OS MÓRMONS E A MAÇONARIA
 
O Livro de Mórmon
 
A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, popularmente conhecida como  Igreja Mórmon,é uma igreja de orientação cristã que apresenta claros vínculos de conexão com a Maçonaria, embora na atualidade esses vínculos tenham sido obscurecidos por força das novas orientações emanadas pelo movimento a partir do século XX.
A sede central da Igreja Mórmon fica na cidade de em Salt Lake City, nos Estados Unidos, mas o movimento possui uma extensa rede de congregações em todo o mundo. Em 2014, o movimento mórmon contava com cerca de 15 milhões de adeptos em todo o planeta, sendo considerado um dos movimentos religiosos que mais crescem no mundo. No Brasil, a igreja mórmom já conta com mais de 1,1 milhão de adeptos e está em franco desenvolvimento.
A fundamentação religiosa da Igreja Mórmon vêm de um de um curioso livro chamado Livro de Mórmon, que segundo os adeptos dessa Igreja, é um volume de escrituras sagradas comparável á Bíblia. Conforme o próprio título desse estranho livro, ele é “outro testamento de Jesus Cristo”, e contém o “registro da comunicação de Deus com os antigos habitantes das Américas”.
Segundo ainda se diz, esse livro foi escrito por muitos profetas antigos, através do espírito de profecia e revelação, que vêm, aliás, da própria Bíblia, onde Deus revela aos seus escolhidos a sua vontade e as coisas que vão acontecer. No caso dos mórmons, essas revelações teriam sido recolhidas por um profeta chamado Mórmon, daí o nome dado aos seus adeptos, e registradas em placas de ouro. Essas placas conteriam o relato de antigas civilizações, conhecidas como nefitas e lamanitas, as quais teriam sido dispersadas pelo mundo por volta do século VII a.C (provavelmente na mesma época da dispersão das 12 tribos de Israel pelos assírios), fazendo inclusive uma reminiscência á uma civilização anterior á Torre de Babel, denominada como jareditas (originária de Jared, o patriarca bíblico).
Essas civilizações teriam sido todas exterminadas, exceto a lamanita, que segundo o livro de Mórmon, seriam os ancestrais dos ameríndios. No livro, Mórmon relata o ministério pessoal que Jesus Cristo, após a sua ressurreição, teria desenvolvido entre os nefitas, bem como delineia a estrutura da sua próxima Igreja, o apocalipse final e a estratégia segundo a qual a humanidade poderia ganhar paz e salvação na era vindoura.
Após terminar os seus registros, o profeta Mórmón entregou-os a seu filho Morôni, que lhes deu algum complemento e ocultou as placas em um monte chamado Cumora. Essas placas permanesceram ocultas até o ano de 1823, quando o próprio Morôni apareceu a um indivíduo chamado Joseph Smith e lhe revelou onde estariam escondidos os registros e o encarregou de traduzi-los para o inglês. (eles estavam escritos na antiga lingua lamanita). A tradução, feita por Joseph Smith, feitas desses supostos registros, mais alguns acréscimos postos posteriormente (depoimentos de testemunhas) constituem o chamado Livro de Mórmon, base espiritual da Igreja dos Santos dos Últimos Dias.
 
