O tempo que mudou o chá dos Açores

O terceiro tempo do chá: o que mudou o chá dos Açores

Do aprender ao primeiro arranque

(1878-1879)

Por Mário Moura*

Sumário: 1 - Resumo/Abstract; 2 – Introdução; 3 – Sobrevoo ao Primeiro Tempo do chá (1801-1873): Da espontaneidade às primeiras tentativas; 4- Terceiro tempo (1878-1879): Do aprender ao primeiro arranque; 5 – Primeira temporada de colheitas e fabrico de chá (7 de Março de 1878 a 22 de Julho de 1878); 6 – Assembleia-Geral de 3 de Junho de 1878: 1.º Momento de balanço; 6.1 - Encomenda de utensílios e de sementes à China. Para particulares e para a SPAM; 6.2 - Balanço da primeira temporada e preparação da segunda; 7 – Assembleia-Geral de 5 de Fevereiro de 1879: Impulso da fabricação do chá por sócios; 7.1 – Presidência de Ernesto do Canto: Impulso à produção de chá por locais; 8 – Segunda temporada de colheitas e fabrico de chá (Abril de 1879 a depois de 18 de Julho de 1879); 9 – Conclusão.

1 - RESUMO

Este artigo centra-se no tempo que mudou o chá dos Açores, o terceiro, do aprender ao primeiro arranque (1878-1879). Tempo dividido em duas temporadas: Primeira apanha e fabrico de chá (Março a Julho de 1878); Segunda apanha e fabrico de chá (de Abril a Julho de 1879). Com a contratação de dois técnicos oriundos de Macau, Lau-a-Pan (mestre) e Lau-a-Teng (interprete e ajudante), pela Sociedade Promotora da Agricultura Michaelense, os micaelenses aprenderam rapidamente: Primeiro, a cultivar e a produzir chá; segundo, que o seu chá era propício. O projecto juntou a primeira e a segunda gerações de sócios, que, para encontrar uma saída, face às crises da laranja e do vinho, apostaram no chá, tal como em outras culturas agro-industriais. A indústria do chá desenvolveu-se essencialmente na ilha de São Miguel.

Palavras-chave: Lau-a-Pan, Lau-a-Teng; Chá; Sociedade Promotora da Agricultura SPAM; Chinas; José do Canto, Ernesto do Canto, Caetano Andrade de Albuquerque, Rafael de Almeida.

1 - ABSTRACT

This article focuses in the azorean third tea period (1878-1879), time to learn and the first move towards tea industry. This time is made up of two periods: First, time to collect and make tea (March to July 1878); Second, time to collect and make tea (April to July 1879). With the hiring of two Chinese tea technicians, Lau-a-Pan (the master) and Lau-a-Teng (the interpreter) by the local agricultural society, locals rapidly acquired two things: how to grow and make tea and the value of his tea. Tea industry brought together first and second generation SPAM members, who, to cope with wine and orange crises, among other products, invested in tea. Industry mainly developed in Saint Michaels’s Island.

Key words: Lau-a-Pan; Lau-a-Teng; Chá; Sociedade Promotora da Agricultura SPAM; Chinas; José do Canto, Ernesto do Canto, Caetano Andrade de Albuquerque, Rafael de Almeida.

2 – Introdução

‘(…) Fizemo-lo, Senhor! (…).’ Em janeiro de 1879, Caetano Andrade de Albuquerque, Presidente da Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense [SPAM], dirigia-se nestes termos ao rei D. Luís. Dizia isso porque em dez meses apenas ‘os ensaios já realizados [do chá] levam-nos a crer que no futuro poderá este Distrito [Ponta Delgada] contar com uma importante fonte de riqueza (…).’

Sem esconder a vaidade, colocava o feito ‘(…) entre os cometimentos ousados que esta sociedade [SPAM] tem empreendido figura talvez, como o principal a sua iniciativa em ensaiar e introduzir neste Distrito [Ponta Delgada] a cultura e preparação do chá .’

Afinal, que sucedera? Para responder à pergunta, vamos concentrar a nossa atenção, de uma maneira geral, entre a terça-feira, dia 5 de Março de 1878, dia em que os chineses Lau-a-Pan e Lau-a-Teng chegaram a Ponta Delgada vindos de Macau no navio Luso , e, sexta-feira, dia 18 de Julho de 1879, quando partiram de volta a Macau no Açor .

A documentação compulsada, confirma-nos que foram dezasseis meses decisivos, vividos intensamente, mobilizadores de recursos, humanos e financeiros, como só até então, possivelmente, fora, tanto quanto se sabe, o caso da aposta prosélita e didáctica da SPAM no jornal o Agricultor Michaelense. [Vide Nota 1] Mais precisamente, vamos analisar o essencial do tempo de viragem na cultura e manipulação do chá nos Açores : o terceiro tempo (1878-79) . [Vide Nota 2]

Naquele terceiro tempo, aprendeu-se rapidamente a manipular o chá e comprovou-se a qualidade do chá produzido e o valor das plantas de chá locais. Foi o primeiro passo para transformar o chá, de simples planta com possibilidades económicas, em planta com real potencial económico. [Vide nota 3] Algo que só começará em força no sexto tempo (1891-1913). Mas disto não se tratará aqui.

A nossa tese é basicamente a que se segue: aprende-se rapidamente a cultivar e a transformar chá na ilha de São Miguel. Ainda antes de findar a primeira temporada de colheita (Março a Julho de 1878). A área por excelência de cultura e transformação do chá dentro da ilha de São Miguel fica definida desde o início: a Ribeira Grande. O projeto é uma parceria, partilha quase sem delimitação de esferas, entre sócios e associação. Com apoio parcial dos poderes públicos.

