Óperas, guia para iniciantes - O ANEL dos NIBELUNGOS - Ópera "Siegfried" - Wagner - Ciclo completo, 4ª Parte.
 
Personagens

Siegfried – um dos protagonistas, filho de Siegmund e de Sieglinde. Interpretado por um Tenor.
Mime – irmão de Alberich. Interpretado por um Tenor.
O Errante – Wotan, disfarçado. Interpretado por um Baixo.
Alberich – o anão líder dos Nibelungos. Interpretado por um Baixo.
Fafner – o gigante sobrevivente, autotransformado em dragão. Interpretado por um Baixo.
Brunhilde – a mais importante das Valquírias e a preferida de Wotan. Interpretada por uma Soprano.
Erda – a deusa da Sabedoria ou a deusa da Terra. Progenitora das Valquírias. Interpretada por uma Mezzo Soprano.
Pássaro da floresta – interpretado por uma Soprano.
 
Enredo

O primeiro ato tem como cenário a reprodução da caverna onde vive Mime, que conseguiu sair do reino Nibelungo, embora continue sob a influência perversa de seu irmão Alberich.
Ao chegar àquela caverna, Mime encontrou na mesma uma mulher que agonizava logo após ter dado à luz um belo menino. Era Sieglinde que parira Siegfried.
Ciente da morte iminente, a pobre mulher implorou ao recém-chegado que cuidasse de seu filho e como ele reconheceu que ela provinha da importante estirpe dos Walsungs e que os fragmentos que ela segurava zelosamente eram da “Espada Sagrada”, aceitou a missão de cuidar do bebê, prevendo que no futuro a reconstrução daquela arma formidável poderia fazê-lo recuperar o “Anel dos Nibelungos” que estava em poder de Fafner, transformado em dragão.
E, realmente, ele criou o menino e com a sua habilidade de ferreiro tentou reconstituir a espada, mas sempre em vão.
O tempo transformou o garoto em um jovem vigoroso, independente e corajoso, porém, grosseiro e nem um pouco grato ao anão que lhe salvou a vida. Ao invés de tratá-lo com respeito e com amor, dedicava-lhe apenas palavras ásperas e inamistosas.
É certo que da parte de Mime também nunca existiu afeição, carinho, pois o seu interesse era apenas usar o poder que intuía no jovem, para recuperar a fortuna que fora tirada de seu irmão e, com ela, tomar-lhe o Poder e reinar sobre os demais Nibelungos.
Para tanto não poupava esforços nas tentativas de refazer a “Espada Mágica”, mas logo no primeiro teste a que a mesma era submetida por Siegfried, espatifava-se em vários pedaços. Fracassos, porém, que não esmoreciam o seu espírito ambicioso e ávido pelo poder, cujas malévolas intenções são magistralmente acentuadas pelos lúgubres acordes que a orquestra executa em várias passagens. São temas que remetem à “Espada de Siegmund”, ao “O Ouro do Reno”, à “Maldição de Alberich” e outros trechos musicais, num esplêndido painel de todo o grande ciclo: “O Anel dos Nibelungos”.
E, assim, encerra-se a primeira cena.
A segunda cena inicia-se com as lamentações de Mime acerca de sua má sorte. Pouco depois surge o jovem Siegfried. Como se disse, é um belo, altivo e simpático rapaz, embora de modos grosseiros, típicos de quem nunca conviveu com outras pessoas, à exceção do anão que o adotou.
Atado a si, ele introduz na caverna um enorme e feroz urso que capturara; e açulando o animal, diverte-se à larga ao ver o susto e o terror que se apossou de Mime. Contudo, logo se cansa da rude brincadeira e espanta a fera, passando em seguida a testar a Espada que Mime tentara novamente forjar. Após alguns golpes no ar, ele a vibra violentamente sobre uma rocha e pela enésima vez a arma se desintegra.
Enfurecido com o novo fracasso, ele acusa o anão de ser um incompetente, imprestável etc. e Mime, sabedor de sua fragilidade, nada retruca por temor. Ao contrário, mostra-se subserviente até o ponto de trazer a refeição preferida do jovem, apenas para acalmá-lo. Siegfried, todavia, não se mostra agradecido e continua a insultá-lo com virulência, enquanto devora o repasto trazido.
Ao interesseiro e hipócrita Mime, só resta mudar o foco de suas lamentações, dirigindo-as, agora, para a ingratidão que Siegfried demonstra.
Mas nem essas lamentações são capazes de comover a Siegfried, pois ele observa que os outros habitantes da floresta são similares aos seus pares; enquanto ele e Mime são completamente diferentes, vinda daí a sua certeza de que há alguma coisa errada no relacionamento dos dois.
Se ele houvesse sido devidamente educado pelo anão, compreenderia a questão da diferença entre as pessoas como algo normal, mas como o outro nunca o educou corretamente, essa dedução tornou-se imperativa em seu espírito selvagem. E por causa da mesma, ele não se cansa de indagar a Mime sobre a sua origem, até que, não suportando mais a pressão, o anão revela-lhe a sua verdadeira história. A partir de então, ele aumenta ainda mais a exigência de que a reforja da Espada aconteça efetivamente, pois ele anseia em cumprir o seu destino.
Em certo dia, após uma áspera discussão entre ambos, Siegfried sai e Mime recebe a visita de um homem estranho, vestido dos pés à cabeça com grossa capa escura, máscara e largo chapéu. É Wotan, que, disfarçado, percorre o mundo para sondar o crescimento de sua última esperança, o filho de Siegmund.
Ciente da vaidade intelectual do anão, o “Rei dos Deuses” propõe-lhe “uma disputa de saber”. Cada qual poderá fazer três perguntas e quem não souber a resposta correta será decapitado. Apesar da crueldade do jogo, o irmão de Alberich não consegue resistir ao desafio e o aceita.
Gentilmente, Wotan permite-lhe iniciar o jogo e Mime pergunta quem são os habitantes do subsolo, da superfície e dos céus? O “Rei dos Deuses”, sem vacilar, responde que são os Nibelungos, os Gigantes e os Deuses.
A pronta e segura resposta do adversário atemoriza o anão, mas, agora, ele só pode tentar responder acertadamente e, assim, conservar a cabeça sobre os ombros. Wotan, pergunta-lhe, então:

