Quanto aos método, a Cabala baseia-se em três processos originais de leitura conhecidos como gematria, notaricom e temura. A gematria consiste em aproximar duas palavras que tem o mesmo valor numérico no alfabeto hebreu. Como nesse alfabeto cada letra corrresponde a um número, as palavras formadas com as diferentes letras representam também um determinado valor e um significado, que variam segundo esse valor.
Assim, diversas palavras, formadas com as mesmas letras, podem ter diferentes significados. As letras da palavra Abraão, por exemplo, corresponde ao número 248, que também significa misericória, piedade, etc. Da mesma forma, as letras da palavra escada corresponde ao número 130 e significa, ao mesmo tempo, Sinai, subida, ascenção; barba, que em hebraico escreve-se hachad, é igual a 13 (a=1, ch=8, d=4) e o seu significado, nessa correspondência, é o mesmo de unidade.[1]
Baseado nessa transposição, os interpretes cabalistas da Bíblia deduziram que o significado da visão do patriarca Jacó teve em Betel assume uma noção de escalada iniciática, de ascensão espiritual, aperfeiçoamento contínuo, etc., que nos graus superiores Maçonaria do Rito Escocês é um simbolismo utilizado para representar a passagem do iniciado pelos diversos graus de elevação no catecismo maçônico. [2]  Esse simbolismo, conhecido entre os maçons como Escada de Jacó é uma das mais significativas alegorias da Maçonaria.[3] 
Já o notaricom é uma fórmula que permite construir palavras novas a partir das letras iniciais ou finais de uma frase. Também serve para construir frases inteiras a partir de uma só palavra, à semelhança de um acróstico na arte da poesia.
Quanto à técnica denominada temura, esta consiste na substituição de uma palavra ou letra por outra, de acordo com as combinações alfabéticas denominadas tsirufim. Dessa forma, uma palavra como Éden, por exemplo, pode assumir diversos significados, como corpo, alma, conhecimento, eternidade etc.
Assim, pelo uso de uma dessas técnicas, ou da combinação entre elas, a palavra hebraica Gan Éden (jardim do Éden), por exemplo, pode assumir diversos significados, tais como gouf (corpo) nefesh (alma), etsem (ossos), daath (ciência) e netsah (eternidade).[4] A propósito, essas duas últimas palavras também se referem á duas séfiras da Árvore da Vida.
 
Dessa forma, de acordo com os métodos da Cabala, há uma Bíblia que pode ser lida por qualquer pessoa culta e uma outra que só pode ser entendida pelos iniciados. É nesta última que está oculta a verdadeira sabedoria, ou seja, aquela que foi transmitida de forma oral á Abraão e confirmada pela transmissão á Moisés, no Monte Sinai, quando Jeová lhe ditou os Dez Mandamentos e os demais preceitos contidos na Torá.
Dessa maneira, cada palavra, cada símbolo, cada alegoria, cada parábola, cada nome tem o seu significado literal e um outro, que encerra um conhecimento de fundo esotérico ou moral. [5]
 
A estranha hermenêutica da Cabala tinha, como já se disse, a função específica de permitir aos iniciados na religião de Israel, a verdadeira interpretação da Bíblia e o desvelar dos segredos que se acreditavam estarem ocultos nos nomes dos personagens e lugares que fizeram a história da nação, e nas crônicas dos profetas que descreveram visões e acontecimentos importantes que compõem a saga desse extraordinário povo. Assim, para quem detém esse conhecimento, uma Bíblia inteiramente nova, com sentido completamente diferente emerge da leitura desse monumental livro. Nessa nova leitura tudo assume um novo significado e nada do que nele contém pode ser descartado á conta de ilusão, imaginação ou simples mitologia, como muitos historiadores fazem quando se referem á algumas passagens da Bíblia oficial.
Mas além dos motivos já relacionados, os cabalistas tinham um objetivo específico, que era a descoberta dos nomes secretos de Deus, seus anjos e demônios, para com eles estabelecer uma comunicação direta. Para eles essa era a verdadeira Gnose, o conhecimento que daria ao seu possuidor o controle do universo. Dessa crença se deduziram muitas fórmulas linguísticas que eram usadas para controlar certas situações da vida, como a aquisição da fortuna (abre-te sésamo), para afastar os demônios (vade retro Satanás); para fazer aparecer coisas (abracadabra) e para invocar a proteção divina (kimaleakav yetsave lak),[6] etc.
 
