A BÍBLIA QUESTIONADA

Uma pequena abordagem: contradições, discrepâncias, a situação das Testemunhas de Jeová e outras complicações.

por Luciano F.Silveira

Este texto expressa parte de uma visão sobre o erro presente no texto bíblico. É destinado a pessoas que, como eu, buscam a verdade - apesar do reconhecimento de que toda verdade é relativa. Não é meu interese ofender a religião, apenas questioná-la.

“Aceita, meu filho, um conselho final:

o uso dos livros não tem fim e o estudo

em demasia é enfadonho.”

(Eclesiastes, 12:12)

São atribuídas a Salomão, o sábio rei, as palavras da epígrafe acima. O mesmo Salomão que, já com idade avançada, resolveu adorar a outros deuses (I Reis 11:4). Este mesmo Salomão teria resolvido “dar-se ao vinho” e “entregar-se à loucura” (Eclesiastes 2:3). E teria dito ainda que “quem aumenta a ciência, aumenta a tristeza” (Eclesiastes 1:18).

Fico imaginando o que seria do mundo sem os livros e sem a dedicação incessante dos grandes estudiosos. Com certeza não teríamos o avanço da ciência como a conhecemos. Talvez a própria religião cristã não existisse, sendo esta regida por um conjunto de livros que formam a Bíblia. Qualquer inserção séria em uma religião ou doutrina ideológica requer como pré-requisito certa complexidade teórica, que não se obtém meramente por via oral – aí entram os muitos livros que precisamos ler para, assim, evoluirmos em nosso aprendizado. Mesmo que um cidadão leia pouco, ou mesmo não seja um leitor, ele se beneficia do progresso obtido através da leitura – esta grande invenção da humanidade, que permite não só a troca de informações como o registro destas.

Sobre a ciência “aumentar a tristeza”, é possível ponderar que o escritor de Eclesiastes tivesse alguma razão. Todo o avanço científico e tecnológico de hoje não conseguiu ainda resolver problemas como a fome nos países do terceiro mundo, por exemplo. Ou o problema da violência – e estas são coisas que a todos entristecem. Por outro lado, no tempo em que o homem era majoritariamente analfabeto ele não tinha poucos problemas com a fome e não era menos violento. A própria Bíblia relata tempos de muita fome e dá mostras de como o homem era violento. Grandes massacres humanos são relatados nela e, inclusive, a violenta morte de Jesus (cujo verdadeiro nome seria Yeshua) são exemplos dessa violência dos tempos passados, quando o homem não tinha ainda lido tantos livros, e não possua tanta ciência como hoje. Além do mais, os seguidores de Deus nos tempos bíblicos não foram também poupados da tristeza e do sofrimento, segundo a própria Bíblia relata, fossem eles menos ou mais sábios.

Tentarei no presente texto enumerar alguns fragmentos da Bíblia que julgo absurdos e dignos de nota. Eles estarão desordenados e não seguirão, por exemplo, ordem cronológica – assim como o texto bíblico também não está disposto em ordem exatamente cronológica. Evitarei, sempre que possível, comentar eventos sabidamente impossíveis – que desrespeitam as leis da Física –, como o Mar Vermelho se abrindo ou Jesus andando por sobre as águas do Mar da Galiléia, ou transformando água em vinho, ressuscitando um homem morto há dias, e coisas do tipo. Tentarei explorar outro tipo de tema, como, por exemplo, as contradições. Pelo fato de se imaginar como algo inaceitável, um livro que seja tido por muitos como “a verdade”, possa conter sérias contradições em seu texto.

Convido o leitor a receber minhas palavras com o mínimo de preconceito. Sou ateu. Sei que a esmagadora maioria das pessoas não é. E sei também do preconceito contra os ateus e contra toda e qualquer minoria. Mas meu objetivo principal não é converter pessoas ao ateísmo, e, sim, expressar minha perplexidade diante de posições religiosas que me espantam, mas ainda convencem pessoas no mundo inteiro. Além de servir-me do presente texto para justificar o fato de eu não acreditar ou confiar na Bíblia. E adianto que estou aberto a discussões sensatas acerca dos assuntos que aqui serão tratados. O texto é simples e direto – da forma que minha pequena cultura permite. É, entretanto, sincero e puro, a despeito da pequena dose de sarcasmo que eventualmente possa conter.

A Bíblia como a conhecemos foi organizada no século IV, com culminância no Concílio de Nicéia, quando o Imperador Constantino reuniu romanos – cristianizados ou não –, judeus cristãos e várias autoridades da época, com a finalidade de discutirem sobre a nova religião adotada pelo Império Romano, traçar diretrizes, assim como organizar o livro que serviria de novo código para o cristianismo, até então uma religião de judeus cristãos e romanos convertidos que não tinham uma grande organização. Já havia as “igrejas” espalhadas em diversos pontos, mas, ainda que tivessem a “Torá”, os livros proféticos, as cartas do romano Saulo (que se converteu a Paulo), e uma grande quantidade de escritos, essas congregações não tinham uma “unidade” de pensamento, de comportamento e de culto.

Com o Império em decadência e com o aumento de rebeliões cristãs e de seguidores do cristianismo “infiltrados” dentro do poder imperial, Constantino, sob o apelo popular e todos esses aspectos citados, não teve muitas opções a não ser ouvir todas as facções. Como havia inúmeros escritos – alguns discordantes entre si – o referido concílio serviu para pôr ordem na nova religião e escolher os livros que seriam incluídos na coleção de livros que serviria como guia para o cristianismo: a Bíblia. Vários livros deixaram de ser incluídos nesta, e hoje são chamados de “escritos apócrifos”, atraindo a atenção, cada vez maior, de muitas pessoas. Afinal de contas, qualquer pessoa dotada de espírito investigativo, há de questionar: que critério as autoridades da época usaram para incluir ou excluir livros?