3 - Sobrevoo ao Primeiro Tempo do chá (1801-1873): Da espontaneidade às primeiras tentativas

Para melhor apreender o sentido do terceiro tempo do chá em S. Miguel, entremos ao de leve no final do primeiro tempo, que termina a 30 de Novembro de 1873 com a deliberação da Assembleia-Geral da Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense em recorrer a técnicos de fora .

Este primeiro tempo do chá (1801-1873) é caracterizado pelo desconhecimento inicial do chá e pela procura final de um ‘método preciso para o fazer chegar à sua última perfeição’. No final deste período, antes da vinda dos dois primeiros chineses, havia quem cultivasse e tentasse produzir chá nos Açores: ‘(…) metiam em frascos algumas folhas tenras, e quando bem murchas com elas faziam chá. Por muito acre não se podia tomar .’ Em 1873, chegou-se á conclusão que era tempo de experimentar a sério. De passar da iniciativa individual à iniciativa associativa.

Conhecem-se várias versões explicativas da introdução do chá na ilha de S. Miguel ao longo deste 1.º Tempo , porém, nenhuma nos parece tão segura como a que documenta os esforços de José do Canto (1820-1898).

Certo, porque confirmado documentalmente, é que José do Canto, antes de 1866, possuía plantas de chá e fazia projetos para desenvolver o chá. Conhece-se uma carta de janeiro de 1866 a John Veitch, na qual José do Canto encomendava plantas, entre as quais, a Thea Bohea .

Por volta de 1864, José do Canto já seria senhor de plantações de chá. Quem nos permite admiti-lo com razoável probabilidade é Edmond Goeze. Goeze veio de Coimbra e esteve ‘(…) no Verão de 1866 (…)’ a visitar ‘(…) demoradamente S. Miguel.’ Aqui teve, diz ele ‘(…) ensejo de travar relações com o grande proprietário José do Canto, cujo pensamento dominante era o progresso e a prosperidade da sua terra (…) .’ Continua Goeze: ‘(…) O Sr. José do Canto comunicou-nos também o seu plano de proceder a plantações de chá e quis ouvir-nos sobre o assunto (…).’ E que, ‘(…) por intermédio do professor Decaisne, que mantinha relações directas com a China, pôs-se (…) em contacto com algumas firmas comerciais dali [onde precisamente na China?] .

José do Canto saberia até como e onde plantar o chá: ‘Como fora aconselhado [a ocupação vinha de tempos atrás: quem o aconselhara?] preferiram-se os terrenos inclinados e os vales húmidos com depósitos aluviais. Também se estava ao facto de que a poda devia fazer-se na estação fria para que rebentasse uma grande quantidade de folhinhas tenras das hastes novas (…)’ .

Apesar disso, tanto quanto se sabe, só a partir de 30 de Novembro de 1873, se começaria a preparar de forma concertada o que o Governador das Ilhas havia proposto setenta e dois anos antes, em 1801: a vinda de quem ‘(…) prescrevesse aquele método preciso para o fazer [chá] chegar à sua última perfeição’ .

Em suma, neste primeiro período, estava-se a par da teoria, havia chá plantado, mas, como confessou ao Governador de Macau o Presidente da SPAM, em 1879, Ernesto do Canto (1831-1900), ‘(…) a vinda destes dois homens era indispensável, porque há trabalhos na manipulação do chá que as teorias não explicam o que só a observação ocular pode ensinar (…) .’ E assim foi.

4 - Terceiro tempo (1878-1879): Do aprender ao primeiro arranque

Vamos, pois, focar a nossa atenção num período (1878-1879), o terceiro, que encerra duas temporadas de colheitas e fabrico de chá (Primeira, em 1878, e segunda, em 1879). Nele, a SPAM pretende continuar a aliar a teoria à prática. César Supico, irmão de Francisco Supico, dono e redator do jornal micaelense A Persuasão, intermediário na contratação dos dois técnicos chineses que haveriam de chegar, escreve de Macau ao irmão a comunicar-lhe que estes já haviam partido e que ‘haviam (prestado) provas de aptidão em um exame que lhes foi feito por três mestres de fábricas (…) .’

Eram Lau-a-Pan e Lau-a-Teng, eram casados e residiam em Macau . Lau-a-Pan era o mestre e recebia ‘24$000’ por mês em S. Miguel enquanto a família em Macau recebia outra metade . O ajudante, Lau-a-Teng, que se destinava a ser intérprete e, por não ser suficientemente bom, foi contratado Rafael de Almeida, secretário da SPAM , que ganhava ‘15$000’ nas mesmas condições . Ambos recebiam para ‘géneros alimentícios 6$720 .’ Fora isso, recebiam quase sempre ‘1$780’ para arroz .’ Não pagavam renda, tinham roupa lavada e direito a medicamentos . Para os motivar, ou por serviços fora do contratado, como feitura de objectos, viriam a receber gratificações extras .

Rafael de Almeida, secretário da SPAM, que os acompanhou e serviu de intérprete, diz-nos que eram ‘pouco tratáveis’. Lau-a-Pan era ‘folgazão, cheio de crenças fabulosas e adorador (do) sol (…).’ Era diferente do ajudante, ‘(…) não só pela estatura (….)’, era mais alto, mas também porque ‘não entend(ia) senão o seu idioma (…).’ O ajudante era ‘(…) mais intérprete (do) que entendedor no fabrico do chá e cultura, (…).’ Era ‘pouco tratável.’ E, ‘além do seu idioma natal, fala(va) o inglês (…). Chama-se António, por ter abandonado o de Lau-a-Teng, abraçando a religião católica (…) Ambos ‘trajam costumes chineses e portugueses, não lhe faltando o seu principal luxo o rabicho. O mestre tem-no de metro e meio e o coadjutor (Lau-a-teng) de 90 centímetros (…) o seu mais favorito prazer é o ópio.’

