AS SETE VIRTUDES CAPITAIS

Sempre me intrigou que as religiões, com o intuito de controlar, educar e dominar seus fiéis, tenham preferido valer-se da ameaça ao castigo e do medo pela punição, do que estimular a prática do bem e a compreensão de que esta prática, pode trazer, por si mesma, uma sensação de satisfação íntima e de felicidade.

Verdade seja dita, esta inversão das coisas não começa com o cristianismo e nem com as religiões ocidentais. Ela data de tempos primitivos, quando ainda nem se desenvolvera a escrita e grupamentos sociais incipientes eram controlados pelo respeito aos tabus e pelo temor aos totens. Muito tempo depois, já na Antiguidade, persistia esse medo do sobrenatural e, frequentemente, naquelas civilizações, a noção de crime se confundia com a de pecado, assim como o conceito de pena, em sua aplicação, não se diferenciava da ideia de penitência.

Os códigos mais antigos e mais célebres, como o de Hamurabi (Mesopotâmia) e o de Manu (Índia), reproduziam a mesma dinâmica: controlar a conduta das pessoas pelo temor ao castigo divino. E a pretensa vontade das divindades constituía-se na "pedra de toque" com que governantes e sacerdotes, não raras vezes representados pela mesma pessoa, impunham regras àquelas sociedades. Regras que convinham, sobretudo, aos propósitos do governo e das religiões.

Falar em nome dos deuses ou de Deus, conforme o caso, não é, portanto, uma invenção do cristianismo original e nem das religiões que dele derivaram. É bem mais antigo que isto. Mas o catolicismo e outras religiões ocidentais — conhecidas, inicialmente, como protestantismo e, mais tarde, autointituladas evangélicas — bem assimilaram esta prática e dela se aproveitaram, com pouco ou nenhum pudor, de acordo com cada situação.

E foi assim, apropriando-se do papel atribuído a Hermes pela mitologia grega, que a Igreja Católica, desde o seu início, passou a declarar-se porta-voz e intérprete da vontade de Deus. No que foi precedida por outras religiões (inclusive o judaísmo) e sucedida pelo protestantismo ou, como preferem alguns, pelo evangelismo.

Porém, o que diferencia o catolicismo das outras religiões cristãs é a sua elaborada dogmática jurídico-canônica. Mais profunda e mais ampla do que as demais, no estabelecimento de um complexo sistema de normas, com o propósito de controlar os seus seguidores, a Igreja Católica terminou — pela conjugação de circunstâncias históricas — assumindo um papel muito maior do que o que lhe caberia como doutrina religiosa.

Com a decadência de Roma, viu-se a Europa Medieval sem um sistema jurídico que lhe servisse para a resolução dos conflitos, papel que, durante séculos, fora desempenhado pelo Direito Romano. E, assim, o Direito Canônico foi, aos poucos, ocupando este espaço e deixando de aplicar seus cânones, apenas aos religiosos e sectários do catolicismo. Passou a impô-los, também, como regras de conduta, às quais deveriam subsumir-se todas as pessoas. Um processo de dominação da igreja católica que submetia a todos, independente de sua origem ou convicções e que perduraria até o final da Idade Média.

Apesar de todo o seu poder ou, exatamente, por causa dele e com o intuito de preservá-lo, a igreja católica optou pela ameaça do castigo e pelo temor à perda do prêmio — o que, em certa medida, é uma ameaça ao castigo de forma invertida — para fazer com que o seu rebanho se conduzisse tal como lhe convinha, estabelecendo uma espécie de hierarquia dos pecados, em lugar de incentivar a prática das virtudes.

A palavra pecado, tanto na perspectiva judaica, quanto na perspectiva cristã (seja ela a católica ou a protestante), serve para sintetizar a ideia de desobediência à vontade de Deus. Ou, como explicam alguns evangelistas, é "a transgressão aos mandamentos de Deus". No judaísmo, a palavra pecado também costuma incluir violações da Lei Judaica, sem que, necessariamente tais violações se constituam numa falta moral.