 
O nome de quem o “Rei dos Deuses” ama, embora os trate rudemente: os Walsungs, responde Mime corretamente.

Qual é o nome da espada que matará o dragão? Nottung (necessária) é a segunda resposta correta.

Quem a forjará definitivamente? Mime sente, aterrorizado, que a morte se aproxima, pois desconhece a resposta,

Mas Wotan ri zombeteiramente e sentencia: só poderá refazer tal arma o homem que desconhece o medo. Depois, ainda zombando do terror estampando na face de Mime, decide poupar-lhe a vida e deixa a caverna.
Logo em seguida Siegfried retorna e rispidamente exige que o anão lhe entregue a espada pronta, mas como ele nem a tocara, tenta desviar a atenção do jovem falando do terrível dragão que vive nas proximidades. Conta-lhe da ferocidade da besta, do sopro venenoso que ele expele etc.
Porém, ao invés de demonstrar qualquer receio, Siegfried mostra-se entusiasmado com a oportunidade de se bater contra adversário tão horrível e, assim, ele mesmo reúne os pedaços da espada e passa a trabalhar furiosamente em sua fundição, enquanto entoa uma ária leve e graciosa, que não demora em arrebatar à plateia.
Após um duro labor, Siegfried ergue triunfante a espada reconstruída e logo em seguida aplica um golpe violentíssimo com ela sobre uma bigorna, que se desmancha em mil pedaços. Melhor prova do poderio da arma não poderia haver. É certo, pois, que nada poderá opor-se a ela. Satisfeito com o resultado, o bravo sucessor Walsungs já se sabe apto para vencer a tudo e a todos.
É o fim do primeiro ato.

