Amor além da vida

Comentário sobre o filme

Amor além da vida

Robin Williams e Annabela Sciorra

Diretor: Alan C. Blon Quest.

Breve Resumo do Enredo

O filme conta a história de um casal que se conhece de forma descontraída, e que descobrem uma atração significativa, que os leva a se convencerem serem ambos almas gêmeas.

Casam-se, tem um casal de filhos e aparentemente vivem um grande amor.

A fatalidade assola-os quando, num acidente de carro, perdem os dois filhos. Ambos iniciam um processo de interiorização onde são levados a encarar suas sombras.

Annie, aparentemente mais frágil, não consegue reagir sozinha. Mergulha em depressão, e termina sendo internada em uma clinica para se recuperar. Tenta, sem sucesso, o suicídio.

Chris, aparentemente mais forte, oferece apoio à sua maneira.

Poe fim ela reage e sai da crise, e retomam a vida, aparentemente normal.Cada vez mais ela se dedica a arte e ele ao seu trabalho.

Numa noite, a fatalidade volta a cercar a vida de ambos, e, também num acidente de carro, Chris vem a falecer.

A historia deste ponto em diante é uma mescla dos caminhos opostos em que ambos prosseguem. Um vivo, outro morto. Cada qual lidando com sua sombra dentro do contexto em que se encontram.

Chris aos poucos descobre que faleceu. Vai descobrindo aos poucos aspectos de luz, e toda sorte de sensações e possibilidades que este oferece. E também vai aos poucos descobrindo as ilusões, os falsos conceitos que abrigava, alguns preconceitos arraigados que constituíam seu fundo emocional e interferiam em suas atitudes, escolhas e expectativas em relação a sua vida e de sua família.

Vai percebendo a situação de sua esposa, sua fragilidade, e se da conta da inevitável separação. Esta o tomando de assalto como a definitiva ruptura de um relacionamento que julgara ser eterno.

Fazendo jus ao traço que lhe foi marcante na vida, o da persistência, e de jamais desistir, ao descobrir que sua esposa finalmente havia falecido, e tomando conhecimento de que havia posto fim, ela própria em sua vida, condenando-se a escuridão eterna, a viver para sempre na consciência de sua fragilidade absoluta, reage com determinação e se dispõe a para encontrá-la.

Em meio a sua busca reencontra seus filhos e alguns amigos.É alertado de que não é possível encontrá-la e ir até onde ela está, pois caso o faça, poderá permanecer para sempre sem possibilidades de retornar.

Nada abala sua decisão de ir ao encontro de sua esposa. Afirmando sempre que ambos são almas gêmeas.Impede o filho de seguir ele próprio em busca da mãe, e assume para si tal tarefa.

Após uma jornada árdua e incerta, que o prova em sua vontade de prosseguir, finalmente encontra sua esposa.

Em companhia de um médico amigo que o acompanhou até ali, depara-se com o local onde ela se encontra e pela primeira vez percebe o estado de consciência em que se encontra sua esposa.

Vai até ela sozinho, despojado de qualquer defesa, apenas ele segue ao seu encontro e se coloca à sua frente.

O encontro é marcado por uma alegoria de um bom combate.Onde as emoções de ambos, antagônicas, até então não se reconheciam, perdendo-se nas projeções que ambos faziam um do outro.

Assim, o encontro se apresenta claramente como a aproximação do que jamais havia sido reconhecido como real. Numa primeira reação expressando repulsa e desconhecimento, e depois, quando já não se combate, não se reage ou resiste, há enfim o apaziguamento e, conseqüentemente o reconhecimento das verdadeiras identidades.

A mensagem parece ser da trajetória que o ser humano precisa percorrer, para que se integralize e possa encontrar um modo de iluminar razoavelmente o todo da essência do seu Eu.

UM APANHADO GERAL DOS PONTOS MAIS RELEVANTES DO FILME

Há símbolos que são apresentados no filme de forma sistemática, deixando passar um significado embutido neles, que complementam a idéia do autor do enredo.

Desde o inicio da história, ela esta sempre rodeada de vermelho e ele de azul.

A alegria é uma aparente constância no relacionamento de ambos, como uma exteriorização do interesse no outro, o foco de luz, como estando projetado no outro. E assim, era lá que residia a “felicidade” não sendo necessário mergulhar dentro de si, em locais mais sombrios e frios.