A Direcção da SPAM, na pessoa do seu vice-presidente, o Barão de Fonte Bela, conhecedor de que os chineses vinham a caminho, logo a 7 de janeiro, dá início ao lançamento das bases da aprendizagem pelos locais do que faltava saber para produzir chá na terra.

Em primeiro lugar, convida ‘os cultores de chá (da) ilha a mandarem declarar (naquela) sociedade (…) o número e preparação de plantas de chá que possuem em condições de aproveitarem os trabalhos e experiencias dos chinas conforme a missão para que vem contratados.’ Em seguida, recomendava ‘(…) a conveniência de cada um proceder a podas imediatas das plantas de chá (…) a fim de que na próxima primavera, à chegada dos chinas a esta ilha, se achem em estado favorável de desenvolvida e formada vegetação para o estudo e ensaios que se pretendem (…).’ Por último, anunciava-se aos ‘(…) sócios, ou outras quaisquer pessoas que pretende(ssem) sementes de plantas deste arbusto, as podem reclamar na sede (…) .’

Já estando os dois chineses na ilha há treze dias, a 18 de Março, sob a presidência do Dr. Caetano d’Andrade Albuquerque, reúne-se a Direção. Nesta reunião, ‘sob proposta (de) José do Canto foi nomeada uma comissão (…) para dirigir os trabalhos de manipulação e preparo do chá .’ Era composta por Caetano de Andrade Albuquerque, Ernesto do Canto, relator da comissão, Manuel Botelho de Gusmão, José Maria da Coutinho e José Maria Raposo d’Amaral Júnior. Além do intérprete, Rafael de Almeida, secretário da SPAM, os membros da comissão iriam acompanhar de perto as experiências. Não havia tempo a perder - mestre Lau-a-Pan e o ajudante Lau-a-Teng, traziam na bagagem sementes do arbusto e modelos de todas as ferramentas e utensílios precisos para o trabalho.

5 – Primeira temporada de colheitas e fabrico de chá (7 de Março de 1878 a 22 de Julho de 1878)

A experiência do chá inicia-se na Ribeira Grande, mais precisamente na Mãe de Água, vai ao Pico da Pedra, Porto Formoso e às Capelas . A primeira apanha, com produção de chá, decorreu durante os meses de Março, Abril, Maio, Junho e Julho. Em Março, trabalhou-se nos dias ‘15, 19, 25.’ Em Abril, nos dias: ‘5, 16, 23, 24.’ Em Maio, nos dias: ‘5, 6, 7, 8, 9, 10.’ Em Junho: ‘19, 23.’ E Julho: ‘15 e 22.’ Foram dezassete dias em cinco meses, que renderam: ‘(…) Aproximadamente oito quilos d chá preto e 10 quilos de chá verde .’

Lau-a-Pan e Lau-a-Teng chegaram na terça e na quinta, ‘dia 7 [de Março foram] à Mãe d’Agua da Ribeira Grande ver um plantio de chá, que o Exmo. José do Canto ali possui, e que tinha admirado profundamente o desenvolvimento das plantas (…).’ Trouxeram folhas para a sede em Ponta Delgada, onde se estava a instalar a fábrica de chá: ‘(…) que preparam no dia [sexta, dia 8 de Março] imediato com este chá (…).’ Todavia, esta primeira experiência foi um fracasso: ‘(…) depois de concluído o preparo, fizeram-se alguns ensaios mas de que nada se pôde colher (…).’ Insucesso que se deveu, segundo se concluiu: ‘(…) por estar ainda [o chá] muito novo .’ Visitaram, segundo o relatório da SPAM, diversas propriedades de distintos sócios, não sabemos quem exactamente, igualmente sem sucesso, porque ‘as folhas começavam a vegetar, e que só mais tarde teriam folhas novas e tenras únicas convenientes para a fabricação.’

O relatório da comissão da SPAM, mais tarde refere o dia 14: ‘No dia 14 de Março colheram-se as primeiras folhas, nas propriedades do nosso consócio Sr. José do Canto, e no imediato foram manipuladas na sede da Sociedade, na casa de antemão preparada com a fornalha e outros aprestes indispensáveis.’

Uma nota de despesa da SPAM de 6 de Abril de 1878, dá-nos conta de uma outra ida à Ribeira Grande, não já à Mãe de Água (Matriz), mas à Caldeira Velha (Conceição): ‘Por frete a 3 burros pela condução dos Chinas, da Ribeira Grande ao mato da Caldeira Velha, a colherem folhas de chá do prédio que lá possui o (…) sócio José do Canto (…) .’ Com a mesma data, deu-se uma ida ao Pico da Pedra: ‘(…) por frete de um carro por conduzir os Chinas ao lugar do Pico da Pedra (…) .’ Estava-se, apesar de não se dizer explicitamente, à procura do melhor chá.

Para transformar a folha verde em chá pronto a ser usado como bebida, foi necessário continuar a equipar, já com a orientação do técnico chinês, deve supor-se, a fábrica/oficina que começara a ser montada nas antigas instalações do convento da Conceição, em Ponta Delgada, ainda antes da chegada dos dois chineses: ‘(…) Por compra de pedra, cal, barro, e féria aos pedreiros em arranjar a fábrica para o chá (…) .’