De toda forma, o Império Romano funda a Igreja Católica Apostólica Romana, passando a usar a Igreja para continuar o seu domínio. Já que seu domínio político e bélico era cada vez menor, optou por um domínio cultural. Esse domínio cultural prevalece até os dias de hoje. Assim como Roma importara cultura grega (a tal ponto de o idioma grego ter sido oficializado pelo Império em determinada ocasião: tanto que os livros do Novo Testamento, por exemplo, foram escritos em grego – haja vista a tamanha influência da cultura grega em toda aquela região), o mesmo o faria com a cultura hebraica, representada pela Bíblia – esta coleção de livros cuja primeira parte foi escrita exclusivamente por hebreus. A religião cristã como a conhecemos hoje foi, portanto, organizada pelo Império Romano. Há variações de culto. A Reforma Protestante, de Lutero, traçou os novos caminhos da Igreja, possibilitando uma enorme revolução no comportamento religioso e, até mesmo, científico, já que os cientistas pararam, gradativamente, de ser perseguidos, torturados e executados. Desta forma, temos hoje as igrejas protestantes. Entretanto, a Bíblia usada por estes é a mesma dos católicos (exceto alguns livros do Antigo Testamento, que não foram considerados sagrados por – veja só – rabinos judeus, em consultas feitas pelos protestantes).

Quem abre uma Bíblia hoje, está lendo um livro de cultura hebraica, que foi escolhido, num dado momento da história, pelo Império Romano, para sua conveniência, obviamente, assegurando sua possibilidade de perpetuação e de doutrinação das populações. A Igreja Católica Apostólica Romana é uma continuação daquele Império, cruel, sanguinário, ambicioso e dominador. E as igrejas protestantes são, sem que seus fiéis se tomem conta, uma parte da mesma Igreja Católica, com pequenas alterações na forma de culto. Mas mantêm muita coisa em comum. Há uma grande sala. Há um “sábio” falando aos fiéis. Poucos trechos da Bíblia são lidos – preferencialmente os que não sejam contraditórios. Há a arrecadação de dinheiro – algumas vezes em forma de dízimo, outras em forma de contribuição voluntária. E, em se falando de dinheiro, algumas instituições religiosas angariam enormes montantes. O Vaticano é o maior exemplo. Todo aquele luxo do Vaticano é mantido com o dinheiro vindo de católicos do mundo inteiro, além do lucro adicional advindo das empresas que possui. No Brasil, temos o exemplo recente da Igreja Universal do Reino de Deus, que em poucos anos – é uma igreja jovem – conseguiu tremendo poder. Tendo comprado uma emissora de televisão e erguido templos gigantescos por todo o Brasil, e até fora. Voltando ao âmbito internacional, temos o exemplo da Sociedade Torre de Vigia (Watchtower Bible and Tract Society), com sede nos Estados Unidos. Trata-se de um “império” gráfico destinado a edição de bíblias e de literatura religiosa. Possuem gráficas com alta tecnologia e poder de publicação, fazendas, prédios. Assim como as demais religiões, as Testemunhas de Jeová (nome dado aos crentes que propagam a literatura produzida pela sociedade) detém grande poder econômico. Têm como uma das características não cobrar dízimos. Antes, boa parte de seu lucro vinha das assinaturas das revistas Sentinela e Despertai. Hoje, ao menos no Brasil, não são mais vendidas assinaturas dessas revistas a leigos. Porém os publicadores – que são os fiéis encarregados da distribuição das revistas – pedem uma pequena contribuição da pessoa que adquirir uma revista, que pode ser de qualquer valor. Aos adeptos não são cobrados dízimos, mas são também aceitas contribuições. E com essas contribuições, mais o esforço árduo e contínuo de uma legião de trabalhadores voluntários, a sociedade mantém seus parques gráficos, assim como toda a sua milionária estrutura. No tocante às suas doutrinas, há vários pontos em que se destacam das demais religiões (importante lembrar que os Católicos e os Pentecostais não os consideram uma religião, mas uma seita). Possuem uma tradução própria da Bíblia – que obviamente dizem ser a mais próxima dos originais. Muito embora haja questionamentos sobre isso: com sua enorme obsessão em difundir o nome de Deus, acabaram por colocar em sua “tradução” bíblica o nome Jeová até em diversos pontos do Novo Testamento, onde, originalmente o nome de Deus não fora escrito. É corrente no Novo Testamento, em seu texto original, o uso da palavra grega “Kurios”, que significa “Senhor”. Portanto há provas de que a Sociedade Torre de Vigia pecou em sua tradução. Importante também lembrar que o nome original do deus dos hebreus é, na verdade, impronunciável, por tratar-se de um tetragrama do antigo hebraico, idioma que não possuía vogais escritas – o que impossibilita a pronúncia da palavra por alguém que não viveu naquela época. Só por volta do século VI, um grupo de judeus chamados Massoretas incumbiu-se de incorporar “acentos” que serviriam como vogais, para tornar o idioma, quase extinto, mais facilmente pronunciável. Fato este que não nos dá a certeza da pronúncia exata praticada nos tempos bíblicos. Outro ponto que merece destaque na doutrina das Testemunhas de Jeová é a recusa, incondicional, das transfusões de sangue. E há nesta religião muitas outras posições divergentes das demais religiões cristãs, daí o destaque que tenho dado a ela. Muito embora, seja muito parecida com as outras em alguns aspectos já citados: e a arrecadação de dinheiro entre estes.

Proponho-me, então, à listagem de alguns poucos trechos da Bíblia dignos de atenção. É claro que muitos ficarão de fora neste momento. Uma ampla e irrestrita lista de, aparentes ou notórios, absurdos bíblicos seria por demais vasta, e não me dedico a escrever um livro, mas simplesmente um artigo.

Farei referências a capítulos e versículos, sem as transcrições – com as quais o texto ficaria muito longo. Isso tornará necessário o acompanhamento contínuo de uma bíblia em mãos para o estudo deste meu texto, que contém alguns importantes ingredientes da “fórmula” que fez de mim um homem descrente nas Escrituras. Mas o que haveria de tão errado com a Bíblia?

