OFICIO DO POETA

“ Por que você acha que a beleza, que é a coisa mais preciosa do mundo, jaz como uma concha à beira da praia à mercê de um transeunte que a pegue casualmente? A beleza é algo maravilhoso e enigmático que o artista capta do caos do mundo e do tormento da sua alma. E quando faz isso, não é dado a todos conhecê-la. Para reconhecê-la e necessário reviver a aventura do artista. É uma melodia que ele canta para você, e para que ouçamos de novo em nosso coração é preciso conhecimento, sensibilidade e imaginação”

“UM GOSTO E SEIS VINTÉNS” – W. S. MAUGHAM

“Sidarta parou. Quedou-se imóvel. Notando a que ponto iria sua solidão, sentiu, por um instante, pela duração de um respiro [.....] Daí por diante, seria apenas Sidarta, o homem que acabava de acordar e nada mais [....] Nem sequer o mais isolado de todos os ermitões da floresta era um homem só, não levava uma existência solitária, portanto ele também pertencia à uma classe que lhe proporcionava um lar. Govinda tornara-se monge e milhares de monges eram seus irmãos, vestiam os mesmos trajes, tinham a mesma fé, falavam a mesma língua. E ele, Sidarta? Qual seria o seu lugar? Participaria ele da existência de outrem? Haveria pessoas que falassem a mesma língua dele?

“SIDARTA” – H. HESSE

A verdade é uma só. Estamos nós, poetas, condenados a solidão...Mesmo que constituamos família, que os filhos brinquem em nossos quintais...que várias mulheres nos amem, a solidão é nossa fiel companheira. O simples ato de ler já é quase sempre solitário; o de escrever, é o sempre. E sobre o que escrever? Sobre qualquer coisa, desde que leve o leitor a duas possibilidades: o Encantamento e o Estranhamento. Diria que a grande obra seria aquela que cause as duas em igual intensidade. E para isto é preciso mergulhar de cabeça no próprio ego, tornar-se o receptor inquieto de todo o pulsar da vida. Parafraseando Marx, diria que mais que compreender a vida, é preciso transformá-la (como já disse Rimbaud). E isto só é possível de duas formas: pelo Estranhamento e pelo Encantamento. Não é à toa que quando os Nazistas tomaram o poder na Alemanha destruíram toda a Arte do período de 1920 à 1930. E muitos outros regimes ditatoriais também seguem a mesma regra...

O primeiro trecho citado é de certa forma como o Encantamento age na mente e na alma humana, esta não no sentido pueril do cristianismo, que prega a existência de um pai que não se sabe protetor ou castrador, mas a dos ritos primordiais. Ao produzir este Encantamento, a Arte, seja ela qual for, nos aproxima da nossa condição de Humanidade, fazendo que olhemos para o mundo com os olhos do Ser, e não o do Ter. Esta pós-modernidade, território do efêmero, do transitório, do neo-liberalismo insano que condena milhões à morte para que poucos se locupletem, é filha dos olhos do Ter. Mais vale cem pássaros na gaiola que um único voando, seria este o grande lema dos “iluminados”. E para isto vale tudo: destruir as divergências, massificar o mau gosto, os preconceitos – filhos da intolerância – levar a relação entre homens e mulheres à uma relação quase idiota, como por exemplo, nos chamados rodeios, mulheres se sentirem lisonjeadas quando laçadas como vacas por imbecis de chapéu na cabeça. Diria que as vacas demonstram, apesar da sua irracionalidade, um sentimento de dignidade maior: elas reagem ao laço!!! Foi esta mesma doutrina que permitiu todos os massacres cometidos ultimamente, como os de Sabra e Chatilla, os da antiga Iugoslávia e os da África, como retratado no filme “Hotel Ruanda”....afinal de contas, não haviam interesses econômicos que justificassem a proteção dos assassinados. O homem, ao perder a noção do belo, amarga no seu interior o nascedouro da crueldade e da idiotice.

Não existe melhor exemplo de construção do Estranhamento que o causado pela solidão. Ao nos lançarmos nela, deveríamos compreender que as alternativas e respostas nunca deveriam ser individuais e sim construídas coletivamente; que a Indignação, a luta por Justiça e a Ética não são recursos retóricos, mas condições intrínsecas para transformar o mundo e a vida. E só luta por transformação aquele que percebe no outro um igual e não um inimigo. Gramsci, em uma de suas inúmeras cartas, conta uma passagem interessante: preso pelo regime fascista e sendo transferido de prisão em prisão, é abordado por um carcereiro que quer saber se ele é mesmo o deputado Antonio Gramsci. Ao responder que sim, o mesmo pergunta à ele o que aconteceria se ele aderisse ao Fascismo. Ironicamente responde que, com certeza, ganharia um cargo nos Correios, visto que estes eram destinados aos originários da Sardenha, como ele. O carcereiro olha para o comunista com olhar espantado e faz um sinal característico de “pazzo”, girando o indicador do lado da cabeça. Ao nos levar ao Estranhamento, a Arte nos prepara para enfrentar as mais severas batalhas contra a opressão e a injustiça, perfazendo o seu efeito transformador.

DARWIN FERRARETTO
Enviado por DARWIN FERRARETTO em 14/09/2005
Código do texto: T50379