Urgia reunir a Direcção. Era necessário acompanhar de perto as experiências. Daí a reunião de 15 de abril de 1878, sob a presidência de Caetano de Andrade Albuquerque na presença de todos os membros. A vinda dos dois chineses provocou de imediato ondas de interesse, a começar por outros quererem experimentar o mesmo, assim a Sociedade de Agricultura da Ilha Terceira pedia ‘(…) algumas plantas de chá para ensaios naquela Ilha.’ Porém, ‘ (…) visto o número de plantas (…) ser muito limitadas não lhe é possível presentemente satisfazer o seu pedido o que fará logo que possa.’

Provocou a reação de funcionários da SPAM que se viam a braços com mais trabalho ganhando muito menos que os dois chineses: o ‘(…) escriturário da Sociedade Rafael de Almeida pedindo aumento de ordenado visto terem aumentado consideravelmente as suas atribuições com a vinda dos Chinas e outro do cobrador Manuel Machado dizendo que havia sido contractado exclusivamente para o serviço da cobrança e que era com tudo empregado (…).’

Entretanto, por muito que o chá ocupasse a SPAM, e ocupava, pensa-se também no ananás: ‘foi deliberado mais anunciar aos cultivadores de ananases que a Sociedade tenciona expor alguns frutos na exposição de Paris .’

Continuava-se na primeira temporada de colheitas e de manipulação do chá, começada logo a 7 de Março, mas com os primeiros sinais de êxito apenas a partir de 14 de Março. Desde os primórdios que o denominado mato da Ribeira Grande, que deve corresponder à Caldeira Velha, hoje conhecido como mato de José do Canto, se torna num local de eleição: ‘Por frete a 4 burros de conduzir os Chins e aprestes para a manipulação do chá no mato da Ribeira Grande (…) .’ Aliás, seria naquele local que José do Canto viria a construir a primeira fábrica de raiz já na década de noventa.

Ainda mal começara a primeira temporada de colheitas e de manipulação do chá, em abril de 1878, a direção da SPAM já dava novos passos rumo ao futuro da nova cultura agro-industrial. A Spam abria as portas do ‘ensino [do chá] não só às pessoas que voluntariamente deseja(ssem) aprender os processos práticos deste trabalho, como também a alguns trabalhadores a quem se pag(asse) para esta aprendizagem.’

A intenção era clara: pretendia-se formar um grupo de técnicos locais que dessem continuidade ao trabalho dos técnicos contratados. Na mesma reunião, José do Canto, sempre atento e actualizado, apresentou a terceira edição de um livro saído naquele mesmo ano de 1878 intitulado ‘(…) The Cultivation and Manufacture of Tea.’ O seu autor era o Tenente-Coronel Edward Money. Alegava José do Canto que aquela obra trazia ‘(…) importantes esclarecimentos para a simplificação dos processos da manipulação do chá.’ A Direcção resolveu ‘(…) fazer encomenda (…)’ porque ‘(…) acrescentar(ia) bastante (a)o que já sabíamos pela [obra] de Samuel Ball (…).’ Pretendia-se, ‘(…) nas próximas experiências ensaiar’ os sistemas que Money aconselhava .

6 – Assembleia-Geral de 3 de Junho de 1878: 1.º Momento de balanço

Além da Direcção, a Assembleia-Geral precisava igualmente de reunir para tomar decisões de fundo. Dois meses depois da reunião de abril, a 3 de junho de 1878, reunia-se novamente a Assembleia-Geral da SPAM. O sentimento geral era de que, muito embora os resultados não fossem ainda totalmente favoráveis, se deveria esperar até Novembro para tomar quaisquer decisões. Os sócios, apesar de não estarem conformados com a situação, adotavam uma atitude de prudência. Havia problemas a gerir com os dois contratados. Hesitavam quando e se deveriam mesmo renovar contrato com eles. Equacionaram mesmo a hipótese de conseguirem novos técnicos.

É no intuito de tirar o melhor partido dos conhecimentos técnicos de Lau-a-Pan, que se compreende a proposta de Ernesto do Canto, relator da comissão de acompanhamento do chá. Ernesto do Canto reconhecia que dois meses não eram suficientes para se avaliar a qualidade técnica de Lau-a-Pan (Lau-a-Teng era ajudante e pouco sabia de chá). Dar-se-iam mais cinco meses, até à ‘Assembleia-Geral (…) de Novembro para se poder formar juízo dos produtos por eles manipulados.’ O irmão, José do Canto, era da mesma opinião: ‘como argumento apresentava ‘as razões (…) colhidas do tratado de Samuel Ball .’

Todavia, não era só o pouco tempo de colheita, já que os técnicos chineses não estavam reconhecidamente a trabalhar com o empenho que se esperava deles. Ernesto do Canto notava que era preciso encontrar uma forma de ‘(…) obrigar os Chins a manipular o chá como devem .’ Para tal fim, pedia autorização à Assembleia-Geral para que a Comissão, da qual ele era relator, pudesse ‘faze-los cumprir à risca o contracto’ por duas formas: 1- ‘restringindo-se a Sociedade a cumprir exclusivamente o contratado; 2- ou ‘prometendo-lhes uma gratificação que os anime a cumprir o dito contracto .’ Era a conjugação de dois tipos de persuasão: reforço de estímulo e força . A comissão do chá ficou mandatada a fazer o que entendesse oportuno. A renovação do contrato dependeria do ‘(…) comportamento dos Chinas.’ E, ‘(…) no caso de renovação estabelecer as condições que julgar convenientes .’

Na senda das intenções da Direção, de formar gente da terra na manipulação do chá, a Assembleia-Geral era de opinião de que os sócios pudessem assistir à manipulação do chá. Estava-se em tempo de balanço, haviam decorrido apenas três meses sobre a chegada de Lau-a-Pan, mas, entretanto, muito já acontecera. Uma proposta aceite: ‘(…) (do sócio) Manuel Botelho de Gusmão’ para que fosse ‘(…) permitida a entrada na oficina a todo e qualquer sócio que desej(asse) assistir à manipulação e preparo do chá ,’ revela o interesse em aprender a manipular o chá corretamente vendo fazê-lo a quem sabia.