Uma pequena lista de temas, com algumas referências dos respectivos textos bíblicos:

Sobre o fato de Deus saber de todas as coisas.

Há relatos bíblicos que dizem que deus se “arrependeu” (Gênesis 6:5-7, Jeremias 18:7:10, I Samuel 15:11-35). É concebível alguém se arrepender de ter feito algo bom? Se Deus sabia que sua obra não seria boa, porque insistiria em fazê-la daquela forma? Há traduções em que se usa para o texto do Gênesis, em vez da palavra “arrependeu”, a palavra “deplorou”. Deplorar significa lastimar, lamentar. Por que Deus lamentaria por algo que soubesse, de antemão, que ia acontecer? Dá-nos a entender que Deus não tem capacidade de prever o futuro. E isso também pode ser evidenciado quando Deus testa a fé de Abraão, pedindo para que este sacrifique seu filho. Se Deus conhecesse as intenções e a fé de Abraão, não precisaria submeter o pobre homem a essa triste situação, em que o holocausto do filho, ao fim, não se concretizou (Gênesis 22:1-12). Deus chega a dizer: “agora sei que temes a Deus”. Deus também fez de Saul rei de Israel. Mas tempos depois lastimou também por este seu ato (I Samuel 15:11-35). Se Deus soubesse, antecipadamente, que Saul viria a ser um homem desobediente, que motivo o teria levado a fazer dele um rei?

Um texto que mostra a dificuldade de Deus em “ver” as coisas é o que se lê em Êxodo 12:13, em que o Senhor recomenda que se ponha sangue de animais nas portas dos lares, para que ele possa saber contra quais casas impingirá sua praga destruidora.

Sobre Deus ser “bom”.

“Eu formo a luz, e crio as trevas; faço a paz e crio o mal; eu sou o Senhor, faço todas essas coisas” (Isaías 45:7). Há outras passagens que põem em xeque a bondade de Deus: o “horror” em Ezequiel 20:25,26; “o mal” em Lamentações 3:38; “eis que estou forjando o mal” em Jeremias 18:11. Qualquer leitor da Bíblia pode encontrar nela, com facilidade, versículos em que Deus se mostra vingativo e cruel, sobretudo nos textos do Pentateuco (os cinco livros iniciais da Bíblia). Há a matança dos primogênitos do Egito, incluindo inocentes e até animais (Êxodo 12:29). Há algo bastante interessante: um dos mandamentos do decálogo é “não matarás”: isso está no capitulo vinte de Êxodo. Entretanto, já no capítulo 21 começam as ordenanças de morte, como em 21:12-29. E as ordens de Deus para que se puna com morte alguém que tenha desrespeitado algum mandamento banal vão por todo o Pentateuco e por quase todos os livros do Antigo Testamento (é bom se ter em mente que os mandamentos são centenas, e não apenas dez, como algumas pessoas pensam). Os judeus chamam os livros atribuídos a Moisés de “Torá”, que é “a lei”.

Além do perdão e do amor, ensinados em alguns versículos do Novo Testamento, a vingança é mais uma das coisas ensinadas na Bíblia, como podemos ver em Levítico 24:13-23, que é apenas um dentre os diversos trechos onde a vingança é pregada.

Curioso também é que o próprio Deus descumpre outros mandamentos além do “não matarás”, quando, por exemplo, manda fundir querubins de ouro (Êxodo 25:13); ou uma serpente de bronze para curar pessoas (Números 21:6-9). O mandamento que está em Êxodo 20:4 diz “não farás para ti imagem de escultura”.

O problema do sangue, em relação às Testemunhas de Jeová.

Levítico 7:27 diz: “toda pessoa que comer algum sangue será eliminada do seu povo”. O texto de 19:26 diz: “não comerás coisa alguma com sangue”. Ainda Levítico 17:10 diz: “Qualquer homem (...) que comer algum tipo de sangue, contra ele me voltarei e o eliminarei do seu povo”. Estes textos se referem claramente a sangue animal, e, na maioria das vezes, como alimentação, assim como a maioria dos textos bíblicos que fazem alusão a sangue no sentido de “impureza”, algo impuro e impróprio para o consumo.

As Testemunhas de Jeová prendem-se ao que está em Atos 15:29, que diz: “vos abstenhais de coisas santificadas a ídolos, bem como do sangue, da carne de animais sufocados...”. Embora o texto pareça ainda se referir a sangue animal, há uma brecha textual para que se entenda que o escritor pudesse estar se referindo a “qualquer tipo de sangue”. Porém, uma das regras de ouro para quem estuda a Bíblia é não se ater apenas a um único versículo quando se pretende chegar a uma conclusão sobre um assunto. E, no que tange a questão do sangue, a contextualização geral deixa claro que o sangue em questão é o de animais.

Pontos a serem considerados:

Como o autor do texto bíblico poderia estar tratando de uma coisa que não existia na época em que este foi escrito, as transfusões de sangue?

Quanto a comer sangue. Como, com o conhecimento que temos hoje, podemos imaginar comer algum tipo de carne, sobretudo as vermelhas, totalmente isenta de sangue? Como seria uma carne completamente sem sangue? É mesmo possível comer uma carne vermelha assim? O fato é que quando colocamos um bife na panela, o sangue que há nele – e nós o vemos nitidamente em nossa frente – é assado juntamente com a carne. Ele não some dali, mas é simplesmente cozido. As partículas de água contidas na carne evaporam em sua maioria, mas o sangue não foi retirado.

Jesus Cristo diria algo muito importante sobre o assunto: “Não é o que entra pela boca o que contamina o homem, mas o que sai da boca, isto, sim, contamina o homem” (Mateus 15:11). Preceito que é repetido em Marcos 7:15. E o evangelista Marcos resume a questão: “e assim considerou ele (Jesus) puros todos os alimentos” (Marcos 7:19).

