Torres: preservar é preciso (e urgente)

Recentemente, tive contato com uma publicação intitulada “Paisagens do Sul” com uma compilação de pareceres técnicos do arquiteto Carlos Fernando de Moura Delphim, especializado em paisagens culturais e jardins históricos. Esta obra foi uma iniciativa do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (IPHAE) e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) em que versa sobre os bens patrimoniais do Rio Grande do Sul. Entre os dezesseis pareceres apresentados, tratando sobre as edificações históricas, paisagens sulinas, a cultura imaterial, os sítios das missões jesuíticas, entre outros, ressalta aos meus olhos o parecer sobre o Tombamento de Torres/RS, sob o título O SÍTIO NATURAL DE TORRES.

Na introdução do seu texto, o autor traz uma importante informação: “Em 19 de maio de 1945, o Prefeito do Município de Torres dirigiu-se ao sr. Diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, dr. Rodrigo Mello Franco de Andrade, solicitando proteção legal aos monumentos naturais de Torres. O processo permaneceu anos sem qualquer avanço. Somente na década de 1990 foi-me solicitada visita ao sítio para emissão de parecer sobre o tombamento.” Em meados da década de 1940, Torres encontrava-se em estágio transitório de desenvolvimento urbano, mantendo aspectos tradicionais da sua cultura saboreando as “vivências e saberes” do pequeno povoado e sofrendo os impactos socioeconômicos da introdução do turismo balnear que começava a se configurar nos traços e contornos da cidade. Uma das principais características desse período é a expansão da rede hoteleira e a construção dos primeiros prédios. Na segunda quinzena de abril de 1949, o jornal O Torrense anuncia orgulhosamente em manchete de capa “Torres constróe o terceiro dos maiores edifícios da América do Sul”, parabenizando a suntuosa iniciativa da SAPT (Sociedade dos Amigos da Praia de Torres) que pretendia terminar a obra no final do mesmo ano. Atualmente, sofremos com ameaças irreversíveis à paisagem cultural quando as “torres de concreto” avançam aos céus como a bíblica Torre de Babel, suprimindo a grandeza e realeza das verdadeiras “Torres Naturais”, as históricas falésias conhecidas como o Morro do Farol, o Morro das Furnas, a Guarita e a Torre Sul. Pode-se comprovar com o exercício do olhar observando o Farol de Torres a partir do cume do Morro das Furnas. É entristecedor constatar os “espigões” acima do Morro do Farol escondendo a edificação do terceiro farol construído em 1952. Um panorama “poluído” por falta de bom senso e excesso de ganância no ímpeto egoísta de privatização da paisagem urbana e natural, que na verdade é um bem de todos, um direito da população. Poderíamos ter uma “outra” Torres, se o pedido de tombamento do sítio das Torres fosse atendido em 1945. Uma cidade que prioriza a harmonia entre seus aspectos originais e sua expansão privilegiando seus monumentos naturais, a cultura popular e o patrimônio histórico.

Na incessante luta para a efetiva preservação do Patrimônio Cultural brasileiro, a DEFENDER (Defesa Civil do Patrimônio Histórico) enviou um ofício em novembro de 2014 ao Executivo e ao Ministério Público solicitando a elaboração da Lei Municipal de Proteção aos Bens Culturais colocando-se parceira no processo. Após, sete meses de protocolo do oficio, o MP responde via email avisando sobre o arquivamento da solicitação advertindo que pela omissão do Executivo entendeu-se que já existe tutela sobre o patrimônio histórico local. Creio que se tivesse a efetiva tutela e proteção as edificações históricas não estariam sendo paulatinamente destruídas sob a “batuta” dos órgãos fiscalizadores e dos poderes públicos competentes. A repercussão desse caso pode ser acompanhada no site www.defender.org.br com o título MANIFESTO CIDADÃO publicado em 26 de maio do corrente ano. O parecer técnico do arquiteto Carlos Delphim deve ser levado com seriedade num período de Revisão do Plano Diretor e delimitação do Centro Histórico com a implementação do inventário e registro e elaboração do Plano Municipal de Cultura. Para o autor “no conceito de paisagem, interferem processos imateriais de valorização, atitudes, experiências e expectativas dos seus fruidores, sutilezas que escapam a outros setores que não o da Cultura.” A preservação das falésias e seu entorno é justificado quando afirma que “Torres são um monumento natural reconhecido por gaúchos, brasileiros e sul-americanos que visitam as praias. [...] As torres são a primeira manifestação da excepcional beleza do relevo de nosso litoral. [...] O portão sul desse frêmito telúrico está em Torres. Anuncia a grandeza que, a partir daí, irá convulsionar a feição morfológica da costa brasileira.”

Pensar a cidade pela perspectiva do Patrimônio Cultural fornece os elementos necessários para a valorização da cultura e identidade local nos seus mais diversos aspectos e interfaces, sendo uma delas o fomento do Turismo Cultural. A comunidade costeira que se desenvolve envolta pelas belezas naturais em meio às torres são os guardiões das imponentes falésias. Essa população de “torrenses” nasceu e cresceu no colo dessa exuberante e milenar paisagem percorrendo o tempo pelo fio condutor da História. Por ter ciência dessa responsabilidade podemos reiterar o parecer de Carlos Delphim: “Todos estes pontos de vista justificam meu parecer FAVORÁVEL ao tombamento de Torres e sua inscrição no Livro do Tombo Arqueológico, Paisagístico e Etnográfico do IPHAN.”

Publicado no Jornal A Folha e Jornal Litoral Norte RS.

Leonardo Gedeon
Enviado por Leonardo Gedeon em 30/07/2015
Código do texto: T5329258
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