"Rumo ao Hexa" e os seus moinhos de vento

Dia 08.07.2014, terça feira, uma nação inteira acorda ansiosa para vencer mais um jogo, e com isso, subir mais um degrau rumo ao título tão sonhado, com exceção daqueles que não são amantes do futebol, a grande maioria dos brasileiros apaixonados por futebol estavam torcendo para o Brasil, um Brasil de diferenças econômicas e sociais gritantes, no entanto, que se tornam iguais quando o time entra em campo, seja onde estiver, seja num barraco ou numa mansão, seja na calçada ou numa arquibancada, quando toca o hino nacional as diferenças se tornam supérfluas, e todos os problemas sociais sucumbem, pelo menos por 90 minutos, e abraçados, todos (sei que nem todos, mas preferi deixar "todos" mesmo, se por acaso você leitor não se inclui ao "todos" ignore a generalização) cantam com veemência o hino nacional brasileiro, se ouvem gritos eufóricos entre as multidões, seja no estádio, num bar, ou mesmo na sala de casa, nessa hora todos se orgulham em ser brasileiros, alguns seguram as lágrimas enquanto toca o hino, outros mais corajosos deixam-na cair.

O jogo começa e a ansiedade parece aumentar, a cada lance de ataque uma esperança de gol, a cada bola perdida um clamor aos céus, como se os deuses também estivessem do nosso lado, torcendo junto, fazer o quê somos assim, somos um povo supersticioso, e nessas horas vale tudo, mas para a nossa tristeza, o gol da Alemanha sai logo no início, e parece que todos os santos vacilaram uníssono num tom totalmente avesso aos brasileiros, e com isso, um medo parece nos invadir, e nessa hora o nosso fervor e clamor aumenta aos deuses, alguns torcedores equivocados, deixam de rezar, e depois de poucos minutos a diminuição das preces revoltam os deuses, e como castigo, estes permitem uma avalanche alemã, e num piscar de olhos o placar salta de 1 x 0, para 2,3,4,5 x 0, e com a mesma velocidade que sai cada gol da Alemanha, diminui-se o número de espectadores, as preces se tornam em desespero, os deuses se calam, e sobra espaço para os melindrosos falarem como se fossem a resposta, ou mesmo, os porta-vozes dos deuses, a grande nação parece enfraquecida, onde estão os corajosos e orgulhosos agora? Onde estará agora os patriotas que não se envergonham em ser brasileiro? Ah, é nessas horas que a gente sabe quem é quem, como diz o grande Humberto Gessinger em uma de suas músicas: "se fosse fácil encontrar o caminho das pedras, tanta pedra no caminho não seria ruim", ou seja, ser um soldado valente enquanto se está em vantagem não é mérito, mas puro oportunismo e pretensão de se tornar herói, uma guerra revela muito do caráter de alguém, mas é somente uma derrota que denota quem você é.

O primeiro tempo termina com uma cara de espanto escancarada nos poucos torcedores que ainda restaram na linha de frente. Agora o que era uma nação inteira unida, se torna numa nação completamente difusa e divergente naquilo que antes era unanime, ah como um soco bem dado é capaz de desestabilizar qualquer ambiente seguro, quando um grupo aparentemente imbatível vai a lona, todos os seus adeptos e admiradores sentem o baque juntos, e dependendo do baque, muitos adeptos e admiradores se tornam evasivos críticos e raivosos cães prontos a devorarem aquilo que antes eram o seu objeto de prazer, e quando isso acontece, a grande massa que apenas dançam conforme a música, mudam de lado, e de uma hora pra outra se dizem não mais soldados de um determinado grupo, agora se dizem antipatriotas, não defendem nenhuma bandeira, pior, alguns ousam até a queimar a bandeira que antes era motivo de orgulho, ah o que um soco bem dado não faz com pessoas melindrosas e covardes.