No dia em que os métodos alternativos à transfusão de sangue estiverem disponíveis a todos os habitantes do planeta, este será um avanço e uma conquista da qual todos vão querer desfrutar, até mesmo por questões de segurança e disponibilidade. Mas, na maior parte dos casos, nos hospitais que temos, as pessoas não dispõem ainda de uma alternativa à transfusão quando dela necessitam.

Por outro lado, há partes do texto bíblico em que o sangue é usado sem problemas. Exemplos: Êxodo 24:8, quando Moisés aspergiu sobre o povo o “sangue da aliança”; e ainda Levítico 4:5,6; Levítico 8:23,24; Levítico 9:9; Levítico 14:14-25; 14:52. Em Êxodo 29:20,21 o sangue chega a ser usado para “santificar” Arão e seus filhos, sendo lançado sobre seus corpos e suas vestes.

Uma questão importante é que as mesmas pessoas que recusam transfusão de sangue por conta desta discutível interpretação bíblica, utilizam-se sem transtorno de outras vantagens obtidas pela medicina moderna. Ora, sabemos que todos os avanços que a Medicina conquistou tiveram um início. As civilizações antigas, sobretudo a Grega e a Egípcia, tiveram homens que dedicaram suas vidas ao conhecimento. E isso veio ocorrendo no decorrer de épocas seguintes. No que se refere à Medicina e Anatomia, seria impossível imaginar que se adquirisse todo o conhecimento que se tem hoje sobre o corpo humano sem que se houvesse tido contato com cadáveres. Isso mesmo. Dissecando cadáveres os médicos de tempos atrás foram descobrindo mais sobre o funcionamento do corpo humano, a ponto de, hoje, podermos, com muita segurança, realizar cirurgias inimagináveis na antiguidade. Mas, vejamos o que a Bíblia diz sobre “tocar em cadáveres”. Levitico 21:11 diz: “não se chegará a cadáver algum”. Além do confuso texto de Números 18:15, que dá a entender que quem abrir um cadáver deverá ser sacrificado ao Senhor. O Sacrifício de seres humanos não está claro na Bíblia. Mas esta não é a única menção. Há a passagem da filha de Jefté (Juízes 11:29) , que foi claramente oferecida em sacrifício ao Senhor por conta de um voto feito. O versículo 40 diz, sobre esta triste história, quando se refere ao costume “de as filhas de Israel saírem por quatro dias, de ano em ano para cantar ‘em memória’ da filha de Jefté, o gileadita”. Em II Samuel 21:6-14, Deus se mostra favorável ao enforcamento de sete homens, oferecidos como uma espécie de pedido de desculpas de Davi por uma falha ocorrida em seu reino. Depois disso feito “Deus se tornou favorável com a terra”, como diz o texto. Sem falar no pedido de sacrifício de Isaac, filho de Abraão, quando Deus muda de idéia no último instante, ao descobrir que Abraão era um homem devoto. E, é claro, no sacrifício de Jesus Cristo, chamado “cordeiro de Deus”. “Temos sido santificados pela oferta do corpo de Jesus Cristo”, diz Hebreus 10:10. O sacrifício humano é uma questão pouco comentada por religiosos e até por não religiosos, de tão absurda que é a idéia. Mas se pensarmos que Deus gosta de tanto de sangue de animais (e até de gordura), como vemos nos livros da “lei”, isso passa a não ser tão absurdo assim. A importância do sangue de Jesus na simbologia da fé cristã não deixa de ser algo mórbido, dependendo do ponto de vista.

Ainda sobre sacrifícios, um trecho que é digno de nota é escrito em Êxodo 22:29,30. Deus diz: “o primogênito de teus filhos me darás. Da mesma sorte farás com os teus bois e com as tuas ovelhas; sete dias ficará a cria com a mãe, e ao oitavo me darás”. A questão é: o que Deus quis dizer com “me darás”? É no sentido de ‘me darás como oferenda em sacrifício ou holocausto’? Então estaríamos, desta forma, falando que Deus pede sacrifício humano, além dos já tão mencionados sacrifícios de animais. Ou o trecho se refere a uma espécie de “sacrifício devocional”, onde os primogênitos seriam entregues para “trabalhar” no tabernáculo (que era o “templo móvel” usado pelos hebreus durante sua peregrinação no deserto)?

A primeira hipótese é inconcebível por qualquer crente, dada a crueldade – embora, eu, particularmente, não a possa descartar, pois, no trecho, os primogênitos chegam a ser comparados a bois. A segunda hipótese, por sua vez, tira Deus da condição de cruel e sanguinário, mas é absurda: imagine os primogênitos de todas as famílias hebraicas trabalhando em uma única tenda. Parece algo plausível? A verdade é que Êxodo 22:29,30 merece uma boa explicação.

Voltando às Testemunhas de Jeová. Um outro ponto importante na pregação delas é a idéia de que, nos dias atuais, o governante do mundo em que vivemos é Satanás. No entanto, Romanos 13:1,2, diz que “todas as autoridades foram instituídas por Deus”. Se pensarmos em Hitler, Bush, Sadan Hussein, quase que podemos dar razão às Testemunhas. Mas há um problema. Eles dizem que isso – o governo do “iníquo” – está acontecendo somente desde 1914. Portanto, todos os canalhas que governaram o mundo antes desta data foram mesmo instituídos por Deus, conforme o texto de Romanos 13. Ou seria também o atual governo de Satanás, também este instituído por Deus? Fica difícil considerarmos qual a pior hipótese: a bíblica, e aceitar que Hitler foi instituído por Deus; ou a das Testemunhas de Jeová, e pensar que Satanás é o nosso “patrão”.

O Deus bíblico é favorável à verdade?

Atentamente, leia I Reis 22:23. Leia II Tessalonicenses 2:11. E também Romanos 11:8. Não deixe de ler tais textos.