    Malgrado as diferenças existentes entre as duas disciplinas, algumas delas irreconciliáveis,  a Cabala e a Gnose, não obstante, compartilham de muitas coisas em comum.[7] Um dos domínios onde fizeram intercessão foi na prática da alquimia e principalmente, na crença de uma estrutura cósmica de um mundo feito por emanações divinas. Nesse sentido o mundo é como um edifício que é construído segundo leis físicas e morais, que regulam a edificação das estruturas material e espiritual do universo. Esse simbolismo, aliás, também é admitido na Maçonaria a partir da ideia de que o universo é erigido segundo um plano traçado pelo Supremo Arquiteto do Universo e construído pela ação de seus mestres (anjos) e pedreiros (os homens). [8]
    Como os gnósticos, os cabalistas medievais acreditavam na existência de uma divindade inacescível, indiferente e impossível de dar-se a conhecer pela mente humana, pois que depois de ter criado o mundo e provido leis definitivas para seu controle e evolução, dele se ausentou. Pois assim como diz a Bíblia, Deus, após ter completado o ato de criação, simplesmente parou de trabalhar.[9] Daí também o seu nome ser desconhecido e só poder ser grafado pelas quatro letras do Tetragrama sagrado (IHVH) que se traduz por IAVÉ, ou em português Jeová, palavra sagrada que só os iniciados sabem pronunciar.[10]
     Assim como os gnósticos viam em Deus uma energia, um Princípio que se traduzia em uma visão luminosa que se projetava a partir de um abismo sombrio, a Cabala o designava como uma Presença que se manifesta ao mundo em forma de energia luminosa, chamado EnSof. Essa presença, depois de manifesta, forma a Schekinah, presença divina no mundo, que é a sua parte feminina, o Primeiro Pensamento, a partir do qual se origina o universo propriamente dito. Forma-se assim, a trindade primordial, na qual EnSof é o pai, Schekinah é a mãe e o universo que dai se forma é o filho. [11]
  
     Destarte, como a Gnose concebe a construção do universo como sendo uma emanação de Deus na forma de eons, a Cabala hospeda essa mesma ideia, prefigurando essa construção através das emanações divinas representadas na Árvore da Vida.[12]
 
      A Árvore da Vida é um desenho mágico- filosófico que pretende descrever como Deus constroi o universo físico e espeitual através de suas emanações. Ela tem a forma de uma árvore, que projeta dez ramos, os quais simbolizam, cada um deles uma fase de construção do universo material, que também é refletida na formação orgânica e espiritual do homem. Por isso se diz que a Árvore da Vida é, ao mesmo tempo um desenho que representa a realidade cósmica, e o próprio homem enquanto modelo de criação. Essas emanações recebem o nome de séfiras(sephirots).
      Na moderna Cabala filosófica as séfiras podem ser interpretadas tanto como leis naturais, ou energias criadoras, como podem ser lidos como estados de consciência a determinar a formação moral ou espiritual do homem. Ou seja, podem ser lidas tanto microcosmicamente, do ponto de vista do homem, como macrocosmicamente,quer dizer, do ponto de vista do universo em geral. Os modernos cabalistas, que utilizam a Árvore da Vida como ferramenta de análise psicológica e fórmula de auto-ajuda,dizem que elea deve ser lida de cima para baixo quando se trata de interpretar a ação divina na construção do universo como um todo, e de baixo para cima quando a intenção for a de entender a estrutura e o papel do homem nesse processo.
     Nos capitulos seguintes falaremos com maior pormenor sobre a estrutura e o significado dessa fantástiva intuição dos mestres cabalistas, mas por ora será bastante dizer, para melhor compreensão do tema, que a Árvore da Vida começa com a Séfira Kether, a chamada coroa da criação, primeira emanação da essência divina no mundo, a causa primeira de todas as coisas. Ela aparece na forma de uma centelha brilhante, pura luz, infinita e ilimitada. Daí vai descendo, como um raio flamejante,  pela estrutura da Árvore, cujos ramos (séfiras) vão se formando por ação do influxo recebido dessa primeira séfira, e vão se comunicando ás séfiras seguintes, as quais, por sua vez, comunicam seus próprios influxos umas ás outras, de cima para baixo e de baixo para cima, através dos trinta e dois caminhos que ela apresenta.
Assim, de cima para baixo, a Árvore da Vida. torna-se cada vez mais densa, representando a realidade material. E de baixo para cima ela se torna cada vez mais etérea, sutil, representando a realidade espiritual. Como veremos em capítulos posteriores, essa formidável intuição cabalista guarda muitas semelhanças com modernas teorias cientificas que explicam a criação do universo, e também com respeitadas correntes de pensamento que veem o universo como uma construção sendo estruturada por forças que agem de dentro para fora (expansão) e de fora para dentro (compressão).[13]
 
