Tristeza

Sempre percebi que a tristeza é um dos maiores combustiveis de um artista. Pouco importa qual tipo de artista, a tristeza está em algum lugar. É verdade que apesar de estarmos sempre, de alguma forma, acreditando que a nossa tristeza é a maior que um ser humano pode sentir, acabamos lembrando que a situação poderia ser pior. De qualquer maneira, esse raciocínio não é reconfortante. Me pergunto que tipo de consolo uma pessoa pode dizer para alguem que esteja realmente na pior das situações, mas talvez isso não venha ao caso. O caso é que a tristeza está antropomorficamente conosco.

Ela me aguarda quando não estou exatamente com ela, me observando cautelosamente. Distante de mim, ela prevê meus movimentos. Ela é rápida quando quer, mas demora-se quando esta comigo, como um parente que nos perturba e não nos abandona. Ela se senta à mesa, bebe meu vinho delicadamente. Delicadas são as suas palavras. Elas flutuam no ar. O ar parece ter sido feito para que aquelas malditas palavras oscilassem através dele. Eu absorvo suas ideias e inicia-se minha loucura silenciosa.

Tudo repentinamente vira uma piada. Parece estranho ver o mundo como uma piada em um momento de tão profunda tristeza, mas é a mais pura verdade. A vida, o amor, a metafisica, a chuva que quebra o silêncio na madrugada, os sinos da igreja, as formas humanóides das nuvens, o perfume que ainda sinto no ar, tudo uma piada. Não me pergunte quem contou a piada, o importante agora é notar que ninguem riu. Eu não ri. O comediante não ouviu aplausos e um sorriso desapontado emergiu em seu rosto cansado. Um cisco caiu em seu olho.

Há um papel solto na mesa, branco como minha mente um dia havia sido. Encontro um caneta em algum lugar esquecido. Sempre encontramos aquelas canetas esferográficas em algum lugar e tal observação me faz rir secamente. Escrevo alguma coisa e desenho alguma coisa. Algumas palavras soltas, um sol sorridente e uma casinha interiorana agora povoam a folha de papel.

Então minha mente me mostra um rosto. Um rosto familiar de alguém que me deixou tão triste que me fez tentar sorrir. Me pergunto por que as coisas são como são e por que faço as coisas que faço. O silêncio passa por mim, me mostra um sorriso amarelo, mas não me responde. Nada me responde. Logo presumi que eu deveria saber a resposta.

O nome do rosto surge e o escrevo de maneira inconsciente no papel. Quem é a pessoa? Pouco importa para tu, querido leitor. Ela pode ser um caso, alguem da família, uma estranha, ou uma vitima da vida imparcial, pouco importa pois a tristeza é a mesma.

O sabor de seu beijo, o aroma natural de sua pele, o brilho em seu olhar, o sorriso em seus lábios, — ah, seu sorriso — tudo retorna para mim como uma lembrança de um passado distante. Quero me lembrar de todas as sensações para sempre, apenas quero. Procurei por vinho, mas minha tristeza o bebeu todo em meu lugar. Uma noite triste e sem vinho! Sem uma só gota, você pode acreditar?

Abro os olhos e vejo que a tristeza tornou-se invisível, mas eu sei que ela esta ali em algum lugar pois eu me sinto o mesmo. As lembranças ainda não estão muito claras. O dia parecia uma pintura impressionista. A felicidade não deu as caras e ainda sinto todas as sensações que queriam sumir. Penso na pessoa e me pergunto mais uma vez por que as coisas simplesmente não são como nós queremos enquanto vejo o sol deixar sua timidez e me observar.

Acho que o lado ruim de lembrar-se de um momento feliz é que isso te faz sentir saudade, e ao contrário da tristeza, a saudade naturalmente aumenta conforme o tempo passa. Poderei matar minha saudade algum dia? O tempo dirá, mas tenho certeza que não dirá uma só palavra por enquanto. Vejo o desejo e a felicidade passarem correndo diante de meus olhos, mas o tempo não saiu da cama hoje.

Igor Marques Rodrigues
Enviado por Igor Marques Rodrigues em 29/07/2014
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