Um dos diversos relatos absurdos da Bíblia

Deus manda um espírito maligno de apossar de Saul. Ver em I Samuel 16:14,15. Também 18:10 e 19:9. Isto está em conformidade com o que está em escrito em Isaías 45:7, quando se diz que Deus “cria o mal”.

Agora o Novo Testamento.

Comentarei antes a profecia de Miquéias 5:6-15, a respeito de um messias vingador. Jesus frustra os judeus da época, que esperavam, como dito em profecias como esta, pela vinda de um grande líder que “eliminaria os inimigos, destruiria suas cidades e com ira e furor tomaria vingança sobre todas as nações que não o obedecessem”, como diz o texto profético do Antigo Testamento. Jesus não foi exatamente como esta profecia declarara.

Vejamos o que o Novo testamento diz sobre “a lei”. Ou seja, sobre as leis do Antigo Testamento.

Jesus declara em Mateus 5:17-19 que “não veio revogar a lei ou os profetas”. Esta é, sem dúvida, uma enorme contradição bíblica. Com essa fala, Jesus endossa, dá aval, a todas as atrocidades cometidas na época do Antigo Testamento, como as penas de morte ordenadas por Deus. As penas de morte contra os adúlteros, contra as pessoas que trabalhassem aos sábados, contras os filhos preguiçosos e comilões, etc. No texto referido, Jesus ainda alerta que “aquele que observar e ensinar tais mandamentos, será considerado grande no reino dos céus”. Enfatizou então o valor dos ensinamentos de Moisés. Lendo o livro de Levítico, por exemplo, podemos ter uma mostra dos “belos” ensinamentos e leis aqui tratados, ou seja: leis implacáveis contra qualquer deslize do ser humano, muitas vezes sob pena de morte.

Mas há no Novo Testamento quem pense o contrário. Em Hebreus 9:9,10, o apóstolo Paulo diz que os sacrifícios, exigidos no Antigo Testamento, são ineficazes e não passam do que ele chamou de “ordenanças da carne”.

Em Hebreus 10:1-9, Paulo continua a sua fala sobre as imperfeições das leis do Antigo Testamento, quando, entre várias críticas importantes, diz, no versículo 4: “porque é impossível que sangue de touros e de bodes remova pecados”. Chama também os sacrifícios oferecidos de “ineficazes e imperfeitos”(Hebreus 9:9). Com isso, Paulo contradiz Mateus 5:17-19. Desta forma, segundo o apóstolo, Moisés estaria enganado. Jesus estaria enganado. E Deus, que deu as leis a Moises, estaria enganado. Sobre a ineficácia das leis dadas por Deus a Moisés, e sobre como as coisas estavam erradas, o evangelista Mateus comenta: “Porque o Filho do homem (referindo-se a Jesus) veio salvar o que estava perdido” (Mateus 18:11). Como interpretar a frase “tudo estava perdido”? Não havia Deus no controle das coisas?

O livro de Atos dos Apóstolos comenta ainda o fato de serem as tradicionais leis algo insuportável para os homens: “Agora, pois, por que tentais a Deus, pondo sobre a cerviz dos discípulos um jugo que nem nossos pais puderam suportar, nem nós?” (Atos 15:10). O autor deste livro reconhece as severas leis da tradição do Antigo Testamento como algo que “tenta” a Deus. Deixando clara a sua opinião sobre o assunto: que as leis não provinham verdadeiramente de Deus.

Entretanto, Jesus, com seu exemplo de vida, vem também fazer coisas que não se enquadram nas leis tradicionais: como defender uma mulher adultera do apedrejamento imposto pela lei de Deus; “trabalhando” ao fazer curas aos sábados, criticando a lei sabática e denunciando a hipocrisia dos homens, que, na verdade, não a cumpriam, e sempre fariam alguma atividade, ainda que fosse sábado. São estas, obviamente, coisas positivas. Falam sobre o perdão – diferentemente do “dente por dente, olho por olho” do Antigo Testamento.

Importante lembrar que essa idéia da justiça com vingança (dente por dente, olho por olho) está presente também em outras culturas da antiguidade, e não somente na cultura hebraico-bíblica. Várias tradições bíblicas coincidem com outras culturas, de outras civilizações da época. Alguns costumes vieram da longa convivência do povo hebreu no Egito. Algumas histórias contadas no Gênesis, por exemplo, foram, muito provavelmente, trazidas por Abraão de seu local de origem, a cidade de Ur, na antiga Suméria, uma importantíssima civilização na Mesopotâmia que foi decisiva na invenção da escrita. Histórias como a de Adão e Eva, e como a de Noé e o dilúvio, já constavam – com outros nomes, mas de narrativa muito parecida – na Epopéia de Gilgamesh, que é provavelmente a história mais antiga registrada pelo homem, e, certamente, anterior ao registro bíblico.

Mas, voltando a Jesus Cristo. Ainda que seu aparecimento tenha mudado as coisas, nem tudo nos Evangelhos e no Novo Testamento é coerente e confiável, ou mesmo moralmente impecável.

Absurdos e estranhezas do Novo Testamento.

A genealogia de Jesus, relatada no primeiro capítulo de Mateus, termina de forma controversa. Ela começa com o patriarca Abraão. E vão as gerações: Isaac, Jacó, (...) Davi, Salomão, (...) e, por fim, José. Pois é. José é o antecessor de Jesus na genealogia. Seu ancestral imediato. Isto quer dizer seu pai. No entanto, o que todos aprendemos é que Jesus foi gerado pelo Espírito Santo, não contando com o sêmen de José. Maria era virgem ao conceber Jesus (Mateus 1:1-23). E se José é “padrasto” de Jesus, qual o motivo de Jesus ser então chamado, na introdução da genealogia, de filho de Davi, e filho de Abraão, se estes são ancestrais de José, e não de Maria?

Sobre João Batista. “Entre os nascidos de mulher, ninguém apareceu maior que João Batista, mas o menor no reino dos céus é maior do que ele” (???) (Mateus 11:11).

