SEMENTE CÓSMICA
                                                            
 
     Os livros sagrados de todas as religiões do mundo, sejam elas reveladas ou metafísicas, sustentam que o universo começou pela ação de uma divindade, que de alguma forma, deu início a todas as realidades do universo.[1]
A Bíblia, por exemplo, diz que Deus fez todas as coisas tirando a luz das trevas. E quando viu que a luz era boa, ele fez o restante do universo com ela. 
Todos os livros sagrados do mundo dizem a mesma coisa: Deus é luz, o mundo foi feito de luz, todas as coisas existentes no universo são condensações de energia luminosa. Inclusive nós mesmos. Por isso temos um espírito, que é pura luz. 
                                                                       
Essa é uma interessante concepção que nos dá muito o que pensar. Mas ela só pode ser expressa através de símbolos, metáforas e analogias. A mente humana cria essas figuras de linguagem para descrever coisas que a sua intuição sabe que existem, mas não consegue descrevê-las porque sua linguagem não tem elementos suficientes para fazer uma exata configuração delas.
A ciência também se utiliza dessas ferramentas linguísticas. Assim, os cientistas, por falta de um nome melhor para essa “energia dos princípios” que explodiu, dando origem ao universo conhecido, deram um nome ainda mais estranho para ela. Chamaram-na de Grande Singularidade, ou seja, uma região, ou um corpo, carregado de energia, que um dia, explodiu, dando início ao tempo e á matéria que preenche o espaço cósmico. E daí a visão científica do nascimento do universo através do fenômeno que eles chamam de Big-Bang.[2]
Dizem os cientistas que a explosão inicial liberou a energia que estava presa dentro dessa Grande Singularidade. Essa energia, espalhando-se pelo nada cósmico, deu origem ao universo físico. Desde então ele se encontra em constante expansão.  Essa expansão, todavia, não é aleatória nem descontrolada. A força da retração, que está presente em maior ou menor grau em todos os corpos materiais, faz com que as massas assim formadas se agrupem e formem sistemas.
Assim, no plano cósmico, os corpos menores são atraídos pelos corpos maiores e ficam presos em suas órbitas, girando em volta deles, formando os sistemas planetários. Estes, por sua vez, formam as galáxias, e estas as nebulosas, fazendo do universo uma espécie de organismo cósmico, com suas células, órgãos e sistemas.
A força da atração, que se traduz pela lei da gravidade, impede que o universo se torne um imenso caos sem sentido nem finalidade, como se fosse uma manada de bois estourada, correndo em todas as direções. Nasce dessa forma a organização cósmica, da mesma forma que a matéria bruta e a matéria orgânica também assim se organizam. É a ordem posta no caos. Ordo ab Chaos.[3]
A matéria bruta é feita de átomos, os átomos se juntam para formar moléculas e as moléculas se juntam para formar os elementos químicos. Da mesma forma, a matéria orgânica se forma a partir de células que se juntam para formar moléculas e estas se reúnem em sistemas. Todos com seus domínios e funções, da mesma forma que cada vida, humana ou animal, tem o seu domínio, sua função e sua missão na estrutura do universo. Essa é uma explicação lógica do universo físico, com a vida dentro dele, segundo uma fórmula estruturalista, que muito se aproxima da visão da Kabbalah.[4]
 
A versão bíblica de maneira nenhuma contrasta com as modernas teorias cientificas. Nesse particular a mística das religiões se alia ás modernas teorias científicas para cantar um dueto até bastante afinado.
Na verdade, o que seduz tanto os místicos quanto os cientistas é a ideia de que toda a matéria universal tem sua origem na luz. No principio do universo ─ nisso tanto a religão quanto a ciência concordam ─,  existia apenas a luz da grande explosão do Big Bang. Nesse estágio embrionário do Cosmos, aquilo que chamamos de massa ainda não havia se formado. Nada tinha peso ou qualquer outra qualidade que pudesse ser identificada com matéria. Todos os corpos que existem, existiram e existirão eram somente uma coleção de partículas subatômicas se movendo à velocidade da luz.  Um certo tipo dessas partículas formavam uma espécie de oceano invisível, um campo energético semelhante á massa líquida que existe na terra. Foi na interação com esse “oceano” que certas particulas, como os quarks (que formam basicamente toda a matéria universal, inclusive o nosso corpo), adquiriram massa e vieram a ser tornar o que conhecemos como universo físico.
Na força que os quarks fazem para atravessar esse oceano oleoso, dizem os cientistas, é que a massa física do mundo é gerada. Isso significa que sem esse “oceano primordial” não haveria matéria.[5]
                                                                                   
 Agora nos vem a notícia de que os cientistas podem ter descoberto a chamada “partícula de Deus” uma espécie de DNA do universo, ou seja, o elemento fundamental, uma espécie de “tijolo padrão do universo” que contém a informação primordial que nos permitirá saber como a energia se converte em massa.[6]
Há muito tempo que os estudiosos vêm estudando o chamado “bósom de Higs”, nome dado a essa partícula, cuja existência foi intuída pelo cientista Peter Higgs nos idos de 1964, quando ele e seus colegas estavam procurando provar a existência de “blocos padrões” na composição da matéria universal. 
    A notícia encheu de júbilo a comunidade científica e recebeu grande destaque em toda a mídia mundial, sendo publicada nos grandes jornais do mundo inteiro, como o Times de Londres, o New York Times, o Los Angeles Times, o Pravda de Moscou, o Estadão e o Globo no Brasil e outros órgãos da grande imprensa mundial. Essa, segundo quem entende do assunto, pode ser a maior descoberta da ciência física depois das Leis da Gravidade e da Relatividade.

