AO PÃO E CIRCO...SOM NA CAIXA, MAESTRO!

Com os olhos do coração, ensaiando na plateia.

Gosto de pensar e de repensar o meu cenário, e não o faço hoje apenas porque nos é um direito assegurado pela Carta Magna, mas principalmente por me sentir num dever cidadão de cumprir a vontade das minhas letras, as que pulsam no fundo do peito .

Desde criança eu entendi que é obrigação obedecer as letras, letras são tiranas, e aos poucos, também fui entendendo que é dever de todos ensaiar seu tempo e seu espaço para o mesmo bem da coexistência de todos, em quaisquer tempos e nos diferentes espaços.

Obviamente que aqui não escrevo com os grandes olhos de "know-how" dos especialistas em sociologia, mas ensaio meu cenário com os olhos do coração.

Tenho também sensíveis ouvidos num coração musical.

Som na caixa, maestro! Vamos à sinfonia!

Já sabemos, inclusive via literatura e mesmo com a versação da poesia da vida, que os olhos do coração vão além do que se vê com os efêmeros olhos do curto tempo carnal. E os ouvidos? Esses são igualmente mágicos...

E palanque algum enganaria os olhos dum coração...de audição musical.

Ensaio meu cenário com o sentimento de quem vive a história porque não há melhor maneira de sentir e ensaiar a verdade dum tempo do que ser parte vivencial dele.

Ninguém nesse mundo aborta o sentimento dum peito em erupção e tampouco impede o pensamento de exisitir...e coexistir.

E tal me alivia...muito.

Assim, ensaio o âmago do que sinto como se expurgasse de dentro de mim a não aceitação do maior paradoxo do meu tempo dentre todos os tempos que já vivi: um descompasso gritante entre a dor...e a inépcia duma enganosa analgesia.

Enxergo um cenário cujas cortinas foram abertas, e um púlpito sobre o qual vozes desconexas negam o que no cenário tristemente se descortina sem chance de velamento instrumental.

Artistas testam seus apetrechos de sons...

A orquestração se inicia...

De súbito, a música de fundo crescente é substituida por sons amargos e graves, cuja partitura perde sua harmonia a transformar o tudo que se ouve em dissonante cacofonia.

E o mais impressionante: o maestro já se assusta porque estava certo que se empenhara no ópio a ser ofertado à plateia esfomeada na alma.

Afinal, preparara todos os instrumentos afinados e arranjados, escolhera as tendas mais belas dos cenários fantasiosos, as figuras mitológicas, quimeras de improvisos para que ninguém se despersasse do foco principal desviado, identificou os intervalos musicais para que todos fossem preenchidos com curativos imperceptíveis, rearranjou as máscaras da festa.

Todavia algo desandou a sinfonia.

Desandar a sinfonia é como se perder o rumo de toda a arte dum tempo infrutífero.

É desarranjar gerações...

Na plateia, ouço ecos mudos de vermelho rubro que se esvaem das gargantas embargadas, como a dor dum sangue venoso retirado dos vasos à força impiedosa de todas as fomes, perante o tempo que carcome tudo, inclusive as mentiras dos púlpitos e dos palanques vazios.

Quimeras são fantasmagóricas...

Silêncio na plateia...e aqui também silencio o final do meu ensaio.

Porque também a arte da vida, ao representar o silêncio do desespero, nele também personifica os silêncios das melhores respostas.

Qualquer ensaio da consciência, ainda que artistíca, também entende e sabe quando é tempo de calar.

Porque sempre chega um tempo em que não adianta falar mais nada...simplesmente porque a cortina já está aberta, escancarada.

É quando a sorte de toda tragédia também já está lançada.

Nada detém a verdade pelos tempos em que o pão já não sacia as fomes e o circo já desaba sobre toda a festança.