A LEITURA NUMA VISÃO HISTÓRICO-CIENTÍFICA ( Algumas considerações)

Por muito tempo, a leitura foi tomada como um mero ato de decodificação, ou seja, um simples ato de decifração e agrupamento de letras que formam palavras e de palavras que formam frases, porém, os estudos atuais nos fazem perceber que o ato de ler é bem mais que decodificar símbolos.

Ler, é, portanto, um ato interativo que envolve desde as condições de produção de um texto (locutor, interlocutor, tempo e lugar), até as impressões pessoais e situacionais do contexto que originou a produção, isto é, o contexto no sentido do que é subjetivo histórica e socialmente ao indivíduo e que o faz ir além da superfície textual.

Nesse sentido, o indivíduo/leitor deve ser um agente ativo no ato de leitura, pois, como afirma Brandão e Micheletti (1997, p. 18):

Se um texto é marcado por sua incompletude e só se

completa no ato de leitura; se o leitor é aquele que

vai fazer “funcionar” o texto, na medida em que o

opera através da leitura, o ato de ler não pode se

caracterizar como atividade passiva. Ao contrário,

para essa concepção de leitura, o leitor é um

elemento ativo no processo.

Desta forma, compreende-se que o texto é produzido por alguém que, tendo em vista o interlocutor, desenvolve suas idéias em um determinado gênero, indicado pela situação contextual, para fazê-lo desempenhar a sua função sócio-comunicativa. Daí a importância do leitor, pois, enquanto ser interactante no processo de leitura, as impressões deste serão aplicadas àquela, fazendo com que exista uma relação entre os já citados condicionadores da produção textual.

Dentro desse processo de leitura, que envolve texto e leitor, Brandão e Micheletti (1997, p. 19) afirmam, a partir das palavras de Eco e ampliando com as colocações de Bakhtin que “o leitor se institui no texto em duas instâncias”, uma sendo no nível pragmático e a outra no nível lingüístico-semântico. A primeira faz uma abordagem da leitura de texto totalmente relacionada ao seu destinatário, oportunizando uma comunicação eficiente; a segunda instância aborda a leitura no interior da simbologia lingüística, onde as pistas gramaticais fornecem entendimentos para o leitor construir/reconstruir o universo indicado no texto.

No entanto, para que as lacunas deixadas pelo nível lingüístico-semântico sejam preenchidas é necessário que o leitor assuma uma posição crítica, passando a cooperar na construção de sentidos para o texto. Esta cooperação atuará sobre o texto com os conhecimentos prévios e/ou conhecimento de mundo que o leitor/interlocutor detêm, e, a partir das informações que o texto disponibilizou (as pistas).

Sendo assim, para que conheçamos um leitor crítico devemos observar o perfil que Brandão e Micheletti (1997, p. 21) apresentam:

não é apenas um decifrador de sinais, um

decodificador de palavra. A palavra, para ele, é

signo e não sinal (no sentido bakhtiniano). Busca- se uma compreensão do texto, dialogando com ele,

recriando sentidos implícitos nele, fazendo

inferências, estabelecendo relações e mobilizando

seus conhecimentos para dar coerência às

possibilidades significativas do texto;

é cooperativo, na medida em que deve ser capaz

de construir o universo textual a partir das

indicações que lhe são fornecidas;

é produzido, na medida em que, refazendo o

percurso do autor, trabalha o texto e se institui em

um co-enunciador;

é, enfim, sujeito do processo de ler, receptáculo

de informações.

Com este modelo de leitor crítico, a idéia de leitor, enquanto parte integrante da leitura de faz mais forte, pois o conceito de co-enunciador que é estabelecido coloca o leitor como participante de todo o processo de leitura, isto porque, ao tratar o interlocutor como co-enunciador estabelece à ele a condição de ajudante, ou seja, aquele que colabora, sendo aí o lugar do leitor enquanto cooperador, tendo em vista, que é o leitor que fará com que o texto assuma a sua postura funcional. Isso implica dizer que, enunciador produz o texto, mas este só se concretiza com a participação do leitor critico, ou melhor, do co-enunciador.

Sendo assim, devemos entender a leitura como um ato social, pois a mesma se constitui a partir de relações entre locutor, interlocutor e o próprio texto, desenvolvendo muito mais do que um simples aglomerado decifrável de palavras e frases, e sim um construto ideológico, em que o leitor, principal componente do ato da leitura, deve aguçar seus conhecimentos de mundo para conseguir perceber a ideologia que o texto pode veicular.