Mas foi o catolicismo, conforme já dito, quem estabeleceu um sistema mais elaborado de classificação e hierarquização das concepções sobre o pecado. A começar por uma espécie de "débito antecipado" com que todos os seres humanos chegariam o mundo: o pecado original. Uma herança maldita da desobediência de Adão e Eva, segundo a explicação de quem pretende explicar, do qual um pobre recém nascido só se livra pelo sacramento do batismo.

Nesta escala haveriam, ainda, os pecados mortais, gravíssimos, os quais, sem um arrependimento sincero e eficaz, condenariam o pecador "à morte eterna do Inferno". E, além deles, os pecados veniais, de menor gravidade, merecedores de penas purificatórias temporais. Que não condenam o pecador ao Inferno, mas a um estágio menos rigoroso, que seria o Purgatório.

Explicam especialistas neste assunto que "a repetição de pecados gera vícios, que "são hábitos perversos que obscurecem a consciência e inclinam ao mal". E os vícios podem estar ligados aos chamados sete pecados capitais, que são: a soberba, a avareza, a inveja, a ira, a luxúria, a gula e a preguiça.

E, assim, chegamos novamente à indagação que motiva estas reflexões: por que ensinar o valor da virtude sob a ameaça da pena, em lugar de despertar nas pessoas a compreensão do seu valor intrínseco? Por que apontar a artilharia celeste para o rebanho, desestimulando, pelo medo, as ovelhas que possam dele desgarrar-se, quando seria mais construtivo atraí-las pelo valor do bem, em si mesmo?

Talvez, pensem alguns, porque reprimir o mal é mais fácil do que vencê-lo pela força da virtude e pela recompensa do bem. Que pode não estar num "Céu" ou em qualquer lugar a ele semelhante, mas em certo estado de espírito, de paz e tranquilidade interior, que seria o próprio prêmio. Aquele estado de libertação atingido pelo ser humano em sua busca espiritual, ao qual os budistas chamam "nirvana". Apenas para explicar com mais clareza.

É uma compreensão discutível do que pode desestimular a prática do mal, sabendo-se que, no plano terreno e na justiça dos homens, maiores penas não desestimulam a prática dos crimes. Improvável, portanto, que pensando numa vida após esta vida, as pessoas de má índole, trevosas de espírito, fossem ser mais tementes à ameaça do castigo.

Enquanto isto, perdemos o tempo e a oportunidade para estimular, em nós mesmos e em nossos semelhantes, nossos filhos e nossos alunos, por exemplo, o desenvolvimento daquilo que se poderia chamar — em oposição aos pecados capitais, com que temos sido milenarmente ameaçados — de as sete virtudes capitais. E que bem poderiam ser: a lealdade, a gratidão, a solidariedade, a generosidade, a humildade, a paciência e a cortesia.

Cada uma delas, com o propósito de incentivar e desenvolver um ou mais atributos, que fariam do ser humano um ser de melhor qualidade e mais apto a conviver com os seus semelhantes. Assim, se cada um fosse capaz de melhorar-se como indivíduo, a consequência lógica é que, sob o aspecto moral, a sociedade também haveria de se melhorar como um todo.

No que me diz respeito, não preciso da ameaça do castigo e nem da promessa do prêmio, para entender que melhorar como pessoa e aprimorar as qualidades do espírito é o que justifica a nossa passagem por este planeta. É o que explica as lutas que lutamos, os fracassos que suportamos e, tantas vezes, as perdas mais dolorosas que experimentamos, em nossa experiência terrena.

Não preciso, para alcançar e explicar esta compreensão, de volumosos tratados ou de intrincadas teorias. Preciso, apenas, dos versos escritos por um poeta espanhol anônimo, no Século XVI, que Manuel Bandeira traduziu, com o lirismo e a simplicidade que sempre caracterizaram seus poemas:

"Não me move, meu Deus, para querer-te,
O Céu que, de ti, tenho prometido.
E nem me move o Inferno, tão temido,
Para deixar, por isto, de ofender-te..."

 
Campos dos Goytacazes (RJ)