Periferia é Periferia, em qualquer lugar...

Durante a última semana, tomei um tiro na cabeça e recebi um “óbito moral” porque fracassei... Ao som da música “Periferia é Periferia” de Racionais Mc’s recebo uma mensagem que condiz com a realidade que me circunda: “Esse lugar é um pesadelo periférico/ Fica no pico numérico de população/ De dia a pivetada a caminho da escola/ A noite vão dormir enquanto os manos "decola"/ Na farinha... hã! Na pedra... hã! / Usando droga de monte, que merda, hã!/ Eu sinto pena da família desses cara / Eu sinto pena, ele quer mais, ele não para/ Um exemplo muito ruim pros moleque/ Pra começar é rapidinho e não tem breque/ Herdeiro de mais alguma Dona Maria / Cuidado senhora, tome as rédias da sua cria [...]” Recordando o período de minha juventude percebo que apenas eu e mais um amigo ingressamos na universidade e muitos amigos não tiveram essa oportunidade seja por suas condições socioeconômicas ou simplesmente, por optarem cursar a “escola do crime”. Desses amigos visualizei três destinos: cadeia, funeral ou dependência química. O mundo criminal cobra caro de seus súditos! Nas periferias ocorrem tudo aquilo que as pessoas não querem ver e que culminam na combinação entre criminalidade e violência, a exemplo do genocídio da juventude negra nas favelas do nosso país. No meu bairro, em minha infância só se via dunas de areias e algumas casas dispersas entre ruas tortuosas que serpenteavam as sangas e arroios enquanto uma disputa fundiária se acirrava e destruíam as moradias num lugar onde não havia iluminação pública e nenhum tipo assistência à população. Ao redor entre os barracos, as carroças e botecos, o tráfico de drogas era uma prática comum. Certa vez, um camarada que se recuperou da dependência química me confessou que só conhecia meu bairro à noite, principalmente durante a madrugada e que não tinha boas lembranças daquele tempo sombrio em sua vida. Conversando expus que a “minha quebrada” era um bom lugar para se morar e que tínhamos posto de saúde e uma escola de qualidade e éramos em maioria trabalhadores e trabalhadoras. O que não mencionei é que uma parcela da juventude ainda considera atraente viver na criminalidade, sem levar em consideração os danos irreversíveis para suas famílias e para seu próprio destino. Como educador da modalidade EJA (Educação de Jovens e Adultos) já presenciei duas mortes de jovens por envolvimento com o narcotráfico e fiquei muito comovido com as “tragédias anunciadas”. Me senti fracassado e triste, primeiro como um morador da periferia e segundo como professor que teve contato direto com essas vítimas e que tentava persuadi-los pelo diálogo. Certa vez escutei de um deles quando o interpelava em relação aos estudos: “- Bah Sor, minha caminhada é outra.” Depois disso este aluno não compareceu mais na escola e só via ele pela rua passando de bicicleta, fazendo uma “correria” de um lado para o outro. Neste embate ideológico, sai derrotado quando vi uma mancha de sangue na calçada e soube que era meu jovem aluno que tinha tomado um tiro na cabeça com apenas 19 anos de idade... Que esse episódio sirva de lição para os que vêm depois. Perdemos a batalha, mas não perdemos a guerra. Enxugamos as lágrimas, erguemos a cabeça e vislumbremos um horizonte promissor em uma sociedade mais pacífica, justa e igualitária!

Publicado no Jornal Litoral Norte RS

Leonardo Gedeon
Enviado por Leonardo Gedeon em 23/03/2015
Código do texto: T5180316
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