§§§

O cenário do segundo ato reproduz o local da floresta onde fica a caverna em Fafner, transformado em dragão, guarda o tesouro.
A escuridão da noite encobre toda a cena, mas ainda assim é possível perceber que um vulto vaga ao redor do covil da fera. É o anão Alberich que não se conforma com a perda de seu “Anel Mágico” e espera sorrateiramente por algum descuido de Fafner para tomar-lhe a joia que confere poderes ilimitados ao seu usuário.
De repente uma claridade vermelha anuncia a chegada de Wotan – ainda disfarçado – que logo entabula conversa com Alberich, contando-lhe que o seu irmão, Mime, está vindo para aquele local, junto com um jovem que será capaz de vencer o dragão. Para o invejoso e interesseiro líder dos Nibelungos aquela informação indica a possibilidade de que o Anel fique com Mime e não com ele e, por isso, implora que o Gigante lhe dê apenas o Anel e conserve o resto do tesouro para si. Porém, como seria de se esperar, é uma súplica sem qualquer resultado, pois a resposta é uma violenta negativa.
Wotan limita-se a rir do anão e ambos deixam a cena.
Na sequência, o aumento na iluminação do palco indica a chegada do dia. Em companhia de Mime, Siegfried segue resoluto para combater Fafner, sem dar atenção aos constantes avisos e pedidos de cautela que o anão lhe faz.
Por fim, vendo que as suas palavras sequer são ouvidas, Mime desiste e se afasta do jovem em busca de um lugar onde possa assistir ao combate entre os titãs, em perfeita segurança.
O herói Walsung continua o seu caminho e a beleza do dia e da paisagem fazem-no esquecer do restante. Inclusive do dragão a quem deve combater. Deitado sobre a relva, sem o menor temor, contempla admirado o espetáculo dos pássaros, das altas árvores, das formas singulares das nuvens etc.
É um trecho da Ópera que se torna marcante pelas belezas poética e melódica, já que a orquestra executa o célebre “Murmúrios da Floresta”, cujo esplendor o tornou um paradigma de excelência no universo operístico.
Então, um pássaro corta o ar e gorjeia lindamente. Siegfried tenta imitar o seu canto através de uma flauta improvisada, mas como a sua tentativa fracassa ele tenta novamente usando a sua trompa de caça, porém o efeito conseguido é totalmente diferente do que ele esperava, pois o som serviu apenas para despertar o dragão, que de imediato pressente que o tesouro que guarda corre perigo.
Irado, o monstro avança até a entrada de seu covil e expele fumaça tóxica e fogo pelas narinas, enquanto arreganha as terríveis presas. Era a oportunidade que Siegfried aguardava. Sem qualquer medo, ele avança resoluto e após um breve combate atinge a fera no coração com a sua poderosa Espada. O gigante agoniza, mas antes de exalar o último suspiro, avisa a Siegfried que a sua morte também já está planejada, pelo mesmo mandante da sua.
Por fim, tomba definitivamente. A maldição de Alberich sobre quem possuísse o Anel confirma-se novamente. E, também, confirma-se o heroísmo de Siegfried e o poder da “Espada Milagrosa”.
Após a morte de Fafner, o jovem percebe que o sangue da fera havia respingado em sua mão e num gesto automático leva-a a boca para limpá-la; notando, atônito, que após sugar o liquido, passou a ser capaz de compreender a língua dos pássaros.
E, ouvindo-os, fica sabendo que um “Elmo Mágico”, chamado “Tarnhelm” também está guardado na caverna e entra imediatamente no recinto para buscá-lo, deixando o restante do tesouro para trás.
Os irmãos, Alberich e Mime, não hesitam em disputar ferozmente o tesouro desprezado, mas quando percebem que o herói ainda se encontra nas proximidades cessam a disputa e se escondem em arbustos próximos.
Após alguns instantes, Mime procura Siegfried e lhe oferece uma bebida revigorante, mas os novos amigos do herói, os pássaros, avisam-lhe que, na verdade, a beberagem é um veneno poderoso. Irado, ele mata o anão e atira o seu corpo na entrada do covil da fera abatida.
É a morte de quem lhe criou, mas apenas com a intenção de se aproveitar de sua força e de seu poder e não como um gesto de amor e de solidariedade. Por isso, Siegfried não se arrepende de seu gesto homicida, tampouco se culpa ou se entristece.
Em verdade, sente, apenas, uma enorme exaustão e certa melancolia por se ver inteiramente solitário na vida.
Seu lamento, em forma de monólogo, expressa a tristeza que sente e a dúvida se haverá alguém que o ame ou que seja amado por ele?
Nisso, um pássaro condoído de sua amargura responde ao seu lamento com a notícia alvissareira de que algures, na floresta, uma linda jovem adormecida aguarda pelo homem que consiga despertá-la, para ser a sua esposa.
Feliz com a alegria que vê surgir no semblante do jovem, o pássaro diz que “uma gloriosa noiva o espera” e se dispõe a servir-lhe de guia. Exultante, Siegfried se põe a acompanhar o amigo alado, em direção ao rochedo onde repousa a bela Brunhilde.
É o fim do segundo ato.

