Em torno de J. Simões Lopes Neto

João Simões Lopes Neto, nosso escritor maior, nasceu em Pelotas em 1865 e aqui faleceu em 1916. Oriundo de família influente, passou seus primeiros anos na estância do avô, o Visconde da Graça. Aos 13 anos, foi estudar no Rio. Por motivo de saúde, em 1886 voltou a Pelotas, onde desempenhou várias funções: foi professor, tabelião, funcionário público, comerciante, industrial. Envolveu-se em vários e sucessivos negócios, que fracassaram, deixando-o na pobreza.

Quanto à atividade cultural, Simões Lopes revelou-se muito atuante: como jornalista, foi colaborador do Diário Popular, redator da Opinião Pública, editor do Correio Mercantil; também escreveu várias peças de teatro. Ao longo de sua vida, porém, editou apenas três livros: 'Cancioneiro Guasca', 'Contos Gauchescos' (apresentados como 'folclore regional') e 'Lendas do Sul', que classificou como 'populário'. 'Casos de Romualdo' constitui uma obra póstuma, além de outras que vêm sendo encontradas ultimamente.

As obras de Simões Lopes, que não mereceram muita atenção em vida, começaram a ser valorizadas quando, dez anos após a sua morte, a Editora Globo, de Porto Alegre, publicou, em edição conjunta, Contos Gauchescos e Lendas do Sul. As edições multiplicaram-se, assim como os estudos a respeito do escritor e dessa que é considerada a sua obra-prima.

O Autor situa-se no período chamado de pré-modernista, que vai do princípio do século XX à Semana de Arte Moderna de 1922. É uma época em que muitos escritores voltam-se para os problemas do país e de sua região. Firma-se, então, o termo regionalismo, para caracterizar as obras que se revestem de um interesse local mais específico.

O regionalismo, idealizado em Gonçalves Dias e em José de Alencar (que escreveu o romance O Gaúcho, entre outros), toma outra forma em Simões Lopes – um homem urbano que conhecia bem a vida no campo. A figura do gaúcho, cuja denominação possuía nos primeiros tempos uma conotação pejorativa, e depois foi mitificado como o Monarca das Coxilhas, o Centauro dos Pampas, essa figura estabelece uma ponte, nos Contos Gauchescos, entre duas épocas: o velho Blau, 'vaqueano', vivendo em tempos de paz, narra os casos do Blau jovem e de seus contemporâneos, os memoráveis casos dos tempos de guerra e das lutas pela conquista de território.

Os contos de Simões Lopes são narrados em primeira pessoa, sob a perspectiva de Blau Nunes, que corresponde ao crioulo (genuíno tipo gaúcho), o homem sadio, valente, leal, que vai desfilando os causos com vivacidade e espontaneidade, numa linguagem classificada como 'semidialetal': o autor encontra a fórmula para combinar a morfologia da língua padrão com o colorido das palavras e expressões características da região da campanha. Numa narrativa que preserva o caráter da oralidade, o homem e o pampa aparecem como personagens.

Em 'Lendas do Sul', o escritor reconstitui e fixa uma série de lendas que compõem o imaginário gaúcho e brasileiro. Dentre essas, uma das mais significativas é a lenda do Negrinho do Pastoreio. Diz Carlos Reverbel, no Prefácio da obra: “A lenda vivia anonimamente na voz do povo até começar a ser recolhida e publicada por pessoas letradas, mas somente assumiria feição de legítima obra de arte na estilização que lhe seria dada por J. Simões Lopes Neto. E foi em razão desse toque de criatividade que o mais genuíno e expressivo mito rio-grandense tornou-se conhecido em todo o País (...)”

“Canta a tua aldeia e serás universal”, falou o escritor russo Leon Tolstoi. E Simões Lopes, cantando com maestria e arte os casos de sua terra, como a história de um negrinho que foi torturado e morto, e ganhou as graças de Nossa Senhora; expondo os conflitos e lutas do gaúcho, num meio que nem sempre lhe foi favorável; construindo situações que dizem respeito ao ser humano em geral, adquire uma dimensão de universalidade.

Gostaria de terminar com um trecho do Negrinho do Pastoreio:

“Correu no vizindário a nova do fadário e da triste morte do Negrinho, devorado na panela do formigueiro.

Porém logo, de perto e de longe, de todos os rumos do vento, começaram a vir notícias de um caso que parecia um milagre novo...

E era que os posteiros e os andantes, os que dormiam sob as palhas dos ranchos e os que dormiam na cama das macegas, os chasques que cortavam por atalhos e os tropeiros que vinham pelas estradas, mascates e carreteiros, todos davam notícia – da mesma hora – de ter visto passar, como levada em pastoreio, uma tropilha de tordilhos, tocada por um Negrinho, gineteando de em pelo, em um cavalo baio!.(...)”