Ainda sobre João Batista. Em Mateus 11:14, João é colocado por Jesus como uma “reencarnação” ou “volta” de Elias, o que fora prometido pelo profeta do Antigo Testamento, no texto de Miquéias 4:5. Jesus diz sobre João batista: “ele mesmo é Elias”. Elias é um homem que não morreu, mas foi levado ao céu numa “carruagem de fogo”. Jesus volta a falar sobre o assunto – o retorno de João – em Mateus 17:9-13. Isso se dá pelo fato de que há a profecia que diz que o messias viria logo após o retorno de Elias.

Algo não muito bom para as famílias: “Todo aquele que tiver deixado casas, ou irmãs, ou irmãos, ou pai, ou mãe, ou mulher, ou filhos, ou campos, por causa do meu nome, receberá muitas vezes mais, e herdará a vida eterna” (Mateus 19:29). Receberá muitas vezes mais o que? Mais casas? Mais campos? Mais irmãos? Mais esposas? Mais filhos? Abandonar tudo em troca de um benefício próprio não seria um ato de extremo egoísmo?

Uma profecia maravilhosa, cheia de imagens impressionantes sobre a volta de Jesus, vindo sobre as nuvens, com anjos reunindo seus escolhidos, é relatada em Mateus 24:29-34. Jesus diz ainda: “não passará esta geração sem que tudo isso aconteça”. Ele se referia à “sua geração” – às pessoas que viviam à sua época. Mas tais eventos não ocorreram, mesmo passadas muitas gerações, até hoje.

Algo aterrorizante e absurdo é relatado em Mateus 27:52:54. Diz-se que imediatamente após a morte de Jesus “abriram-se os sepulcros e muitos corpos de ‘santos’, que dormiam, ressuscitaram, e, saindo dos sepulcros, entraram na cidade e foram vistos por muitos”. Não é de se admirar que tal passagem bíblica jamais tenha sido filmada por qualquer cineasta – isso certamente assustaria as crianças e causaria desconfiança nos adultos, tamanho o absurdo da história relatada.

O relato da ressurreição de Jesus em Mateus 28 é muito diferente do que está escrito em João 20. É impressionante como João ignora o “grande terremoto” relatado em Mateus.

Sobre a ascensão de Jesus ao céu, é notável como os evangelhos de Mateus e João puderam suprimir tal acontecimento. Seria esta uma cena, tão milagrosamente linda, digna de nota. Porém, Lucas é o único evangelista que dá pequenos detalhes de Jesus “sendo elevado para o céu” diante da presença de seus discípulos. Como poderiam Mateus e João, ainda que não fossem testemunhas oculares, desconhecerem tal fato?

Apesar de Jesus pregar, em alguns momentos, o perdão e a tolerância para com os pecadores, estrangeiros e inimigos, ele não deixa também de impor sérias restrições: “quem crer e for batizado será salvo; quem, porém, não crer será condenado” (Marcos 16:16). O que significa que seu perdão não é infinito, já que fala em “condenação”.

Uma passagem muito interessante – e aí não lanço crítica – é a que mostra como a caravana de Jesus era patrocinada. E isso é compreensível, pois para tudo na vida precisa-se de recursos. A caravana contava com seus doze discípulos e ainda com algumas mulheres, como Maria Madalena. Curiosamente, mulheres lhes “prestavam assistência com seus bens” , como Joana, esposa do procurador de – note que inusitado – Herodes; Suzana e muitas outras. Quando Jesus conclamou seus discípulas a abandonar seus trabalhos formais e seguirem-no, sem preocupação com alimentação e vestimentas, ele talvez já soubesse que sua empreitada seria financiada por alguém.

Jesus falha novamente sobre a profecia do tão comentado “fim do mundo”. “Verdadeiramente vos digo: alguns há dos que aqui se encontram que de maneira nenhuma passarão pela morte até que vejam o reino de Deus” (Lucas 9:27). Pois bem, todos aqueles ouvintes morreram há mais de dois mil anos, e não tiveram a oportunidade de ver o “reino de Deus” antes que morressem. O “reino de Deus”, ou “reino dos céus” até o momento não se estabeleceu.

Novamente Jesus atenta contra a família: “se alguém vem a mim, e não aborrece a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos,e irmãs e ainda sua própria vida, não pode ser meu discípulo” (Lucas 14:26). Os crentes dizem que isso não é um mandamento de Jesus, mas sim um alerta sobre as conseqüências de ser um seguidor seu. No entanto, digo que, ainda assim, essa abnegação não deixa de ser um atentado contra a família, segundo o que Jesus propõe.

“Dai a César o que é de César” (Lucas, 20:24). Observando a passagem completa: escribas e sacerdotes insatisfeitos com Jesus que queriam vê-lo preso pelas autoridades romanas, vão ao seu encontro, com cinismo e astúcia, procurá-lo a fim de conseguir dele alguma palavra que o pudesse incriminar. Então o perguntam se é lícito pagar tributos a César. É importante saber que a grande maioria do povo hebreu vivia oprimida pelo poder romano, e sustentava o Império com seus tributos. Obviamente os judeus não concordavam com essa cobrança de impostos, já que a terra era deles. Havia uma revolta contra Roma e seu governo sobre a região em que viviam. Os sacerdotes não eram, em geral, rebeldes, pois não tinham uma vida dura como o restante da população. Portanto, eram coniventes com o governo romano. Então, quando dirigem a pergunta a Jesus, eles esperam que Jesus responda a favor do povo, como de costume. Mas, para desapontamento deles (e provavelmente também do povo), Jesus sai com uma “pérola”: pede uma moeda da época e os pergunta de quem era a inscrição impressa na moeda. Eles respondem: de César. Jesus então diz o que todos sabem (“dai a César o que é de César”). Será que o simples fato de estar escrito o nome de César em uma moeda, faria com que essa moeda pertencesse a este? Pobre povo oprimido aquele. Jesus salvou sua própria pele com essa ironia, como se todas as moedas pertencessem a César, e não de quem trabalhou para ganhá-las. Entretanto é melhor chamar isso de ato irônico, pois, do contrário, seriam palavras de um louco.