O segundo tempo começa, e um sussurro bem fraco de preces parecem atormentar alguns deuses, outros nem são mais citados, ou mesmo incomodados em orações, parece que não há espaço para a fé, talvez, esta fora substituída no intervalo pela descrença, já que nas poucas chances que o Brasil tivera o deus Manuel Neuer defendera, e o inacreditável se torna ainda mais inacreditável, a Alemanha faz ainda mais dois gols, e agora, a descrença é substituída pelo ceticismo, afinal é melhor suspender o juízo, e dizer somente que aquilo que nos aparece é que houve um apagão e que provavelmente ainda não acenderam as luzes. A essas horas do desastre resta pouquíssimos orgulhosos, nas arquibancadas agora há vaias, nas casas alguns apenas bebem mais cerveja, outros apenas lamentam o vexame, e alguns outros riem como se pouco importasse o jogo, no entanto, enquanto se estava ganhando dançava como um de nós "jogadores".

Antes do apito acalentador do juiz para terminar a fatídica partida, o deus Oscar faz o chamado gol de honra, que de tanta honra ninguém comemorou.

Fim de jogo. Tristeza para aqueles que entenderam o significado do que é competir, e alegria para imbecis que jamais vão saber o gosto amargo de permanecer fiel em suas convicções mesmo quando tais convicções nos levam a nocaute.

O jogo de ontem me fez lembrar do amabilíssimo cavalheiro Dom Quixote de La Mancha, que perdendo o juízo aos olhos dos normais, saíra em busca de realizar o sonho de ser um dos grandes cavalheiros que lera em seus diversos romances, no entanto, mesmo a dura realidade desmentindo os seus devaneios de ser herói, o nosso querido cavalheiro jamais desistira de seguir o seu caminho rumo ao seu ideal, mesmo a vida lhe pregando peças, mesmo este perdendo quase todos os dentes, mesmo tendo todos a sua volta rindo de si, Dom Quixote jamais desistira de sua utopia, talvez seja por isso, que todo bom sonho, precisa necessariamente de uma utopia, somente assim se resiste a dura realidade que nos massacra.

Enquanto apanhamos e fracassamos vergonhosamente rumo ao nosso ideal, é nas utopias que encontramos alento.

Mais uma vez cito o grande Humberto Gessinger: "seria mais fácil fazer como todo mundo faz, o milésimo gol sentado na mesa de um bar".

Só perde um jogo aquele que se prontifica a jogar, quem fica bebendo na mesa de um bar rindo da vergonha alheia é um mero covarde, que está isento de culpa, no entanto, isento também da possibilidade de crescer com uma derrota.

Quanto a estúpida questão de que aqueles jogadores ganham milhões, enquanto nós, a grande maioria ganha um salário ridículo (sei muito bem que isso é verdade), não é disso que se trata o texto, escrevo simplesmente para enaltecer A QUESTÃO DO JOGO, o jogo em que o sujeito e o jogo se confundem, e, nesse conceito de jogo, nós que torcemos e jogamos juntos, também sofremos demasiadamente a vergonhosa derrota, no entanto, somos cavalheiros que mesmo sabendo que o título não é mais possível, continuamos juntos e misturados, de tal forma, que ninguém é capaz de discernir quem é quem, é, no jogo é assim, não há espaço ao debate. Quando se joga a política fica para depois, caso se sinta mal em deixar a política para depois, faça o inverso então, só não misture as coisas, por favor.

Quem se envergonha de ser brasileiro não deveria se orgulhar de nada, afinal de contas, toda glória é substituída por uma vergonha, e toda vergonha é substituída por uma glória. Quem se entrega ao jogo, não dança no carnaval, dança no silêncio, e chora quando a maioria finge sorrir e não se importar, para os que não jogam perdedores são aqueles que entraram em campo, quando na verdade, perdedores são aqueles que jamais se prontificaram a jogar, e que ilusoriamente não conhecem a dor da derrota. Todo grande vencedor precisou conhecer a dor amarga da vergonha e da derrota.

Eu estava lá... acreditem ou não. Eu também perdi. Mas os moinhos de vento não irão me fazer parar, a minha luta continua sendo contra os dragões.

Sou brasileiro, amo o meu país, apesar dos brasileiros...

"Rumo ao Hexa"!

Luciano Cavalcante
Enviado por Luciano Cavalcante em 09/07/2014
Código do texto: T4875689
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