     A Árvore da Vida é desenhada com dez emanações visíveis e uma invisivel (Daath).
     Essas dez emanações, que podem ser entendidas como sendo os atributos da divindade, distribuídos em cada etapa da criação universal, tanto material quanto espiritual, são a Coroa, (Kether), a Sabedoria (Chokhmah), a Inteligência (Binah) a Grandeza (Hesed), a Justiça (Gueburah), a Beleza (Tifheret), a Eternidade (Nethsat), a Glória (Hod), o Fundamentos (Yesod) , o Reino (Malcuth). Essas dez emanações do divino formam as chamadas séforas, que contém todos os fundamentos pelos quais a matéria cósmica é formada. Elas são a inteligência pura de Deus, manifestada em cada fase da vida do universo, cada uma delas independente e indivisível, porém formando um conjunto único. Assim, árvore sefirótica é a representação cósmica da criação, e entendê-la em toda sua completude significava ter a visão completa de todo o processo pelo qual o universo está construído.

      Como veremos no decorrer deste trabalho, a Maçonaria irá trabalhar com essas idéias no desenvolvimento do seu catecismo moral e também no simbolismo que é representado na estrutura do seu templo e na distribuição dos oficiais e dos adereços que compõem a sua estrutura geográfica. 
 
[1]Sobre o siginificado cabalístico do Salmo 133, que se refere à barba de Aarão e a razão desse salmo ser invocado na Maçonaria na abertura dos trabalhos da Loja Simbólica, vide a nossa obra oTesouro Arcano, Madras, São Paulo, 2013.
[2]Gênesis, 28:12- Na Bíblia hebraica essa visão estabele a chamada Vaitsê, que se refere á obrigação do devoto de ofertar a Deus um dízimo ( a décima parte) de tudo quanto Deus lhe der na vida.
[3] Vide a nossa obra Mestres do Universo, citada.
[4]Paul Vuliou, citado por Alexandrian, História da Filosofia Oculta, pg. 81
[5] Por isso, Abrão, um nome comum entre os caldeus, ao ter acrescentado um “a” ao seu nome, torna-se Abraão, o Pai de uma multidão. Êxodo, 17:4
[6] Numa tradução livre essa expressão poderia ser lia como “ enviará seus anjos para te ajudarem”.
[7] Uma das diferenças fundamentais entre a Cabala e a Gnose é o fato de a Gnose ser uma disciplina bem mais democrática do que a Cabala. A Gnose procura fazer uma síntese do pensamento religioso existente nos primeiros séculos do cristianismo enquanto a Cabala, originariamente, tinha como meta provar a supremacia do judaísmo sobre a demais religiões. Hoje esse enfoque mudou, mas em princípio esses dois fundamentos tornavam as duas disciplinas inconciliáveis.
 [8] Veja-se a esse respeito, a nossa obra “Mestres do Universo”, publicada pela Biblioteca 247- São Paulo 2011.
[9]“E Deus abençoou e santificou o sétimo dia, porque nele cessou toda a sua obra, que Deus criara para fazer”- Bíblia Hebraica, Exôdo, 2;3
[10] Vide a nossa obra Mestres do Universo, citada.
[11] A intuição de que o mundo é obra de uma trindade é arquetípica, como veremos no decorrer desta obra. Em praticamente todas as crenças religiosas encontraremos algo semelhante como sendo a origem de todas as coisas.
[12] Éon ou aeon do grego αιών (aión), na filosofia gnóstica, são entidades emanadas de Deus, geralmente em pares, conhecidas como Sizígias, formando uma espécie de “oceano primordial” chamado Pleroma. São simbolismos que designam energias universais, ou no conceito religioso, “entidades”, que, por suas ações, são responsáveis pela construção do mundo físico e espiritual. O éon mais conhecido na mitologia gnóstica é chamado de Sophia.
[13] Uma dessas correntes de pensamento é a tese defendida pelo filósofo jesuíta, o francês Pierre Teilhard de Chardin. Veja-se, a esse respeito sua obra fundamental, O Fenômeno Humano, publicada no Brasil pela Ed. Cultrix. Para uma síntese desse pensamento ver a nossa obra “Conhecendo a Arte Real”, publicada pela Ed. Madras, 2008.