Mais um trecho curioso, deixa em dúvida a idéia de Jesus ser uma pessoa pacífica e contrária a conflitos armados: “o (discípulo) que não tem espada, venda a sua capa e compre uma” (Lucas 22:35,36). Os discípulos parecem terem sido pegos de surpresa com este pedido. Pois antes eles não precisavam estar muito bem “equipados”, ao passo que agora Jesus alerta para essa necessidade: que todos eles tenham bolsa, alforje e espada – haja vista o perigo eminente. No entanto, se retrata logo no versículo 38, dizendo que apenas as duas espadas conseguidas por seus seguidores e levadas até ele bastavam.

Agora um dado extremamente positivo – ainda que este ensaio meu seja destinado a apontar os aspectos negativos da narrativa bíblica, como justificativa para a minha descrença. Em Atos 4:34,35 há um belo relato, que se refere às primeiras comunidades cristãs: “nenhum necessitado havia entre eles, porquanto os que possuíam terras ou casas, vendendo-as, traziam os valores correspondentes e depositavam aos pés dos apóstolos; então se distribuía a qualquer um, à medida que alguém tivesse necessidade”. Este é quase que um relado comunista, e por isso bonito. Verdadeiro ou não – e para quem é cristão o relato tem que ser considerado verdadeiro –, é um bom exemplo a ser seguido, o qual acabaria com a propriedade e com a miséria. O atual mundo cristão não seria capitalista. Pode ser até que Carl Marx tenha se inspirado nesse pequeno texto para escrever seu Manifesto Comunista. É uma pena que as comunidades cristãs não pratiquem isso. E se alguém vender sua casa e levar o dinheiro para a igreja, pode estar certo, seu dinheiro não vai para os necessitados.

Atos 26:23, diz que Jesus foi o primeiro a ressuscitar dos mortos. Porém o Próprio Jesus, antes da sua ressurreição, ressuscitou pessoas mortas. E há registros de ressurreição também no Antigo Testamento, como em II Reis 4:32.

Sobre a ira de Deus: “será Deus injusto por aplicar a sua ira? Certo que não. Do contrário, como julgará Deus o mundo?” (Romanos 3:5,6).

“Não há justo, nem sequer um, (...) não há quem faça o bem, não há nem um sequer” (Romanos 3:10-12). Então preciso indagar: desta forma, quem sobrará? Eu sei que o crente pode apontar para um versículo seguinte (28) onde se diz: “o homem é justificado pela fé”. Entretanto, será mesmo a fé algo suficiente para tornar um homem justo?

É impressionante como alguns comemoram com alegria a morte de Cristo. Isso pode estar ligado ao fato de que, a partir desta – como entendem grande parte dos crentes – assim como não são mais necessários sacrifícios de animais em holocausto, não é necessário também nenhum tipo de sacrifício por parte dos cristãos, bastando-lhes a fé: “Cristo, nosso Cordeiro Pascal, foi imolado” (I Coríntios 5:7).

“temos sido santificados, mediante a oferta do corpo de Jesus Cristo, uma vez por todas” (Hebreus 10:10).

O machismo de Paulo:

“conservem-se as mulheres caladas nas igrejas, pois não lhes é permitido falar” (I Coríntios 14:34).

Paulo contra o casamento?:

“quero que todos os homens sejam tais como também eu sou (solteiro)”

(I Coríntios 7:7).

“quem casa sua filha virgem faz bem; quem não a casa faz melhor”

(I Coríntios 7:38).

“estás livre de mulher? Não procure casamento” (I Coríntios 7:27).

O apóstolo estaria justificando esta sua opinião pelo suposto fato de que “o tempo se abrevia” (versículo 29), numa alusão ao “fim do mundo” ou “fim dos tempos”, que ele julgava estar tão próximo que não valeria mais a pena adquirir uma família. Alguns crentes interpretam assim.

Paulo favorável à escravidão:

“servos, obedecei a vossos senhores (...) com temor (...) como a Cristo” (Efésios 6:5).

“servos, obedecei em tudo a vossos senhores, não visando tão só agradar homens, mas, de todo coração, temendo ao Senhor” (Colossenses 3:22).

“todos os servos que estão debaixo de jugo considerem dignos de toda honra os próprios senhores, para que o nome de Deus e a doutrina não sejam blasfemados” (I Timóteo 6:1).

A despeito do que disse Paulo sobre o homem ser justificado pela fé, Tiago adverte os cristãos, destacando a importância de boas obras: “até os demônios crêem” (...) “a fé sem obras é inoperante”

(Tiago 2:19:20). “Uma pessoa é justificada por obras, e não por fé somente” (Tiago 2:24). Admito que isso pode ser entendido não como uma contradição, mas como um acréscimo. Para quem tem fé, o texto de Tiago é muito coerente, e contribui mais para a justiça do que o escrito por Paulo, em Romanos 3:28, que diz que o homem é justificado pela fé.

Apocalipse.

Um anjo mensageiro notificou a João (não se há precisão sobre a que João se refere a Bíblia) as profecias escritas no livro (Apocalipse 1:1). O versículo 2, porém, indica se tratar de uma “visão” do escritor. Confesso que o livro nunca me atraiu. Seu simbolismo e sua riqueza de imagens são impressionantes. Entretanto, esta mesma riqueza é o que torna um livro tão controverso entre os cristãos. Mas dada a imensa quantidade de contradições e absurdos contidos na Bíblia, seria um sacrifício inútil para um ateu como eu, tentar decifrar as profecias apocalípticas.

