A POÉTICA DE ARISTÓTELES E A CRÍTICA (ESTÉTICA DA RECEPÇÃO) NO CONCEITO DE LITERATURA

A definição de literatura remete uma diversidade de conceitos complexos e muitas vezes ambíguos. O termo pode atribuir significações diversas e simplificadamente, pode-se dizer que a literatura pertence ao campo das artes (arte verbal), que seu meio de expressão é a palavra e que a sua definição está comummente ligada à ideia de estética ou valor estético.

Partindo para a etimologia da palavra, o termo deriva do latim litteratura, a partir de littera, letra. Percebe-se, portanto, que o conceito de literatura parece estar implicitamente associado à palavra escrita ou impressa, à arte de escrever, à erudição.

De acordo com o Afrânio Coutinho (1978) em suas “Notas de Teoria Literária”, a literatura, como toda arte, é uma transfiguração do real, é a realidade recriada, através do espírito do artista e retransmitida através da língua para as formas, que são os gêneros, e com os quais ela toma corpo e nova realidade. (...) O artista literário cria ou recria um mundo de verdades que não são medidas pelos mesmos padrões das verdades ocorridas. (...) São as verdades humanas gerais, que traduzem antes um sentimento de experiência, uma compreensão e um julgamento das coisas humanas, um sentido de vida, e que fornecem um retrato vivo e insinuante da vida. A literatura é, assim, vida, parte da vida, não se admitindo possa haver conflito entre uma e outra. Através das obras literárias, tomamos contato com a vida, nas suas verdades eternas, comuns a todos os homens e lugares, porque são verdades da mesma condição humana.

Antoine Compagnon nos lembra de que a literatura existe em relação à época em que foi produzida e também ao país em que apareceu.

“As definições de literatura, segundo sua função, parecem relativamente estáveis, quer essa função seja compreendida como individual ou social, privada ou publica. Aristóteles falava de katharsis (catarse), ou de purgação, ou de purificação de emoções como temor e a piedade. É uma noção difícil de determinar, mas diz respeito a uma experiência especial das paixões ligada à arte poética. Aristóteles, além disso, colocava o prazer de aprender na origem da arte poética: instruir e agradar, ou ainda instruir agradando, serão as duas finalidades, ou a dupla finalidade, que também Horácio reconhecerá na poesia, qualificada de dulce et utile.” (COMPAGNON, 2003, p. 35)

Deve-se concordar que, quanto à função, as definições de literatura são mesmo bastante estáveis. Quando se pensa em para que serve a literatura, ainda recupera-se as ideias de Aristóteles e elas são essenciais para compreender o fenômeno da arte da palavra.

Quando se fala de literatura como arte (verbal) é inevitavelmente falar de imitação. De fato, descrever a literatura como arte é considerá-la uma forma de imitação, uma forma de reprodução e recriação através da palavra. Na Poética, o filósofo grego Aristóteles qualifica como “modos de imitação” (mimesis) a poesia, a tragédia, a comédia, a lírica. E justifica que “imitar é natural ao homem desde a infância – e nisso difere dos outros animais, em ser o mais capaz de imitar e adquirir os primeiros conhecimentos por meio da imitação – e todos têm o prazer em imitar.”(ARISTÓTELES, 2005, p. 21-22). Ou seja, imitar é congênito no homem e faz parte da natureza humana e os homens sentem prazer nisso. A arte literária é mimesis, é a arte que imita pela palavra. Isso quer dizer que a literatura imita a vida; a vida está continuamente a ser reinterpretada.

Com esse pressuposto de que literatura como imitação da vida, os autores Marlies K. Danziger e Stacy W. Johnson no livro intitulado Introdução ao Estudo Critico da Literatura afirmam que:

“Se tentarmos avaliar esta interpretação da literatura, teremos de reconhecer que ela toca em, pelo menos, dois importantes pontos. Considerada em seu valor aparente, sugere que a literatura imita ou reflete a vida; por outras palavras, a temática literatura consiste nas múltiplas experiências dos seres humanos, em suas vivências. (...) O segundo ponto importante sugerido pela teoria da imitação é que a vida está sendo imitada no sentido de ser reinterpretada e recriada.” (DANZIGER e JOHNSON, 1974, p. 18).

Tzvetan Todorov afirma que “genericamente, a arte é uma imitação diferente segundo o material que utiliza; e a literatura é imitação pela linguagem, tal como a pintura é imitação pela imagem, (...) a literatura é uma ficção: eis a sua primeira definição estrutural.” (TODOROV, 1978, p. 15-16).

Aristóteles considera a ideia de que arte consiste na imitação (mimesis) e o prazer do leitor e do espectador está em reconhecer como o artista consegue representar bem até mesmo o feio, o repugnante, o horrível. Conforme Costa, Apud, Soares (1989, p. 21) “a ênfase na diferença entre o mundo empírico e a realidade da arte leva o filósofo Aristóteles a valorizar o trabalho poético e a se voltar para o estudo de seus modos de constituição, a fim de detectar diferentes modalidades ou gêneros da poesia”.

Aristóteles firmou a diferença entre os gêneros baseados nos meios com que imitam, nos objetos que imitam e na maneira com a qual imitam a realidade. “Diferem entre si em três pontos: imitam ou por meios diferentes, ou objetos diferentes, ou de maneira diferente e não a mesma.” (ARISTÓTELES, 2005, p. 19). Em relação aos meios, aponta o ritmo, o metro e o canto, empregados separada ou conjuntamente. O teatro pode contê-los, mas não a epopeia ou a narrativa. Nesta, predomina o metro e o ritmo. Em relação ao objeto imitado, a comédia e a tragédia propõem “esta os quer imitar inferiores e aquela superiores aos da atualidade.” (ARISTÓTELES, 2005, p. 21). Para o filósofo, a comédia se preocupa em representar os vícios, e a tragédia, as virtudes.