Um pouco de História
 
Joseph Smith Jr. nasceu em Sharon, estado de Vermont, em 23 de dezembro de 1805 e morreu em Carthage(Cartago) em 27 de junho de 1844. Foi um dos mais controvertidos personagens da história americana do século XIX. Liderou movimentos religiosos e políticos e mostrou-se também um efiente empreendedor, fundando cidades e presidindo comunidades, dando início e proporcionando o desenvolvimento de um dos mais vigorosos movimentos religiosos do mundo moderno.
Tinha uma personalidade messiânica e mística, que o fazia acreditar ser um dos profetas escolhidos por Deus para pregar a verdadeira fé. Com apenas 14 anos de idade, Smith julgou ter tido a revelação divina sobre a verdadeira Igreja de Jesus Cristo, a qual ainda não existia no seu tempo, mas seria logo fundada com a volta de Jesus Cristo sobre a terra. Aos 24 anos, começou sua pregação, afirmando ter sido chamado por Deus para realizar essa missão, restaurando a primitiva Igreja de Jesus Cristo na terra, tal como era nos primeiros tempos do cristianismo. É nesse clima que ele publica os registros secretos a ele entregues pelo ressurecto Morôni, contendo o Livro de Mórmon.
Os adeptos de Joseph Smith aumentaram em proporções preocupantes. Tanto que as demais confissões religiosas começaram a se inquietar com a nova seita, pois esta, além de criticar o chamado cristianismo ortodoxo, se apresentava como a única verdadeira Igreja de Cristo na terra.
Tudo isso resultou em uma grande perseguição aos adeptos de Joseph Smith. Fato que os obrigou a promover diversas mudanças de sede da sua igreja, para fugir a essas perseguições. Depois de viverem na Pensilvânia, Nova Iorque, Ohio, Missouri e outros lugares, sempre em conflito com outras confissões religiosas, eles se estabeleceram finalmente, em Illinóis, onde fundaram a comunidade de Nauvoo.
A cidade de Nauvoo era uma autêntica comunidade que vivia segundo o espírito mórmon, preconizado por Smith. Sua estrutura se aproximava dos modernos “kibuts” israelenses, na qual os membros dispunham de seus bens particulares em prol da comunidade e esses bens eram divididos entre os membros de forma igualitária. Esse modo de organização econômica deu a eles muita prosperidade e rapidamente a cidade cresceu. Isso foi logo objeto de muita inveja pelas demais comunidades locais, atraindo novamente o conflito.
Entretanto, o movimento mórmon ja era uma realidade por todo o território americano. As colônias de Ohio e Missouri, por exemplo, haviam prosperado muito e vários líderes começaram a disputar poder com Smith. Em consequência, os conflitos na própria estrutura do movimento começaram a aparecer.
Por outro lado, crescia também a rejeição das demais seitas religiosas ao sistema mórmon de viver e disseminar suas crenças. Isso porque, a par da dissidência doutrinária e da forma de viver diferente desses estranhos cristãos, era o poder econômico e político dos mórmons, em franco crescimento, que incomodava os seus desafetos. O resultado desses conflitos, várias vezes degenerou-se em luta armada, obrigando os mórmons a diversas imigrações dentro do território americano, sempre buscando um lugar para praticar suas crenças e viver sua forma de vida em paz.
Mas essa paz demorava a vir. Perseguidos no Missouri, Smith e seus adeptos resolveram entrar para a política, como forma de defesa de seus interesses. Isso acirrou ainda mais a opinião pública contra eles, terminando em verdadeira luta armada, na qual os mórmons foram expulsos do estado e tiveram suas propriedades confiscadas. O próprio Smith foi preso e passou quatro meses na prisão, sendo afinal solto por falta de provas. Nesse episódio apareceu o jovem advogado Brigham Young, que seria, depois de Smith, o grande líder mórmon a dar continuidade e desenvolvimento á comunidade. Foi sob a liderança de Brigham Young que os mórmons se mudaram para Illinóis e fundaram a comunidade de Nauvoo. A partir de Nauvoo a comunidade mórmon começou a crescer e a se disseminar por todo o contimente americano e inclusive europeu. Nesse ínterím, o próprio Smith estava tão envolvido com política que chegou a candidatar-se ao governo dos Estados Unidos da América, mas não foi eleito.
Mais tarde, dissidências entre o staff de Joseph Smith e vários de seus líderes provocaram uma fissura no movimento, motivando a fundação de uma seita dissidente. Smith foi acusado de fraude bancária, sendo processado e preso em uma cadeia na cidade de Cartago, Illinóis, junto com Hyrum Smith, seu irmão mais velho. Foi nessa cadeia que um grupo de desafetos de Smith o assassinaram, junto com seu irmão Hyrum, após um violento tiroteio. Morria assim, o profeta aventureiro Joseph Smith, idealizador da Igreja dos Santos dos Últimos Dias. 
                                                     
Brigham Young
 
Após a morte de Smith as coisas ficaram difíceis para os mórmons em Missouri e Ilinóis. Em face de uma ordem de extermínio contra eles expedida pelas autoridades desses estados,  Brigham Young, que assumira a liderança do movimento, levou seus seguidores para o oeste do país, estabelecendo-se na região de Salt Lake, o chamado Vale do Lago Salgado. Ali eles criaram o Território de Utah, onde finalmente esperavam encontrar a paz. Nessa comunidade, pela primeira vez, foi instituída a polêmica prática da poligamia entre os mórmons, que tanta causa deu para debate. Essa prática, segundo Brigham Young, teria sido necessária naquele momento face á existência de um grande número de órfãos e viúvas no seio do movimento, decorrente das continuadas lutas que eles haviam enfrentado e das próprias consequências da Guerra Civil americana, que matou uma grande parte da população masculina do país. Essa prática seria abandonada por volta de 1890.
Mas a hegemonia mórmon no recente fundado estado de Utah degenerou em muitos conflitos. O famoso Massacre do Monte Meadows é um episódio bastante triste dessa guerra que se travou entre o estado mórmon de Utah e os inimigos da congregação, que veio a envolver o próprio exército dos Estados Unidos. [1]
 
