JOSÉ SARAMAGO: UM ESCRITOR ALEGÓRICO

Na literatura, a alegoria é uma estratégia que apresenta uma ideia, princípio ou significado através de uma metáfora extensa. Nem todo o uso de metáforas constitui uma alegoria, no entanto — para uma metáfora extensa ser uma alegoria, deve ser possível identificar uma situação da vida real ou um grande fenômeno representado pela obra literária. Em se tratando do campo das produções ficcionais escritas, podemos identificar uma recorrente presença da questão alegórica em diferentes autores e épocas, como por exemplo, algumas obras de José Saramago.

O presente ensaio visa analisar (não de forma aprofundada) a obra “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, do escritor português José Saramago, tendo como base o texto do autor José Rodrigues de Paiva em “POESIA E PROSA DE FICÇÃO EM PORTUGAL - DO MODERNISMO À CONTEMPORANDEIDADE – (BREVÍSSIMO PANORAMA)” e ainda mostrar como o autor José Saramago consegue ser “alegórico”, assim definido por Paiva.

Escritor, dramaturgo, jornalista, contista, romancista e poeta português, José Saramago é conhecido, entre outras coisas, por ser polêmico. O ganhador do Prêmio Nobel de Literatura (1998) recebe inúmeras críticas por suas colocações, assim como por temas abordados em algumas obras como, por exemplo, O evangelho segundo Jesus Cristo.

O autor José Rodrigues Paiva o define como

um bom exemplo de escritor capaz de representar várias gerações, diferentes épocas e tendências da literatura, sendo moderno e percursor de vanguarda, sendo contemporâneo e plenamente moderno, graças à sua longevidade e graças ao seu poder de renovar atualizando e reatualizando-se o seu romance (PAIVA, 2004, p. 187)

E é justamente o que acontece no seu Evangelho Segundo JC, um livro publicado em 1991, na qual gerou muitas polêmicas, principalmente por parte do Vaticano e do governo português. Por ter sido proibido de concorrer a um prêmio com essa obra, Saramago mudou-se de Portugal e passou a viver na Espanha. Neste romance, o narrador buscará mostrar que Jesus foi um homem comum, com medos, desejos, e principalmente culpa, um conceito extremamente caro aos católicos. O nascimento de Jesus é assim descrito: “O filho de José e de Maria nasceu como todos os filhos dos homens, sujo de sangue de sua mãe, viscoso das suas mucosidades e sofrendo em silêncio. Chorou porque o fizeram chorar, e chorará por esse mesmo e único motivo.” (SARAMAGO, 2005, p.65).

Vale lembrar que a obra é um romance e não um evangelho. “Um evangelho que nunca existiu em Bíblia alguma” (PAIVA, 2004, p. 187). A narrativa flui com simplicidade que só os clássicos conseguem fazer fácil e com a capacidade também de nos fazer sentir dentro de todo o cenário cultural e social que envolvia a vida de Jesus Cristo, bem como suas dificuldades, seus anseios e suas dores. A riqueza dos detalhes com que Saramago consegue “mostrar” os cenários, os comportamentos, os personagens e toda atmosfera da época, pode fazer o leitor sentir, por exemplo, os pregos rasgando as mãos e os calcanhares durante as crucificações.

Segundo Paiva (2004), não houve em Portugal movimentos definidos por estéticas de artistas literários, depois do Surrealismo e da Poesia-61. Os escritores, a partir da década de 70, buscam, sozinhos, por uma renovação da poesia ou da ficção portuguesa. Período esse caracterizado por “tendências contemporâneas da literatura”. Essas tendências, conforme PAIVA (2004, p. 186) caracterizam-se por

um sentido de pesquisa, sobretudo nos domínios da linguagem, dos temas, de novas estruturas que buscam renovar aspectos formais, da representação do mundo (sobretudo no romance), da desconstrução de uma herança tradicional que alguns teóricos mais recentes associam à ideia de pós-modernismo.”

Em relação ao ESJC, temos essa “desconstrução de uma herança tradicional” na medida em que Saramago reescreve a vida de Cristo de uma nova forma totalmente contrária no que vemos nos evangelhos canônicos. Outra inovação na obra do autor é a linguagem. A oralidade é muito mais importante na obra de Saramago do que a gramática correta. O escritor pontua os seus textos de maneira muito pessoal, fugindo do convencional. Os travessões também não estão nos seus escritos, então ao diálogos dos personagens ficam dentro dos parágrafos, que são bem longos. Com isso, nem sempre é fácil distinguir o que seria um pensamento do que é diálogo. Muitas das suas frases ocupam mais de uma página, usando vírgulas onde a maioria dos escritores usariam pontos finais. Estas características tornam o estilo de Saramago único na literatura contemporânea.

Assim, podemos definir José Saramago como um escritor alegórico. Para uma obra ser alegórica, os personagens, cenário, enredo — em resumo, tudo que faz um romance um romance — deve ter equivalentes diretos com fenômenos reais, eventos ou situações históricas. E é o que Saramago faz, reconta uma situação histórica (a vida de Jesus Cristo) fazendo uma referência aos evangelhos bíblicos e provocando a visão histórica oficial.

REFERÊNCIAS

THOMAZ, Luiza. Estilos de escrita alegórica. Disponível em: http://www.ehow.com.br/estilos-escrita-alegorica-info_244564/. Acesso em 21 de abril de 2015.

SARAMAGO, J. O evangelho segundo Jesus Cristo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

PAIVA, José Rodrigues. POESIA E PROSA DE FICÇÃO EM PORTUGAL - DO MODERNISMO À CONTEMPORANDEIDADE – (BREVÍSSIMO PANORAMA). Revista da Associação de Estudos Portugueses Jordão Emerciano. Recife: Universidade Federal de Pernambuco. Nº 07, 2004.

Daniel Freitas Galvão
Enviado por Daniel Freitas Galvão em 25/04/2015
Código do texto: T5220018
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