 
§§§

O cenário do terceiro ato reproduz um local ressecado, árido, à base da rocha onde dorme a ex-Valquíria.
Num estreito desfiladeiro surge Wotan, ainda disfarçado e claramente preocupado, pois embora já saiba que Siegfried porta a “Espada Mágica”, capaz de vencer aos inimigos dos deuses, não tem certeza de que a maldição possa ser conjurada em definitivo. Preso a tal aflição, convoca Erda para que ela preveja o Futuro de Walhalla.
Anunciada por uma luz difusa, a “deusa da Sabedoria” se apresenta dando mostras de profundo abatimento. Ante as perguntas de Wotan, ela responde que já não pode fazer qualquer vaticínio porque os seus poderes estão desaparecendo e que só lhe resta voltar para o seu sono profundo. É mais um motivo para que o “Rei dos Deuses” sinta o coração mais apertado. Sabe que o fim está próximo.
Ao longe, escuta-se a trompa que anuncia a chegada do jovem herói Walsung. Em passos determinados ele segue a orientação do pássaro que lhe guia e logo avista a rocha cercada por chamas onde Brunhilde permanece inerte.
Breve alcança o desfiladeiro onde está Wotan e este o detém perguntando-lhe quem forjou a sua espada. O jovem responde ter sido ele mesmo e a resposta encoraja o “Rei dos Deuses” a fazer-lhe outras indagações, porém, Siegfried mostra-se agastado pelo retardo em sua caminhada e diz com certa rispidez que não tem tempo a perder com conversas inúteis.
Wotan, contudo, insiste e o jovem grita para que ele saia de seu caminho. Uma insolência que o deus não pode tolerar e, por isso, ele faz menção de apanhar a sua lança, enquanto diz a Siegfried que com a mesma, outrora, destruiu a espada que o jovem agora porta.
É, então, a vez de Siegfried enfurecer-se, já que ele acaba de descobrir que à sua frente está aquele que causou a morte de seu pai ao favorecer seu oponente em um duelo. Assim, com um golpe violentíssimo estraçalha a lança de Wotan, que, abismado, apenas assiste à terrível cena.
Nesse momento, uma série de artifícios teatrais é acionada e se reproduz uma tenebrosa tempestade de raios e trovões.  É o cenário adequado para retratar a queda do arrogante e, até então, invencível “Rei dos Deuses”, juntamente com as demais divindades. Em voz baixa, ele, então, limita-se a dizer para o filho de Siegmund: “segue o teu caminho, já não posso interromper-te”.
E assim encerra-se a primeira cena.
Enquanto o público se extasia com a magnífica participação da orquestra que executa novamente a esplêndida “Fogo Mágico”, o cenário para a segunda cena vai sendo montado. Trata-se do mesmo que já foi usado anteriormente e que reproduz o rochedo, cercado por chamas, onde repousa Brunhilde.
Sem outra interrupção, Siegfried chega ao local e sem dificuldade atravessa a parede de chamas que o separava da bela ex-Valquíria.
Em frente à rocha contempla embevecido “aquele guerreiro” que ali jaz, sem perceber que abaixo do escudo, das armas e do elmo com que Wotan cobriu a sua filha, está uma mulher belíssima.
É um engano que pode ser justificado pelas armas e pelas vestimentas de Brunhilde, mas, também, pelo fato de Siegfried nunca ter visto uma mulher até então, já que na mata, onde sempre morou, a sua única companhia humana era Mime.
Dessa sorte, com certa cautela, ele se aproxima, mas ao retirar o elmo da deusa perde qualquer temor e se deslumbra com a formosura da mesma. No mesmo instante sente-se fascinado e apaixonado pela Valquíria adormecida.
E o clima de romance é acentuado pela orquestra que nesse ponto toca o tema da união entre Siegmund e Sieglinde.
Pela primeira vez na vida uma emoção foi capaz de perturbar os seus sentidos e preencher a sua alma. Abaixa-se e delicadamente beija os lábios de Brunhilde que, então, começa a despertar lentamente.
Após acostumar-se à luz do Sol, a filha de Wotan ergue-se de seu leito rochoso e entoa a famosa ária “Heil, die Sonne”. Depois, voltando-se para o herói, saúda-o como o “bravo filho de Sieglinde”, por ela defendida contra a ira de Wotan.
É um momento especial na Ópera, já que o júbilo e a ternura encontram-se de modo singular. Porém, ao se recordar do pai e de sua fúria, Brunhilde lembra-se que já não é imortal e que, por isso, nenhum amor ser-lhe-á possível, haja vista estar fadado a terminar com a morte inexorável.
Assim, amargurada, ela pede que Siegfried a esqueça, mas, para ele, qualquer separação não tem sentido e ele demonstra que o seu amor e a sua devoção são tão sinceros que sempre valerão à pena, ainda que não sejam eternos.
Ante tal demonstração de carinho e de ternura, ela capitula e enlaçados em terno abraço, ambos entoam o maravilhoso dueto “Amor que ilumina, escarnecendo da morte”, que encerra a Ópera, o penúltimo elo do grande ciclo do Anel dos Nibelungos.


Rio de Janeiro, 01 de junho de 2015.


 Lettré, l´art et la Culture. Rio de Janeiro, outono de 2015.