A influência da Maçonaria
 
Tanto Joseph Smith quanto Brigham Young eram maçons. Como o próprio Smith revela em seu diário, ele foi iniciado em 15/03/1842, na Loja de Nauvoo e “chegou ao grau sublime” menos de dois meses depois, em 04/04/1842. O que era esse “grau sublime”, ele não diz, mas supõe-se que seja o grau de Mestre maçom.
A influência maçônica no movimento mórmon e na própria vida de Joseph Smith já foi apontada por um número grande de historiadores. Um desses historiadores é o erudito John L. Brooke, que em seu livro Refiner's Fire: The Making of Mormon Cosmology, 1644-1844, notou que a história da descoberta das placas de ouro e a estrutura da narrativa do Livro do Mórmon guardam muita analogia com as lendas maçônicas dos graus superiores, especialmente a Lenda das Colunas de Bronze, um dos mais significativos simbolismos da Maçonaria do Arco Real, conectada com a Lenda de Enoque.  Nesse interessante mito maçônico, o patriarca Enoque, instruído por uma visão divina, desvela um dos mais significativos mistérios da Maçonaria através de duas placas, uma de ouro e outra de bronze, nas quais ele esculpe o sagrado nome de Deus (a Palavra Perdida) e as instruções para a construção do seu santuário, as quais seriam descobertas milênios depois pelos arquitetos do rei Salomão.
Brooke não tem dúvidas que toda a cosmogonia e a estrutura simbólica que Smith montou para a sua Igreja tenham vindo dessa fonte maçônica. Provavelmente Smith, ainda não um maçom na época, as tenha recebido de indivíduos já iniciados na Maçonaria, como Oliver Cowdery, David Whitmer e Martin Harris, as três testemunhas que “viram” as placas e corroboraram a visão de Smith. Estes, segundo um residente de Palmyra, cidade onde Smith viveu, testemunhou, no processo que foi movido contra o fundador da Igreja Mórmon, que Oliver Cowdery “não visitava nenhuma igreja e era um maçom.” .E um comentário feito por uma parente de Smith, chamada Lucy Mack, em um manuscrito escrito nos anos de 1840, diz que toda a obra de Joseph Smith sugere uma familiaridade com manuais maçônicos. 
Além disso, a maioria dos primeiros líderes da Igreja Mórmon eram maçons, tais como os irmãos de Joseph, Hyrum e os companheiros Heber C. Kimball, Elijah Fordham, Newel K. Whitney, James Adams, e John C. Bennett.  Com o consentimento do profeta, esses membros da igreja, já iniciados maçons, pediram ao Grande Mestre de Illinois permissão para fundar uma loja maçônica em Nauvoo, na qual o néofito Joseph Smith foi iniciado. Segundo o próprio Smith, o seu pai também era maçom, tendo sido iniciado na Loja 23 de Ontário, em Canandaígua, Nova York. Seu irmão mais velho Hyrum Smith também era iniciado da Loja nº 112 de Moriah (Palmyra - NY). Assim, revelam-se as influências que deram ao profeta Smith as bases para a fundação da sua Igreja e que estão assentes no Livro de Mórmon.[2] 
As influências maçônicas no culto da Igreja dos Santos dos Últimos Dias aparecem no desenvolvimento das cerimônias praticadas nos templos mórmons. Essa influência foi demonstrada pelo historiador Dr. Reed Durham, historiador mórmon. Ele mostra um grande número de paralelismos entre a maçonaria e o mormonismo, especialmente no desenvolvimento do ritual de iniciação e na própria filosofia de conduta, onde o mórmon e o maçom devem, antes de tudo, desenvolver uma conduta pessoal ilibada e comprometida com a felicidade geral da humanidade.
Práticas alicerçadas na procura da perfeição espiritual e na conduta moral sem mácula, dirigida á construção de uma sociedade mais harmônica e feliz, Maçonaria e Mormonismo caminham em paralelo, buscando instrumentalizar essa filosofia. Abstraídas as questões internas, as adversidades e as próprias vicissitudes que atingem, cedo ou tarde, todos os movimentos, e as naturais ramificações que o pensamento original sempre sofre no decorrer do seu desenvolvimento, pode-se dizer que Mormonismo e Maçonaria são movimentos que guardam notórias semelhanças. Por isso é que hoje, a Igreja dos Santos dos Últimos Dias, refinada em sua doutrina, expurgada de todos os elementos de messianismo mistificador e intolerância elitista, se constitui em um dos mais fortes movimentos religiosos dos nossos dias, da mesma forma que a Maçonaria continua, ainda hoje, a ser considerada como um dos mais importantes movimentos intelectuais que já surgiram na humanidade.  
Aos maçons que realmente desejam conhecer a Arte Real, ler e pesquisar sobre esse interessante movimento, que é o Mormonismo ─ fruto da mesma árvore que gerou a Maçonaria ─ pode ser uma produtiva experiência intelectual. Aos mórmons, nossos Irmãos em filosofia, o nosso respeito.
 
 
[1] Em 11 de setembro de 1857, supostos membros da Igreja Mórmon, ajudados por aliados indígenas americanos, massacraram um contingente de 120 emigrantes que viajavam em carroças para a Califórnia. Desse massacre apenas 17 crianças escaparam. Esse incidente ocorreu em um vale montanhoso chamado Mountain Meadows, cerca de 35 milhas a sudeste de Cedar City. As vítimas, a maioria do Arkansas, estavam a caminho da Califórnia, mas na passagem por Utah acabaram se envolvendo nos conflitos que estavam acontecendo na região e acabaram como vítimas inocentes de uma guerra estúpida e intolerante.
[2] Evidences and Reconciliations,  1 volume, pp. 357-358.