Alzheimer - Um Depoimento

Sou hoje uma estrela solitária ilhada no universo da solidão. Vivo o último clarão de licidez pela penumbra de minha janela.

Já não diviso a linha da verdade ou da pura imaginação.

É isto: Uma herança que perde seu testamento, relíquias de minha história.

Das lembranças mais antigas, restam-me lampejos de uma boneca de pano deformada.

Nesse momento as portas se fecham e me resta procurar linhas coloridas para bordar o meu sudário.

Vejo o rosário a minha frente, mas não vejo a cruz para iniciar, mas eu creio!

Sei que na conta seguinte da bolinha se reza o Pai-nosso; Nas três contas seguintes, três Ave-Marias....o restante é no momento um mistério, uma lembrança apagada.

Restaurar na velhice a adolescência é para mim sobre-humano. Queria atar as duas pontas da vida, contudo algo esfacelou minha memória em labirintos esquecidos.

Mas tudo isso me parece confuso; talvez o fim.

Aqueles que tinha ao meu lado, são apenas sombras sem rosto. Não sei mais os seus nomes. Desapareceram sem ao menos dizer adeus ou qualquer coisas que me fizesse lembrá-los.

O tempo é curto, o relógio anda, o mundo não dá voltas redondas, tenho que bordar o meu sudário e um dia voltar ao pó, lugar de toda a pobreza humana.

Estêvão Zizzi
Enviado por Estêvão Zizzi em 15/05/2014
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