A idéia de que tudo estava em ordem e no devido lugar é posta a prova ao ocorrer o acidente em que seus filhos morrem. O jovem adolescente e a menina. Ocorre justo no dia em que ao ser solicitada a levar as crianças ao colégio, ela declina por conta de compromissos no trabalho. Este detalhe vem apontar ao processo de culpa que se manifestará em Annie, e ao alheamento por parte de Chris.

A despedida no velório nos mostra como a dor exerce um papel vital para a sobrevivência, pois o dilacerar de nossas entranhas, o estraçalhar de nossos sentimentos, nos obrigam a recoloca-los em ordem. Ou de forma renovada descobrir um modo de reordená-las, para que seja possível continuar. Aparentemente sem a dor, sucumbiríamos sem a menor chance, por que a dor é o movimento de tudo que esta dentro de nós na Luz e na Sombra, única possibilidade de uma integralização.

Há todo o processo de Annie para se recuperar e voltar a vida normal. Sua reação é de fragilidade, deixando que Chris represente o pilar seguro em que poderá se apoiar.

Na clinica em que está se recuperando a imagem do verde, da amplidão, da natureza contrapõe-se com o estado de ânimo de ambos, ainda desgastados e sem condições de irem mais adiante no processo de se conhecerem.

A tentativa de suicídio de Annie abala Chris, e deixa-a marcada, como se sua mente estivesse estacionada sem encontrar vitalidade para ir adiante no desembaraçar das emoções que haviam se cristalizado formando espécie de “nódulos” estáticos, em meio ao movimento da vida, da energia universal.

Quatro anos depois, um outro acidente leva seu companheiro e esteio. Parece-nos que o acidente representa o imprevisível da vida, a movimentação externa alheia aos nossos desejos e vontades, mas que interferem definitivamente em nossas vidas. O imprevisto, a falta de garantia, a clara manifestação de que o tempo é algo relativo e que é preciso ter uma certa noção de como aproveita-lo, por que é inexorável.

Neste ponto nos parece que a história nos fala das encruzilhadas onde os opostos, a eterna dualidade coloca à prova o

Ser humano, dele exigindo aptidão para que possa optar pela estrada em que caminhará paralela aos dois caminhos apresentados, num claro aceno para a integralização do ser.

Chris percorre o caminho da morte, o desligamento da identidade conhecida, social. Vai lidar com novas premissas, leis que conhecera como infalíveis são postas de lado, e sua mente racional, que sempre se baseara no conhecimento e ciência vai descobrindo infinitas outras possibilidades desvinculadas de toda sua lógica.

Experimenta também as formas mais sutis da ilusão. O novo significado das aparências, o sentido último do preconceito, da expectativa compulsiva no comportamento dos que o cercavam. Descobre, depois de experimentar as manobras destas crenças e valores fictícios, que o ser possui uma identidade própria independente do que manifesta, expressa ou aparenta.

Até que ao saber da morre da esposa e compreender onde ela ficaria e a impossibilidade dele ir ao seu encontro, mais uma vez a dor o impulsiona, o obriga a encarar um novo desafio que o leva à ação. Ainda há o que buscar.

Sua jornada é permeada de experiências que o induzem a lidar com suas emoções, sua sombra ainda não foi clareada e o acompanha em toda sua trajetória.

O encontro com os filhos e a forma atípica como se sucede, a presença dos amigos que o acompanham em momentos decisivos de descobertas, parece retratar a realidade de que o ser humano é eternamente movido a referencias de um modo ou de outro e que delas precisa para que se norteie em meio ao caos que em momentos da vida, ele se depara inevitavelmente.

Ao enfrentar o desafio de encontra-la percorre lugares em que as adversidades são expostas como algo repulsivo, a busca de si mesmo como aterradora, o encontro com sua sombra, um ato de desespero com enorme possibilidade de aniquila-lo. Mas se torna imperativo que prossiga e tão determinado esta que nem percebe que o move um velho paradigma, o da determinação, o de jamais desistir. Essa determinação aparece, neste momento, como insistência obstinada, como se fosse uma proteção para o não questionamento, uma vez que ela por si se sustentava.

Sua chegada ao local é significativa. Todo o cenário, ele reconhece como o mesmo, a casa dos sonhos deles, porém em total decadência. A percepção de que se vive na consciência, começa a penetrar a mente de Chris, e toda a ansiedade que ate então se percebia nele, começa a arrefecer aos poucos. Uma sugestão de que as armas estão sendo baixadas e há uma certa preparação para um novo movimento. A consciência de que é preciso enfrentar algo e a determinação mais uma vez o coloca em ação. A dor mais uma vez é incentivo que impulsiona e não permite ignorá-la

Em paralelo Annie caminha sua própria estrada. Enfrenta sua fragilidade contrapondo-se à sua energia.