Debatida e assente os termos da questão da renovação do contrato, tratada a questão da aprendizagem dos sócios, era preciso ampliar conhecimentos e alcançar apoios. Primeiro, ponderou-se obter informações sobre a cultura e a manipulação do chá através do governo na pessoa dos cônsules. Proposta que ‘foi aprovada com a alteração de em vez de serem pedidas as informações por intervenção do Governo serem pelo Director Geral dos Consulados.’

O que pretendiam saber era se no país em que estava aquele determinado cônsul: ‘1º (…) se cultiva o chá; se a cultura e fabrico do chá tem prosperado; 3º Qual a qualidade se produz; 4º Que quantidade se produz; 5º Qual o valor deles; 6º Se (era) possível contratar algum habitante a preparar e ensinar a manipulação; 7º Em que condições pecuniárias se podiam contratar; 8º Se o produto é de boa qualidade mas não se tem desenvolvido a cultura por não ser remuneradora .’

E, como os encargos eram muitos e onerosos, ‘pedir subsídios ao Governo para fazer face às despesas de cultura e manipulação do chá fazendo ver os benefícios que dali podem resultar directa ou indirectamente á fazenda publica .’ Foi aprovado. O problema da produção não se situava apenas no pouco ou muito empenho de Lau-a-Tan, ou até na qualidade das plantas, ou na altura do ano da colheita, situava-se também, na qualidade da fábrica/oficina de transformação do chá. Assim, pretendendo-se obter o melhor produto possível, a nota de despesa de 15 de junho de 1878, confirma-nos a introdução de melhorias na fábrica/oficina de chá da SPAM. Data deste dia o pagamento de: ‘(…) um pedreiro e um rapaz na chaminé da fábrica de chá (…) .’

Se para transformar a folha de chá de forma correcta era preciso uma fábrica/oficina em condições, para conseguir uma folha de chá melhor, era preciso encontrar as melhores plantações possíveis. A fábrica/oficina ficava localizada em Ponta Delgada, como se poderá ver da nota de pagamento de 6 de julho de 1878: ‘Por caiar, raspar e remendar o muro desta Sociedade, com frente para a rua pública e loja da fábrica de chá, incluindo a compra de cal em pó e em pedra, barro (…) .’Já a 29 de junho de 1878, surgia uma ordem de pagamento de frete ‘(…) a 4 burros com os Chins e aprestes para manipulação de chá na mata da Ribeira Grande (…) .’ É, pois, admissível, pela insistência na Ribeira Grande, Caldeira Velha, que o melhor chá fosse aí cultivado. Posteriormente, seria nesta área e na área contígua da Barrosa que se cultivaria mais chá.

Parece ainda ser possível deduzir que a estratégia da SPAM para reverter a seu favor a situação, até então, pouco satisfatória, centrou-se em: primeiro, satisfazer ou pôr na ordem os dois chineses, melhorar a fábrica em Ponta Delgada e escolher a Caldeira Velha, na Ribeira Grande, não só como a melhor plantação de chá, mas também como local onde se poderia eventualmente produzir chá.

Continua-se, assim, a entender, nova nota de pagamento, datada de 20 de Julho de 1878: ‘Por frete a 4 burros por conduzir os Chins e aprestes do fabrico de chá para a Caldeira Velha da Ribeira Grande (…) .’ Em outra nota, do mesmo dia, mas inscrita em outro livro, fortalece-se a ideia de que não só se apanhava chá para transportar para a fábrica/oficina em Ponta Delgada, onde era manipulado, como igualmente se produzia chá na Caldeira Velha: ‘Por frete de 2 carros por conduzir os Chinas à Ribeira Grande, a manipulações de chá, sendo um do dia 25 do passado e outro de 18 do corrente (…) .’

A nota diz respeito a dois dias distintos, prova de que o trabalho se intensificara, não só por ser época favorável, 25 de junho e 18 de julho, mas talvez, porque se conseguira, de qualquer forma, ameaça ou gratificação, um maior empenho dos chineses. Uma nota seguinte é de 20 de julho ‘2 carros para irem os Chins à Ribeira Grande’; ainda uma outra de 25 de Julho.

A 27, uma nota refere o Pico da Pedra: ‘Por frete de um macho ao Pico da Pedra com aprestes necessários para o fabrico de chá (…) .’ O que pode querer dizer que no Pico da Pedra também se manipularia chá.

Numa nota datada do dia 8 de agosto, atente-se ao pormenor, fala-se em chá verde: ‘frete de 4 burros ao Pico Arde com os Chins manipulação de chá verde (…) .’ E, na mesma nota, logo a seguir: ‘Por frete a 4 burros por conduzirem os Chins ao Pico Arde, incluindo o que levou os aprestes para uma manipulação de chá verde (…) .’ Mais uma prova de que o chá poderia ter sido produzido junto às plantações onde era colhido no Pico Arde: ‘Por compra de lenha e carvão para manipulação de chá (…) .’

Ainda na primavera ou já no verão de 1878, a zona central da Ribeira, talvez por ter um solo e um clima propícios ao desenvolvimento do chá, ou por estar mais disponível, era aquela a que mais se recorria. É bom precisar várias áreas iniciais na parte central da Ribeira Grande: Mãe de Água, onde ocorreu a primeira experiência falhada, Caldeira Velha, primeira bem sucedida e Pico Arde. Seriam locais de propriedades de José do Canto? A Caldeira Velha e a mata da Ribeira Grande ficam numa cota mais alta e em terrenos perto de uma ribeira de água quente. A Mãe de Água, como o nome indica, era o açude dos moinhos da Ribeira Grande. O Pico Arde, apesar de ficar a uma cota mais baixa, situa-se por cima de um lençol de água quente.