Pode-se argumentar que a leitura do livro me seria importante, para que tomasse eu conta do cumprimento de profecias ali contidas, e, assim, passaria a acreditar na Bíblia. Mas sei que toda linguagem textual que é carregada de simbolismo é passível de interpretações dúbias e errôneas, além de manipulação de interpretação, de acordo com o desejo de quem faz a “interpretação”.

Há pessoas, por exemplo, que se dedicam ao estudo das “profecias de Nostradamus” e as consideram procedentes. E os textos escritos por ele são de dificílima compreensão. Sua complexidade e riqueza de “imagens” – assim como no caso do Apocalipse – permite aos que crêem na veracidade daqueles textos, entender que os eventos póstumos (passados ou atuais) foram mesmo profetizados com exatidão. Mas tudo parte de um desejo de quem acredita. Ou seja, o desejo de acreditar naquilo. Mas é apenas fé. A História, a Sociologia, Antropologia, e demais ciências de fato, não dão credito algum a Nostradamus. Suas profecias, são objeto de estudo, na maioria das vezes, de pessoas simpatizantes do ocultismo.

Conclusão.

Há vários trechos da Bíblia que deixei de mencionar, e que qualquer pessoa sensata há de tê-los como absurdos. Coisas pouco conhecidas pela maioria dos cristãos. Como, por exemplo o texto que se refere à matança de 3000 homens (hebreus) num único dia, ordenada por Deus, em Êxodo 32:27,28, por causa da idolatria deles.

Ou ainda o incesto na família de Ló, relatado em Gênesis 19:30-38. Pecado mortal que não foi punido. E é interessante que duas cidades, Sodoma e Gomorra – de onde fugiram Ló, a esposa que se transformou em estátua de sal, e as filhas – haviam sido completamente destruídas por Deus, justamente devido ao comportamento sexual de seus habitantes.

Ou a passagem sobre os meninos que zombavam de Eliseu, em II Reis 2:23,24. Os meninos diziam ao profeta careca: “Sobe, calvo; sobe, calvo!”. Então o Senhor mandou duas ursas, que “saíram do bosque e despedaçaram quarenta e dois daqueles meninos”.

Mas, como disse no começo do meu texto, não me ateria a ficar analisando em pormenores “milagres” como este acima.

Reconheço o valor da mentira nas sociedades. Porém, acho que um livro tido como sagrado poderia tê-la evitado. Entendo a importância de vários preceitos cristãos, que regem, por força de imposição cultural, nosso comportamento, norteiam nossos valores – viemos em uma sociedade cristã. O bem, o perdão e a tolerância, ensinados por Jesus Cristo (talvez um dia eu escreva sobre isto) são coisas de inegável valor. Mas seriam todos os valores cristãos de fato válidos para tornar os homens felizes?

A paz, uma bandeira do mundo cristão, é aceita por quase todos como o melhor caminho. Entretanto, como falar para um povo que esteja sendo oprimido por outro, tendo seu território invadido, que reaja pacificamente? Deixar os invasores fazerem o que bem entenderem seria o melhor caminho? Acho que não. Penso que o povo oprimido deveria lutar contra a opressão, de todas as formas que pudesse. Isso se chama guerra. A paz, na verdade, costuma beneficiar mais quem está em condição de domínio. A paz não é interessante para o dominado, pois a atitude pacífica não muda sua condição de dominado. Nem sempre o diálogo e atitude pacífica foram possíveis na história dos conflitos humanos. Davi guerreou para se estabelecer na Palestina. A guerra foi o único meio de acabar com o horror do nazismo, por exemplo. Mas é obvio que espero pelo dia em que não exista mais guerra. Isso será um sinal de que não haverá tantas pessoas oprimidas, dominadas e sofredoras. E todos nós esperamos por esse dia e precisamos tomar passos que nos dirijam a ele. Tenho dúvidas de que a Bíblia ou as religiões possam contribuir muito pra isso.

A história nos mostra que muitas barbaridades foram cometidas com apoio na Bíblia. As cruzadas são um exemplo disso. A Bíblia é um livro violento. E a atitude violenta foi muitas vezes justificada por ela, de acordo com as interpretações feitas por muitos cristãos no passado. A escravidão, por exemplo, tem amparo bíblico – até mesmo no Novo Testamento, como já demonstrei. A intolerância para com outras religiões é também um dos principais ensinamentos da Bíblia.

Enfim. Há de se respeitar a posição de pessoas que se colocam contrárias à Bíblia. Não é difícil julga-la como um conjunto de textos absurdos.

É considerável a quantidade de pessoas que se beneficiam de uma vida religiosa. Muitas deixam de praticar o mal por se dedicarem a alguma religião. Obviamente isso é positivo. Mas não é o ideal. Países como o Brasil, onde a população sofre muito, tendem a possuir uma população dotada de muita fé. A fé se faz ali um instrumento de defesa contra o sofrimento e o desespero. A esperança do milagre e da vida eterna são um alento aos sofredores. Entretanto, países onde se tem uma qualidade de vida superior, como Canadá, Finlândia, Suíça, Holanda, Noruega, têm um percentual muito menor de religiosos. Portanto um mundo mais próximo do ideal seria aquele sem sofrimento e sem religião, como descreveu John Lennon em sua bela canção pacifista e ainti-religião “Imagine”. Obviamente, Lennon, temperamental e, por vezez violento - não mais que Davi - , não é um exemplo a ser seguido. A Bíblia mesmo, nos põe diante de uma perspectiva interessante quando diz que Jesus não veio para os sãos, e, sim, para os doentes (Mateus 9:12).

Finalizo citando o escritor e teólogo Rubem Alves: “Nascemos fracos e indefesos; incapazes de sobreviver como indivíduos isolados; recebemos da sociedade um nome e uma identidade; com ela aprendemos a pensar e nos tornamos racionais; fomos por ela acolhidos; e, finalmente, é ela que chorará a nossa morte. É compreensível que ela seja o deus que todas as religiões adoram, ainda que de forma oculta, escondida aos olhos dos fiéis.”

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