Não mais havia em quem projetar sua sombra, nem em quem se escorar para que nada mudasse. Não mais poderia participar do jogo das emoções reprimidas, pois o cenário mudara, as pessoas se foram, e era preciso estar consigo mesma. Imperiosa sua presença, a constatação do que havia de real.

A pintura simboliza a ilusão, o jogo de emoções que fazia. Ao criar novos lugares, personagens sem rosto, ao rabiscar cenas com traços pretos, indica o processo de recusa em admitir a realidade, a falta de recursos próprios para enfrentar a cena como realmente era. O hábito de fugir, esquivar-se, poupando-se da dor.

Mas a dor parece ser necessária, como um movimento da própria consciência desejando expressar-se. E que busca promover a ação, e uma ação proativa.

A dor permanece, mas Annie sucumbe a ela sem reagir. Num ato de desesperança, simbolizando a apatia do ego que se mostra enfraquecido, tomado pela sombra.

Ao desistir da vida, condena-se a viver eternamente nesta consciência. Aqui um símbolo da situação caótica a que pode chegar a mente que é tomada pela sombra. Já sem condições de reagir sozinha, permanece estacionada num caos sem fim, e aqui a dor parece já não bastar como incentivo para a ação. A dor apenas consome e se faz presente corroendo aos poucos os parcos recursos que o ego ainda possa ter.

O encontro de ambos talvez seja o modo como o autor encontrou para simbolizar a possibilidade de se iluminar a sombra.

Ambos não se reconhecem. Ela não o reconhece como o marido, sua consciência estava cristalizada em sua dor, sua total desesperança, e o dilacerar de seu ego, não mais reconhecendo sua própria projeção.

Por sua vez Chris ainda não a via como realmente era. Reconhecia a fragilidade dela, que era a sombra da sua: percebia a dependência em que ela se encontrava, e não a reconhecia como sua projeção. Buscava salva-la, sem aperceber-se que era sua salvação o que buscava.

Quase sem perceber, assume perante o amigo que o acompanhou, que desistirá. Pela primeira vez, desistiu. E quando o amigo se dispõe a irem embora, ele esclarece que desiste de lutar para salva-la e que permanecerá ali mesmo com ela.

Claro esta que é o momento da aceitação, da constatação. Não mais lutar, teimar, persistir. Não mais buscar.

Neste confronto de ilusões, de crenças e valores, de polarizações opostas, que se complementam, há o momento do salto no escuro, nada mais há que se buscar.

Parece-nos que este momento do filme sugere a conciliação, a junção de fragmentos.

E após este momento ela o reconhece primeiro. Quando ele desistiu, deixando que se quebrasse a projeção talvez, mais aguda e que detivesse outras, talvez a que fosse o eixo a desencadear o comportamento de alienação.

O despertar de ambos no mundo da Luz sugere a idéia da religação da vida de ambos, indicando a continuidade da evolução ao fazer menção ou uma sugestão a um novo nascimento, uma nova vida.

Toda a história é permeada por símbolos e cores, numa tentativa de envolver quem acompanha o enredo, de tal sorte que possa ir percebendo e pressentindo os movimentos dos estados de espírito dos personagens.

É um filme que exige atenção aos detalhes e quanto mais vezes assistimos, mais teremos possibilidades de perceber pequenas particularidades que enriquecem a idéia de toda a trama. A sombra de cada personagem paira sutilmente entre estes símbolos, expressando-se de maneira peculiar.

AINDA ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

“Existe na natureza humana, um lado escuro inevitável, que se recusa a ser assimilado aos nossos mais elevados ideais de bondade, moralidade e comportamento humano ideal. A Sombra”.

Se tentarmos viver demais sob a Luz, uma quantidade equivalente de Trevas irá se acumulando dentro de nós ““.

Podemos perceber que os protagonistas desta história vão apresentando-se com suas sombras, protegendo-as sem que se apercebam disso.

Em relação a ambos e em relação aos filhos, cada qual projetando suas dificuldades e incapacidade de reagir de maneira mais efetiva, e assim possibilitando uma harmonização interior de todos os envolvidos.

Percebemos a insensatez de lutarmos, sem medida, por um modelo de bondade imposto, o qual jamais conseguiremos expressar. O que deveríamos fazer é tomar consciência dos limites e de nossas reais possibilidades, a partir do centro interior de cada um, que é o único elemento capaz de nos colocar em relativo equilíbrio.