6. 1 - Encomenda de utensílios e de sementes à China. Para particulares e para a SPAM

Depois da última Assembleia-Geral, das duas, uma: ou as experiências de manipulação de chá haviam melhorado, ou, apesar de não terem melhorado, haviam resultado o suficiente ao ponto de se querer mais sementes e de se pretender utensílios para aperfeiçoar a fábrica/oficina da SPAM, ou até mesmo para quem pretendesse montar a sua própria fábrica/oficina.

Outra conclusão não se poderá tirar da reunião da direcção da SPAM, de 28 de Agosto de 1878, sob a presidência de Caetano de Andrade de Albuquerque. Aí se resolveu: ‘(…) fazer brevemente para a China encomendas de sementes de chá se incumbe de fazer juntamente para particulares não só a sementes que designarem as quaisquer utensílios de preparar e manipulação (…) .’

Como as despesas não diminuíssem, havia compromissos a cumprir quanto a salários, alimentação e outros encargos, ficou ‘resolvido [pedir] um subsídio para fazer face às despesas de ensaio de cultura e preparo do chá.’ E, mais um sinal de que a experiência, afinal, resultava, acompanhado por ‘(…) amostras do chá manipulado .’ Além do mais, demonstra que não se envergonhavam do chá que produziam.

Prova indesmentível de que o entusiasmo pelo chá crescia, é-nos dada na sessão da Direcção de 16 de Novembro de 1878, ainda sob a presidência de Caetano de Andrade Albuquerque. Ficou resolvido ‘a venda de plantas [de chá]’ a 30 réis cada. Além da encomenda ‘para a China uma porção de semente de chá igual à que (fora) remetida à Sociedade por ocasião da vinda dos dois preparadores de chá .’

É também por esta altura que o chá micaelense é servido de forma sub-reptícia aos sócios dos clubes Micaelense, em Ponta Delgada, e do Club Lisbonense, em Lisboa. No dia 22 de Novembro de 1878. Reclamações? Não constaram. Apenas houve quem achasse o chá mais forte do que o habitual. Todavia, a opinião geral mostrou-se favorável ao chá da ilha. No mesmo mês, por iniciativa de Manuel Botelho de Gusmão, foi servido chá no Club Lisbonense: sendo o resultado igualmente satisfatório .

Para obter apoios e aquilatar a valia do chá da ilha, os sócios membros da direcção da SPAM, Manuel Botelho de Gusmão, José do Canto e o Barão da Fonte Bela, haviam enviado amostras para diversos locais e entidades. Na reunião do dia 29 de janeiro de 1879, ainda sob a presidência de Caetano de Andrade Albuquerque, o sócio ‘(…) Manuel Botelho de Gusmão (…) havia mandado (a) Pedro Jácome Correia duas latas com chá dizendo-lhe que delas fizesse o uso que intendesse a fim de obter do Governo um subsidio para esta Sociedade (…).’

José do Canto remetera ‘3 latas com chá, sendo uma para os Jardins da Kew, - outra para o Sr. Bruno & Silva, a fim de este mandar analisar por pessoa competente, que marque o seu valor; e a outra para o Fouquet, para proceder à análise química e comparação com o chá da China.’ E o Barão da Fonte Bela ‘enviara uma lata de chá ao Exmo. Dr. Thomaz de Carvalho para igual fim .’

6. 2 - Balanço da primeira temporada e preparação da segunda

A questão central da reunião de 29 de janeiro de 1879 girou em torno da desesperada necessidade em conseguir apoios financeiros do Estado. Considerando-se o chá como ‘uma questão vital’ para o distrito de Ponta Delgada, é elaborada uma petição dirigida ‘ao Governo de (Sua) Majestade.’

A Direcção da Sociedade era, então, composta por Caetano de Andrade Albuquerque; José do Canto; Jacinto Pacheco de Almeida; Barão de Fonte Bela; Manuel Botelho de Gusmão e José Maria Raposo de Amaral Jr. Pede-se ao monarca ‘a (…) protecção valiosa aos ensaios d’esta Sociedade, até esta fazer vingar a empresa da introdução definitiva do fabrico do chá entre nós.’ E isto porque ‘a nossa pequena reserva filha de economias anteriores, acha-se esgotada, e com a sua extinção está prestes a morrer esta empresa generosa e utilíssima .’ Face à crise geral que o distrito vivia, entendera a SPAM ‘(…) atendendo à maneira como aqui vegeta a planta do chá (…) ensaiar em maior escala a sua cultura bem como os processos de sua manipulação a fim de verificar se seria exequível a definitiva adopção desta industria no nosso solo depreciado.’

Só por si, pelas quotas dos associados e pelo produto da venda de produtos, a SPAM seria incapaz de satisfazer as suas obrigações.

Pedem apoio, mas pedem-no como parceiros no desenvolvimento, porque o seu esforço contribuía ‘(…) directa e indirectamente (para) a Fazenda Publica, evitando a depreciação da nossa propriedade e garantindo a manutenção das contribuições que ela lhe pagar .’ Foi lida, discutida, aprovada e enviada a Sua Majestade.