Para os gregos antigos, a literatura é um uso especial da linguagem com o objetivo de criar uma imitação da realidade. Ou seja, é preciso que uma determinada língua seja o suporte para a composição da obra que será considerada literatura. Esse uso especial da linguagem é direcionado para a criação, ou seja, a literatura não é como a história, que tem pretensão de registrar a verdade dos fatos: a literatura cria ficção, pois não está interessada no registro da verdade imediata. Assim ARISTÓTELES (2005, p. 28) afirma “por isso, a Poesia encerra mais filosofia e elevação que a História; aquela anuncia verdades gerais; esta relata fatos particulares”. O poeta não está amarrado à verdade, nada o obriga. A poesia está acima da história.

Essa criação se dá na medida em que imita a realidade (mimesis), estabelecendo a literatura como referência a imitação da realidade, e isso quer dizer que, mesmo sendo criação, a literatura precisa se referenciar na realidade, imitando-a.

Na literatura, o homem, por meio da palavra e de sua capacidade criadora, recorta parte da realidade, cria o texto por meio do qual se manifesta o seu discurso que está presente na obra de arte. A literatura é a arte da palavra, ou melhor dizendo, a palavra é matéria-prima da literatura. Na literatura, a obra, por meio da palavra, traz um olhar do belo. Assim os diversos textos passam a ter várias atribuições no seio da vida social. São vistos como ficcionais, despertam emoções, suscitam o prazer e constituem, geralmente, não imitações da vida, mas metáfora da vida, que conduzem a uma melhor compreensão desta.

A tarefa prazerosa de um leitor não pode sustentar-se no simples reconhecimento da história lida ou contada, mas deve expandir-se e encontrar-se na apreensão da complexidade e sedução de leitura, que aguarda o leitor como um observador capaz de dividir com o autor um nível profundo de comunicação intelectual, filosófica e emocional, em que a cada página se constitua num espetáculo de descobertas e emoções.

Na Estética da Recepção de Hans Robert Jauss, a literatura só acontece quando o leitor a recebe. O leitor é a peça chave do fenômeno literário, tornando a obra sempre atual quando lida. É como se houvesse um diálogo entre da obra com o leitor, daí o leitor passa a ser a figura central no texto literário. Há uma relação do leitor com a obra, superando assim seus horizontes de expectativas, fazendo com que o leitor reconstrua suas expectativas. Acontece então o diálogo entre diacronia e sincronia, com isso a obra literária supera épocas, e se torna cada vez mais atual. Para Zilberman (1989), “a possibilidade de a obra se atualizar como resultado de leitura é o sintoma de que está viva; porém, como as leituras diferem a cada época, a obra mostra-se mutável, contrária a sua fixação numa essência sempre igual e alheia ao tempo”.

O prazer da leitura somente se efetivará quando for experiência estética, ou seja, levar o leitor a tomar certa atitude sobre a obra. De acordo com Jauss, na experiência estética é desenvolvida a hierarquia da natureza estética em três atividades importantes, complementares e simultâneas sendo: poíeses (momento de produção, criação); aisthesis (momento de recepção – a obra causa um efeito no leitor); katharsis (comunicação, purificação pessoal – causa-lhe um sentimento diante da obra).

Segundo Jauss, a estética da recepção fundamenta-se teoricamente no relativismo histórico e cultural. Ele reflete sobre o obstáculo entre a história e a estética e apresenta uma história da arte e da literatura baseada no princípio de que as análises literárias deveriam centralizar-se no que designou de “terceiro estado”, o leitor, deixando para segundo plano o texto e o autor.

Em suma, conforme Jauss, a recepção consiste em uma relação dialógica entre o autor, a obra e o leitor. A obra se funde com o horizonte de expectativas, cujo conhecimento que já domina é evocado pela leitura, a qual irá proporcionar novos horizontes através da compreensão que o leitor vai ter, ampliando seus conhecimentos. Desta forma, a literatura participa da construção do individuo enquanto membro da sociedade, completando a combinação recepção - efeito.

REFERÊNCIAS:

ARISTÓTELES. A Poética Clássica. Tradução de Jaime Bruna. 12 ed. São Paulo: Cultrix, 2005.

COMPAGNON, Antoine. __________________ 2003.

COSTA, Marta Morais da. Teoria da Literatura II. Curitiba: IESDE Brasil S.A., 2008.

COUTINHO, Afrânio. Notas de Teoria Literária. Editora Vozes, 2008.

DANZIGER, Marlies K.; JOHNSON W. Stacy. Introdução ao Estudo Critico da Literatura. São Paulo: Cultrix.1974.

JAUSS, Hans Robert. A história da Literatura como provocação à teoria literária. Tradução de Sérgio Tellaroli. São Paulo: Ativa, 1994.

TODOROV, Tzvetan. Os Gêneros do Discurso. Lisboa. 1978.

ZILBERMAN, Regina. Estética da Recepção e História da Literatura. São Paulo: Ática, 1989.

Daniel Freitas Galvão
Enviado por Daniel Freitas Galvão em 03/03/2015
Código do texto: T5156479
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