos, do 4.º para o 5.º tempos, multiplicara-se o número de fábricas, aumentara a produção; havendo mesmo algumas que usavam maquinaria. Era chegado o tempo de colher os frutos.

Em 1913, já no período da primeira República, pela voz de outro autor natural da Ribeira Grande, Aníbal Gomes Ferreira Cabido, sai um novo trabalho tendo como tema o chá. Passara trinta anos sobre a primeira experiência bem sucedida da manipulação do chá. O título da obra denuncia nitidamente, para além de qualquer possível dúvida, que a indústria já não era um sonho, nem tão-pouco uma promessa, era uma realidade bem concreta.

Na linguagem seca e taxativa de alguma genealogista, Rodrigo Rodrigues diz-nos de Aníbal Cabido: ‘engenheiro, que nasceu na freguesia da Conceição da Ribeira Grande a 27.2.1856.’ Mais tarde, aos vinte oito anos de idade ‘casou a 1.7.1885.’ Fora da terra natal, ‘em S. José de Ponta Delgada (…) com Helena de Melo Manuel da Câmara (…).’ A mãe era irmã de ilustres homens da benemerência da Ilha de São Miguel: César Augusto Ferreira Cabido e Augusto César Ferreira Cabido.

O trabalho de Aníbal Cabido vem arrumado em quatro capítulos . Capítulo I: notícia histórica, origem da planta do chá em S. Miguel (pp.3-13); Capítulo II: Cultura da planta do chá, colheita e manipulação (pp. 14-23); capítulo III: Notícia sobre as principais fábricas do chá e descrição de maquinismos (pp. 23-34); Capítulo IV: Produção e seu valor, exportação (pp. 34-38).

Se os dois primeiros capítulos, poucas ou nenhumas novidades trazem, ao que já havia escrito Cristóvão Moniz ou mesmo Gabriel de Almeida, os dois últimos trazem algumas interessantes. Abre-se uma excepção para chamar a atenção para a página 21 do II capítulo, onde o autor refere a fundação em 1891 da fábrica de José do Canto, na Caldeira Velha, na Ribeira Grande. Algo que Gabriel de Almeida não fizera, mas que, se calhar, se quisesse, já poderia ter feito.

E, talvez ainda mais importante, porventura mais importante para quem queira avançar nestes estudos, na mesma página, vem, em nota, uma lista bibliográfica das obras consultadas pelo autor. Entre as conhecidas, uma desconhecida, a que já nos referimos, que se encontra na Biblioteca Nacional: Morais, Joaquim M. Araújo Correia de, Manual do cultivador do chá do comércio ou resumo de apontamentos que, acerca de tão importante e fácil cultura, foram publicados no pretérito ano de 1881 por Joaquim M. Araújo Correia de Morais, 1882, Lisboa.

É incontornável consultar com vagar este trabalho de 1913 de Aníbal Cabido. É um retrato da indústria surpreendida em plena actividade. Do seu esforço de introdução de máquinas. Em três décadas, longe haviam ficado para trás (para algumas das fábricas, não todas) as técnicas introduzidas por um dos chineses ou pelas leituras dos livros de Gabriel de Almeida e de Cristóvão Moniz. É importante, sobretudo, no balanço que faz e das perspectivas que traça.

Diz ele que ‘o chá dos Açores só pode ter consumo no continente, consumo que se vai restringindo, continuando a crescer a importação do estrangeiro e porventura do colonial (…).’ (P.37) Como razões aponta: carestia da mão-de-obra local; baixa produtividade por hectare (p.37); o fabrico muito semelhante pelos cultivadores; muitos agentes de venda (p.13); desonestidade de comerciantes (p.13); aposta errada de cultivadores em produtos de retorno imediato (p.16).

Como soluções aponta: o chá fabricado com uniformidade; continuada protecção; baixos salários; melhores sementeiras; melhores cuidados na cultura e no fabrico; mecanização e uniformização de processos (p. 16).