7 - Assembleia-Geral de 5 de Fevereiro de 1879: Impulso da fabricação do chá por sócios

Entretanto, enquanto esperavam pela resposta de Sua Majestade, a Assembleia-Geral reuniu a 5 de fevereiro de 1879. No essencial, decidiu-se continuar a promover a partilha de conhecimentos sobre o cultivo e produção do chá. Assim se compreende que se reedite a obra de Frei Leandro, que se dê à estampa o relatório da comissão de acompanhamento do chá, que se reduza de 30 para 20 réis o preço de venda de plantas de chá e que se dê, sempre que seja possível, amostras de chá aos sócios que as requisitem .

Nesta reunião, o relator da Comissão do Chá, Ernesto do Canto, apresentou à Assembleia-Geral, sendo seu Presidente em exercício o Vice-Presidente o seu irmão José do Canto, o resultado das ‘(…) experiencias que se fizeram durante a colheita do ano findo.’ Foi aprovado o relatório, decidido mandá-lo ‘publicar nos jornais mais importantes desta Ilha,’ e imprimido ‘(…) como introdução à reimpressão (…) do folheto sobre colheita e manipulação de chá publicado no Rio de Janeiro em 1824, por Frei Leandro do Sacramento .’ Se bem que não totalmente, a experiência estava a resultar. No entanto, Rafael de Almeida, que escreve, em janeiro de 1879, mas cujo trabalho só sai em Junho, a experiência resultara largamente, pois havia ‘(…) várias qualidades de chá, de óptima aparência e magnífico odor.’

7.1 - Presidência de Ernesto do Canto: Impulso à produção de chá por locais

Na reunião da direcção de 19 de fevereiro de 1879, Ernesto do Canto sucedera a Caetano de Andrade Albuquerque na direcção da SPAM. O novo Presidente dá continuidade à encomenda de utensílios para a preparação do chá e a sementes de chá . Também deu seguimento ao trabalho dos dois chineses .

A 28 de abril de 1879, Ernesto do Canto dá conta à direcção, ‘dos ofícios que dirigiu aos Deputados deste Distrito pedindo-lhes para obterem do Governo de Sua Majestade, passagem gratuita em navios nacionais dos objectos encomendados para a China (…).’

Continuando a difundir a cultura e a produção locais, os jornais micaelenses noticiam a venda de literatura de apoio: ‘Na Sociedade de Agricultura Micaelense, vende-se um folheto tratando da manipulação do chá pelo preço de 120 réis .’

8 - Segunda temporada de colheitas e fabrico de chá (Abril de 1879 a depois de 18 de Julho de 1879)

Sabe-se menos acerca da segunda temporada do que da primeira, pois, ao invés daquela primeira, não se conhece nem relatório nem testemunhos para esta segunda.

A segunda temporada terá começado pouco antes de 10 de Maio, talvez ainda em abril e prolongou-se para além da saída dos dois chineses a 18 de julho de 1879. Já só com a supervisão de locais.

A segunda temporada de colheitas prepara-se, como se pode depreender pela leitura da nota de pagamento de 10 de Maio, com a construção de novos equipamentos ou o conserto de equipamentos da primeira campanha. Leia-se na íntegra: ‘Por 2 dias a um pedreiro e servente em fazer duas fornalhas para secar chá e compra de tijolo, cal e barro, 22, 3$560 .’ Ou ainda no mesmo dia, ‘Por conserto de uma mesa para enrolamento de chá, como da ordem 22, 1$440 .’

Uma nota de pagamento datada de 24 de Maio de 1879, leva-nos à segunda temporada: ‘(…) 3 bilhetes para os chineses irem à Ribeira Grande (…)’, ou ainda, ‘por idem de 3 bilhetes do omnibus para a Ribeira Grande com os Chinas (…) .’ Como incentivo, repare-se na nota de pagamento de 7 de junho, gratificam-se agora não só os chineses mas também quem os acompanha: ‘Gratificação a quem acompanhou os chineses’ (…) com utensílios de fabrico do chá.’ E ‘por idem ao empregado que acompanhou os Chins à Ribeira Grande, 5 dias (…) .’ Sublinhe-se: ‘com utensílios de fabrico do chá.’ Já se fizera chá na Ribeira Grande na primeira apanha em 1878 e voltava-se de novo a fazê-lo na segunda em 1879. E, num local predilecto: no mato da Ribeira Grande . Os chineses pernoitavam na Ribeira Grande, como se depreende pela nota de 7 de julho: ‘Por estada na Ribeira Grande de uma noite dos Chins e ceia (…) .’

Uma outra nota, mas agora de 14 de junho de 1879, no claro prosseguimento da linha estratégica de aliar a observação à teoria, a SPAM publica um tratado sobre chá verde. Este chá era, precisamente, o que menos sucesso obtivera na colheita de 1878. Esta parece ser a razão principal da publicação do folheto: ‘(…) venda de 6 folhetos, reimpressão de um tratado sobre chá verde (…) .’

As deslocações às plantações de chá da Ribeira Grande continuam, como o confirma a nota de 14 de junho referente a 2 do mesmo mês: ‘Por frete de um carro com os Chins para a Ribeira Grande, no dia 2 de Junho corrente, incluindo gorjeta ao bolieiro (…) .’

Onde, segundo outra nota, de 12 de julho de 1879, sabemos que se continuava a produzir chá: ‘Por frete de uma carroça e bestas para a Caldeira Velha com utensílios do fabrico do chá (…) .’

9 - Conclusão

Resumindo, a política da SPAM dera frutos em pouco tempo. Era opinião de alguns sócios de que, pelo menos, já a 13 de julho de 1879, havia na terra quem produzisse chá tão bem, ou melhor ainda, que o produzido por Lau-a-Pan: ‘(…) em vista d’alguns kilos de chá (…) apresentados (…) manipulados por indivíduos desta terra que ela mandou habilitar e que em nada o achou inferior, antes pelo contrario julga-o superior ao chá feito pelos Chins (…) .’ Chega-se, entretanto, a acordo para rescisão com Lau-a-pan e Lau-a-Teng. Isto fica-se a saber na reunião da Assembleia-Geral de 13 de julho de 1879.