“O bóson de Higgs não é apenas uma partícula”, disse o físico John March-Russell, do CEEN (Centro Europeu de Energia Nuclear). “Sua descoberta indica que existe um mundo totalmente novo lá fora e se conseguirmos entender como ele atua no universo, seremos capazes de responder como o universo está sendo construído”. [7]
 
A chamada partícula de Deus é um dos grandes tesouros da física nuclear. Sua existência foi intuída há mais de 40 anos e se tornou uma espécie de "Santo Graal" para os físicos. Na verdade, em termos científicos ela é apenas uma matéria ainda desconhecida, como as outras partículas que com ela interagem para formar o que conhecemos como massa. Não há nada de esotérico nela, nem a sua descoberta prova a existência física e incontroversa de Deus, como querem alguns escritores místicos. Até o apelido que lhe deram de “partícula de Deus” não guarda qualquer relação com uma prova material da existência de uma presença divina no mundo, pois esse nome foi cunhado quando o cientista Leon Lederman resolveu escrever um livro sobre o assunto. Lederman não tinha a menor intenção de conectar a sua tese com temas religiosos, tanto que pretendia chamar a tal partícula de “The Goddamn Particle” (A Partícula maldita), por causa da dificuldade que os cientistas tinham em identificá-la. Foram os editores de Lederman, por razões puramente comerciais, que resolveram mudar o nome dela. O livro foi publicado com o título “The God Particle (A Partícula de Deus) ao invés de “The Goddamn Particle.” O apelido pegou e  o "bóson de Higgs" começou a frequentar a imaginação dos teólogos de inclinação mística tanto quanto a dos cientistas que ainda esperam construir uma ponte entre a ciência e a religião.  
 
Isso é interessante. Foram gastos alguns bilhões de dólares para construir um gigantesco acelerador de partículas para ajudar os cientistas a comprovar a existência desse “grão de energia fundamental” que faz com que o universo se torne uma realidade material.  A descoberta dessa partícula foi confirmada como uma das maiores conquistas da ciência em todos os tempos. Ela mostra que o universo, antes da sua manifestação como matéria, era um “nada” dentro de um vácuo infinito, onde, no entanto, havia uma energia latente, prestes a manifestar-se.
 Assim como o DNA ─ estrutura que contém as informações estruturais da vida orgânica, tal qual a conhecemos ─  o bósom de Higs seria o DNA do universo físico, pois ele é que permite o surgimento da matéria física, preenchendo o imenso vazio cósmico. Essa partícula seria, numa expressão simbólica um tanto licenciosa, mas bastante expressiva, uma espécie de “ soft”, ou seja, o programa que contém as informações fundamentais para a construção física do universo. Por isso o apelido que lhe deram, de “partícula de Deus”.
 
Cientista é um bicho teimoso. Não importa que sua teimosia seja chamada de pragmatismo, racionalismo, positivismo ou qualquer outro nome que se queira dar a essa mania de querer prova material para tudo. E para isso leva anos e anos pesquisando, estudando, fazendo os governos gastarem bilhões de dólares em recursos para tentar provar aquilo que o espírito humano já sabe desde que o primeiro homem experimentou a sua primeira reflexão: que Deus existe e que é Ele, seja lá o que Ele for − uma entidade ou uma forma de energia − que dá existência a toda realidade cósmica.
Todos os livros sagrados do mundo estão a dizer isso: Deus é luz, o mundo foi feito de luz, todas as coisas existentes no universo são condensações de energia luminosa. Inclusive nós mesmos. Por isso temos um espírito, que é pura luz. 
Galáxias, estrelas, planetas, asteroides são condensações de luz. Como disse o físico Heisemberg, se a gravidade fosse retirada do universo, a luz também desapareceria e todo o universo desabaria sobre si mesmo.  E nesse mesmo sentido, Einsten deduziu que matéria é energia acelerada ao quadrado da velocidade da luz. (E = mc²).  Por seu turno Hawking nos mostra que existem no universo duas forças que regem a sua formação: a força da expansão, que faz com que o universo se expanda na velocidade da luz, e a força da contração, que faz com que as massas cósmicas se agrupem e formem os sistemas.  Essas duas forças se traduzem em duas leis: a relatividade e a gravidade.[8]
Os cultores da Kabbalah mística nos dão uma interessante visão desse processo. Eles mostram Deus como sendo uma extraordinária concentração de energia em estado latente, presente no vazio cósmico. Chamam á essa energia de “Existência Negativa de Deus”. Em dado momento, essa energia, em virtude dessa infinita concentração, “vazou” para além de si mesma. Então Deus manifestou-se em sua forma positiva. Mostrou o seu “Vasto Semblante”, criando o tempo, que é representado simbólicamente como o "Ancião dos Dias". Dessa forma, o universo material tornou-se a “Existência Positiva de Deus”, manifesta no tempo e no espaço.[9]
 
