Fundamentalismo

Os meios de comunicação vêm, há décadas, denegrindo os fundamentalismos; fazem isso porque, ao buscar a coerência, os fundamentalistas não se curvam ao poder, que os pune por isso. Por essa razão, gosto da ideia do fundamentalismo, embora deteste todos os fundamentalismos que conheço, explicarei.

“Fundamentalismo” significa, basicamente, coerência. É o que todos os fundamentalistas buscam: coerência. Nosso mundo se baseia em preceitos independentes dos das religiões, de modo que os religiosos quando entram em suas igrejas travestem-se em criaturas hipócritas, cultuando ídolos exóticos cabalmente opostos às vivências de seu dia a dia. Seria ridículo negar a dissociação evidente entre os preceitos pregados e cultuados nas igrejas, e os vivenciados cotidianamente. A incoerência entre os dois mundos é drástica e inegável.

Em vista disso, alguns religiosos, em busca de coerência, tornam-se fundamentalistas. A única coisa que diferencia um fundamentalista dos demais é o fato de tentar manter em sua vida cotidiana os preceitos pregados durante os cultos; gosto disso.

O resultado, no entanto, costuma ser lamentável, e por razão muito simples. As religiões mais comuns praticadas pelas massas no ocidente são absolutamente ridículas, não podendo ser levadas a sério. Têm que ser “interpretadas” com ampla liberalidade, ou se revelam francamente absurdas. A má fama dos fundamentalistas decorre, assim, de levar a sério os preceitos pregados por eles, de não agir de maneira francamente hipócrita.

Os religiosos contemporâneos vivem assim o seguinte dilema: ou se tornam uns hipócritas descarados, reverenciando uns ídolos absurdos a que eles próprios não dão a menor pelota, aos quais desprezam sem sombra de pudor durante toda a sua vida cotidiana, ou se tornam fundamentalistas, arrastando com eles todo o absurdo agregado aos preceitos professados.

Tenho, assim, uma franca simpatia pelos fundamentalismos. Esses absurdos consistem apenas em buscas pela coerência. O problema, assim, não reside nos fundamentalismos, mas no disparate das crenças professadas. O grande mérito do fundamentalista consiste em expor o absurdo de suas crenças.

Observação: há um tipo pseudofundamentalista que fica melhor caracterizado como “fundamentalista parcial”, ou, “fundamentalista tendencioso”. Esse tipo costuma se ater ao pior dos dois mundos. Escolhe, tendenciosamente, uns poucos preceitos, normalmente preconceituosos, e se aferra a eles agindo da maneira hipócrita usual com respeito a todo o resto. Esses são apenas lastimáveis.