A 17 de julho de 1879, na véspera do dia em que os chineses embarcaram de regresso a Macau, Ernesto do Canto, em carta ao Governador de Macau, dizia-lhe que: ‘(…) a indústria da cultura e manipulação do chá está(va) plenamente implantada entre nós (…).’ Para que não restassem quaisquer dúvidas, acrescentava: ‘(…) já alguns filhos desta terra apresentam produtos em nada inferiores ao chá manipulado pelos dois Chins (…).’

Para suspender este trabalho, voltamos a usar as palavras de Ernesto do Canto: ‘ (…) a vinda destes dois homens era indispensável, porque há trabalhos na manipulação do chá que as teorias não explicam o que só a observação ocular pode ensinar .’

Missão cumprida. Era pois tempo de passar à produção local? Sim, mas antes que fosse possível continuar o caminho traçado, a dívida de perto de ‘3 contos de réis’ contraída para o cometimento do chá, obrigaria a SPAM a abrandar o passo . Era preciso primeiro saldar as contas.

NOTAS

Nota 1

Apesar do chá crescer de forma espontânea na ilha Terceira e em outras ilhas dos Açores antes de 1801, apesar de, em janeiro de 1878, a curta distância do arranque da experimentação do chá em São Miguel, a Associação Agrícola da Terceira ter pedido sementes de chá à sua congénere de São Miguel , apesar de ter existido cultivo e produção na ilha do Faial, apesar ainda de, segundo Aníbal Cabido, ter havido cultivo em todo o distrito de Ponta Delgada, a partir da segunda metade do século XIX, o chá é essencialmente uma produção da Ilha de São Miguel . E, em rigor, quase uma produção do concelho da Ribeira Grande . As plantações do período experimental de Lau-a-Pan (1878-79), com exceção das das Capelas, situavam-se no concelho da Ribeira Grande (Pico da Pedra, Conceição e Matriz).

Nota 2

Além do ananás, do tabaco, do álcool de beterraba e do açúcar, o chá foi um dos produtos agro-industriais de sucesso introduzidos nos Açores na segunda metade do século XIX. Se, no caso do ananás e do tabaco, o seu incremento industrial foi anterior à eclosão dos mais graves episódios das crises derivadas dos problemas do vinho e da laranja, pela doença e concorrência de outros mercados, com as crises, aqueles produtos e o chá, potenciavam-se economicamente. Contudo, a experiência do chá, bem como das demais agro-industriais, insere-se numa longa história de experiências de aclimatação de plantas no espaço insular. Vem ainda antes do tempo dos pais dos fundadores (1843) da Sociedade Promotora da Agricultura Michaelense, ainda dos tempos dos chamados Os Antigos Modernos .

Nota 3

A Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense (SPAM) foi fundada em 1843 e é geralmente considerada a primeira associação do género em Portugal. Começou por ser apenas uma associação privada, até à década de setenta foi uma associação privada e pública, a partir daquela data, readquire oficialmente o seu carácter privado inicial. Era mista quando iniciou o processo de contratação dos técnicos para a manipulação do chá, sendo já só privada quando a experiência se realizou. Até 1873, a experiência do chá é um assunto privado/individual, no entanto, a partir de 1873, prolongando-se até 1883-1884, transforma-se num empreendimento misto. Pelo que se conhece, depois de 1883-84, transforma-se num empreendimento essencialmente privado/individual de sócios e de não sócios. Os custos da experiência do chá seriam incomportáveis para serem assumidos individualmente: a SPAM cumprira o seu objectivo de saber como cultivar e transformar o chá. A fase seguinte pertencia a cada um.

O chá foi uma empresa que mobilizou diversos sócios, no entanto, entre eles, destacam-se, sobremaneira, os irmãos Canto, José e Ernesto, Vicente Faria e Maia, Pereira Botelho e Andrade de Albuquerque. José, como homem dos bastidores, como prático, experimentando chá antes da vinda dos chineses, poderá, eventualmente, ter tido um papel importante no lançamento da proposta feita pelo irmão: Ernesto seria o porta-voz de José? Mais tarde, já com responsabilidades na Junta Geral, proporia legislação de fomento e incentivo à nova cultura. Ainda mais tarde, seria ele o motor da viragem do chá, com nova vinda de novos dois chineses e com a introdução da primeira maquinaria introduzida numa fábrica construída de raiz: a da Caldeira Velha. Entre os que apostaram no chá, houve quem apostasse em outras experiências agroindustriais. Destes promotores, destacam-se entre outros: José Bensaúde, Ernesto do Canto, José Maria Raposo do Amaral, Jácome Correia pelo seu empenho e interesse.

Embora a fábrica ou oficina de chá fosse montada em um espaço da sede da Sociedade Promotora da Agricultura Micaelense (SPAM), em São José, Ponta Delgada, em anexos do antigo convento de Nossa Senhora da Conceição, foi também produzido chá na Caldeira Velha da Ribeira Grande e no Pico da Pedra. Por ser o mais conhecido, referindo o caso da Caldeira Velha na Ribeira Grande, trata-se de uma parceria entre José do Canto, sócio e dirigente da SPAM, dono da plantação e da terra, e a SPAM, entidade que contratara Lau-a-Pan e adquirira os instrumentos de manipulação do chá.

Mário Moura

20 de Junho de 2014

Mário Moura
Enviado por Mário Moura em 08/06/2014
Reeditado em 19/06/2014
Código do texto: T4837079
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