É uma boa teoria, como de resto todas as demais. Se é assim mesmo, não sabemos dizer, mas ela nos dá um sentido de unidade que amiúde não encontramos em nenhuma outra teoria, científica ou religiosa que se propôs a explicar como o universo é feito e com que sentido.
Talvez, se os cientistas não fossem tão teimosos, eles já teriam descoberto esse “bósom de Higs” na descrição que o cronista bíblico faz da criação do mundo e assim não precisaríamos gastar tanto tempo, fosfato e dinheiro para comprovar o que a intuição humana já sabe desde o princípio dos tempos. 
 
A Bíblia diz que no princípio Deus criou o céu e terra. A terra, porém estava informe e vazia e as trevas cobriam a face do abismo, e o Espírito de Deus movia-se sobre as águas. E Deus disse: exista a luz. E a luz existiu (...).
Um respeitado cientista, ao explicar a importância do bósom de Higgs para a formação da matéria universal, utilizou uma interessante comparação: “ele é como a água para os peixes”. Nesse sentido, a Bíblia diz, textualmente, que céu e terra (ou seja, o universo) nasceram com o surgimento da luz. A luz, portanto, foi a primeira manifestação da Existência Positiva de Deus (na linguagem da Kabbalah), e essa luz é resultado da fecundação que o Espírito de Deus promoveu sobre as águas primordiais (o vazio cósmico), como diz um belo poema gnóstico.
Tudo isso é intuição do espírito humano registrada na forma de símbolos e metáforas, porque a humanidade ainda não conseguiu desenvolver linguagem técnica suficiente para explicar os noventa e nove porcento do universo que ainda permanecem desconhecidos para nós.
É muito bom que os cientistas tenham descoberto (se é que de fato descobriram) o DNA do universo físico. Mas nada disso nos leva a uma compreensão do que realmente Deus é e qual o caminho mais seguro e correto para se chegar a ele. Isso porque o caminho para Deus nunca será desvelado no estudo do que é simplesmente material. Por isso é que a ciência jamais substituirá a filosofia (e dentro desta a teologia) na compreensão dessa parte oculta do universo, que é a sua porção espiritual.
Talvez a sabedoria humana necessite de um cientista, que também seja taumaturgo, para construir essa ponte. Mas enquanto isso não acontece seremos como a Israel bíblica a esperar o seu eterno Messias. Oxalá não ocorra, se um dia ele vier, (se é que já não veio), que a nossa teimosia pela “prova científica” nos impeça novamente de reconhecê-lo.

 
 
[1] Religiões reveladas são aquelas cuja doutrina supostamente foram transmitidas aos seus fundadores pela própria divindade. O judaísmo, o islamismo e o cristianismo são exemplos de religiões reveladas. Já o budismo, o taoísmo, a gnose, são exemplos de religiões metafísicas, pois seus pressupostos são deduzidos a partir de especulações filosóficas de seus fundadores e seguidores.
[2] Grande Singularidade: o corpo, ou fenômeno que deu origem ao universo antes do BigBang, ou seja a grande explosão . Termo utilizado por Steve Hawking em sua obra “ Uma breve História do Tempo”, citada.
[3] Ordo Chaos. Expressão latina que designa a organização que o universo sofreu depois que saiu da explosão do Big Bang. É uma expressão usada na Maçonaria para simbolizar a proposta maçônica de congregar numa única proposta filosófica, todas as diferentes concepções filosóficas e religiosas..
[4] Estruturalismo é o sistema filosófico que defende a tese de que a formação do universo se dá através de um processo que começou num grão ínfimo de energia (concentrado) e evoluiu para o imenso do cosmo (através de uma expansão). Da mesma forma, essa energia se concentra em sistemas e gera "universos interiores", entre os quais a vida. O principal defensor dessa teoria é o filósofo jesuíta francês Pierre Teilhard de Chardin.
[5] Folha de São Paulo, 1º de agosto de 2015
[6] Portal Terra- 4 de julho 2002
[7]Idem, Portal Terra, julho 2002
[8] Sthepen Hawking- Uma Breve História do Tempo,
[9]Vasto Semblante” e “Ancião dos Dias” são nomes metafóricos que a Kabbalah dá a Deus. “Existencia negativa” e “Existência positiva” designam a energia criadora de Deus, antes e depois da existência do universo físico.