Toda a história é marcada pela presença do dualismo, externando a natureza ambígua da humanidade.

Vamos percebendo na trajetória deste enredo que a Luz e as Trevas não estão sempre dissociadas, e às vezes mal podemos saber onde se encontra o bem e onde se encontra o mal.

O termo sombra, como conceito psicológico, refere-se ao lado obscuro, ameaçador e indesejado da nossa personalidade.

Nossa tendência, ao desenvolver uma personalidade consciente, é buscarmos incorporar uma imagem daquilo que gostaríamos de ser. No entanto, as qualidades que pertenceriam a essa personalidade consciente, não estão de acordo com a pessoa que desejamos ser, assim, são rejeitadas e vêem a constituir a Sombra.

Fica claro que é necessário tomar-se consciência da Sombra. “O confronto com a sombra é essencial para que haja o desenvolvimento do autoconhecimento”.

É freqüente pensarmos a sombra como sendo ativa, como sendo a personificação de nossa tendência de agir agressivamente, impulsivamente ou algo semelhante, mas a sombra também pode ser uma figura passiva enquanto personificação de uma fraqueza que nós quase nem percebemos.

Neste filme fica claro o jogo das sombras, os subterfúgios utilizados de forma inconsciente, suas conseqüências e por fim sua constatação.

Pelo fato da sombra ser um arquétipo, está constantemente reaparecendo ao longo da vida.

A maneira mais comum com que as pessoas tentam lidar com o problema da Sombra é simplesmente negar sua existência.

Isso ocorre porque o despertar da Sombra provoca culpa e tensão, e nos força a uma difícil tarefa espiritual e psicológica. Por outro lado, a negação da Sombra não resolve o problema, mas ao contrário, o deixa pior.

Por conseguinte, não só perdemos o contato com os aspectos positivos desse lado obscuro de nós mesmos, como também o projetamos em outras pessoas.

Ao compreendermos como uma parte da Sombra não assimilada pode ser projetada com tais efeitos prejudiciais, começamos a avaliar o problema da Sombra e sua gravidade e o quanto esse problema psicológico está estreitamente ligado ao mal.

A ambigüidade da condição humana é um problema com o qual nos defrontamos constantemente.

Tudo isso vamos observando no decorrer do filme e percebemos como a dor é um impulso natural que nos força a reconhecer a Sombra.

As conseqüências de se dar vazão ao lado sombrio são desastrosas. Mas no momento crucial, há a expressão do lado bom como contraponto ao lado mal.

Assim, “cair em si” é ver a Sombra, a realidade obscura que somos, e esse é o momento em que a libertação e a totalidade são possíveis.

No filme este momento é dramatizado na cena em que ele, ao encontra-la no inferno e não conseguir salva-la, como ele entedia que deveria, deixa de lutar, desiste e reconhece este inferno como realidade, não mais o combatendo, e assim deixando-se perder nele. Ela então reage, e termina por “salva-lo” bem como a si mesma.

Se apenas agirmos com cuidado e proteção na vida, nunca chegaremos, a saber, quem somos. A vida é para ser vivida em sua totalidade se quisermos nos tornar íntegros.

CONCLUSÃO:

O filme em questão nos proporcionou excelente material de reflexão a respeito do tema proposto pela mestra.

Observando o desenrolar da história fomos acompanhando os procedimentos comuns utilizados pelos seres humanos, provavelmente por uma incapacidade imediata de lidar com o lado obscuro de si mesmo.

Ao reconhecermos nossa Sombra pessoal, iniciamos o caminho para a consciência individual.

Apesar do sofrimento, é a porta estreita que conduz à Vida.

Ao lidar com nossos opostos e ao conceder direitos iguais à Sombra, finalmente estendemos nossa identidade a todos os aspectos da psique; deixamos de ser apenas a persona distorcida e empobrecida. Assim, a cisão entre a persona e a Sombra tem a possibilidade de ser “integrada”.

É o que nos apresenta o término da história. Não mais buscas, nem jogos e nem ilusões.

Há a sugestão da continuidade de um refazer, de uma oportunidade de se compor novamente algo, com as arestas aparadas e as cisões integradas.

Uma história que talvez, apenas talvez, possa ser uma alusão às aventuras que cada indivíduo enfrenta na busca de sua integralização.

Priscila de Loureiro Coelho
Enviado por Priscila de Loureiro Coelho em 27/02/2005
Código do texto: T5284