Conclui o seu importante trabalho com uma nota de fé no futuro: ‘Não desanima, porém o industrial, pois há quem cuide de melhorar a produção e de combater os inimigos internos e externos que inconscientemente, quase sempre, trabalham pela ruína completa da indústria.’ (p. 37-38)

Súmula final

Aos que desconhecem a História do chá nos Açores, pode parecer exagero, mas é correcto afirmar-se que a tecnologia essencial do chá foi dominada pelos locais logo em 1879. Dos autores aqui tratados, um era brasileiro, outro era britânico, outro era continental mas radicara-se há muito na ilha, quatro eram naturais da ilha de São Miguel, dos quais, dois eram filhos da Ribeira Grande e dois de Ponta Delgada. Destes, quatro haviam recebido formação superior. Frei Leandro estudara Filosofia em Coimbra, mas interessara-se pela botânica. É a partir do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, onde trabalha, e do que lá vê e faz, que escreve o seu manual. Ernesto do Canto formou-se também em Filosofia em Coimbra, mas interessou-se pelos assuntos da terra. Ball residiu na China de 1804 a 1826, aproveitou a estadia oficial para observar a cultura do chá na China. O livro saiu em 1848, vinte e dois anos depois de ter terminado a sua estadia oficial na China. Gabriel de Almeida era um diletante auto-didacta com faro para o negócio. Que escrevia bem. É um bom divulgador. Parece proceder do grupo influenciado directamente por Castilho. Escreve sobre a estadia de Castilho em S. Miguel. Talvez ainda devedor do que aprendeu com o irmão Rafael Almeida e com outros ligados à SPAM. As suas obras parecem ter desempenhado um importante papel no arranque da indústria do chá. Quando Lau-a-Pau empreende as primeiras experiências bem sucedidas de manipulação de chá preto na ilha, Gabriel tem doze ou treze anos. E tem apenas dezassete quando escreve o seu primeiro trabalho sobre o chá. No tempo de Lau-a-Pau, Cristóvão Moniz, nascido em 1861, é ainda um adolescente de dezasseis ou dezassete anos. Todavia, quando escreve o seu trabalho, aos trinta e três para trinta e quatro anos, havia adquirido vastos conhecimentos e bastante experiência. Poderá ter, eventualmente, conhecido localmente as iniciativas do chá. Sendo micaelense, da Ribeira Grande, onde se concentrava ou viria a concentrar a maior parte da indústria, nada mais natural querer aprofundar e transmitir os seus conhecimentos? Pode ser que sim. Aníbal, em 1879, teria 23 anos, idade para se interessar ou até não pelo que se passava na sua terra. Pode ter adquirido mais tarde o gosto. Escreve o seu livro aos cinquenta e seis, cinquenta e sete anos, no fim da sua curta vida. O que diferencia Aníbal e Cristóvão, dos anteriores? José do Canto em 1843 no ‘Para que serve uma Sociedade de Agricultura’ lamentava o facto de os jovens não escolherem agronomia. Em 1852, com novos estabelecimentos de ensino superior, abria-se a porta a quem desejasse seguir carreira em agronomia . E Aníbal e Cristóvão aproveitaram. Convém não esquecer ainda quatro figuras: António Feliciano de Castilho, foi quem primeiro lançou a hipótese nas páginas de O Agricultor Micaelense do cultivo do chá; Guilherme Read Cabral foi, sobretudo nas páginas de O Cultivador, o primeiro grande publicista do chá na fase da preparação da vinda dos práticos. Francisco Maria Supico foi o seu grande e primeiro historiador. E, por último mas não o último em importância, Edmond Goeze, com quem José do Canto se correspondia, e cujos trabalhos foram usados em várias fases da História do chá.

Mário Moura

10 de Março de 2014

Mário Moura
Enviado por Mário Moura em 10/03/2014
Reeditado em 26/06/2014
Código do texto: T4722999
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