CARNAVAL , QUANDO O ENREDO É O “PRECONCEITO”

"Ô abre alas que eu quero passar...pensando"

Meu presente pensamento nasceu quando ontem, num jornal televisivo, eu ouvia um querido e renomado pensador discorrer sobre o tema “marchinhas de carnaval”, assunto que se ancorava no evidente resgate cultural dos antigos carnavais, esse belo movimento que vemos acontecer pela recente história da festa paulistana.

Muito bem.

Ali se falava algo muito interessante do ponto de vista antropológico e cultural, porque, para quem gosta da festa como eu, que já gostei muito mais, se percebe claramente que no Carnaval, mesmo conceitualmente sendo a festa pagã da “carne”, há um essencial movimento dual e antagônico, algo de “anjo” e algo de “demônio”.

No tempo do meu carnaval, eu sempre vesti a singela fantasia dos céus, aquela que sempre veste e aconchega as artes.

Era o meu sentimento a expressão social humanística daquele meu contexto individual de vida.

Pela História do Carnaval se pontua claramente os tais períodos das suas personalidades distintas e concomitantes: as do das ruas, das boates intimistas, das avenidas, dos clubes familiares, principalmente das matinês, a dos bares pelas rodas do contagiante “samba de raiz”, enfim, de certa forma todos eles nos contando dos carnavais da VIDA.

Na minha adolescência eu adorava ver o movimento da festa no meu clube de Bairro, todavia, certa vez no meio da pista , me peguei pensando:”mas por que será que a gente roda, roda, roda... quatro noites sem parar, pelo mesmo espaço do salão, sem muita finalidade, sem nunca sair do lugar?

Comecei achar aquilo meio bobo...só porque pensei: pensar sempre tem seu preço.

Bem, sempre adorei música e as marchinhas me contagiavam.

Mais a frente, as escolas de Samba me apaixonariam pelo seu conteúdo de arte sincrética admirável unida à mullti-tecnologia de ponta e pelo instrumento da festa Carnaval como alto grito social. Apenas isso.

Mas , quanto às marchinhas , obviamente que eu não parava para pensar no conteúdo letrado delas, naquela minha época eu sequer sabia o que era “preconceito” porque estava inserida no contexto axiológico cultural da minha época, do meu meio familiar, como sempre é, e obviamente que temos que analisar os recados das marchinhas a os trasladar para a sua inserção social do contexto da época..

O pensador de ontem nos chamava a atenção para o conteúdo “racista’ e “homofóbico” que algumas marchinhas dos antigos Carnavais poderiam sugerir.

Citou duas: O clássico de Lamartine Babo, “o teu cabelo não nega mulata porque és mulata na cor, mas como a cor não nega mulata, mulata quero teu amor” e a composição de João Roberto Kelly “Olha a cabeleira do Zezé Será que ele é? Será que ele é?Será que ele é bossa nova?Será que ele é Maomé?Parece que é transviado Mas isso eu não sei se ele é!Corta o cabelo dele!”

Digo que cantei essas marchinhas na minha infância toda...e nunca senti sequer uma gota de preconceito dentro de mim. Pelo contrário.

Interpreto a primeira como uma ODE à maravilhosa cor da mulata, um enaltecimento à mulher tida como uma das belas do planeta.

Como ter preconceito por quem, na letra, se pede amor?

E a segunda marchinha a entendo como um apontamento bem humorado à possibilidade duma condição biológica...apenas diferente.

Eu poderia citar , a exemplo, a "CORAÇÃO CORINTHIANO".

Decerto que, pelos nossos tempos, transplantar um coração corintiano num paciente palmeirense, mesmo se salvando a vida dele, seria questão de processo por injúria. Inclusive se fosse ao contrário.

Ou ainda, os cabeludos fariam uma passeata na avenida Paulista reivindicando o "não preconceito" só porque há uma marchinha que um dia cantou ao mundo que "é dos carecas que elas gostam mais?"

Na Grécia, político havia de ser ilibado por conceito, hoje é reverente, algo respeitoso e admirável, se ser corrupto, e por aí vai...

Hoje, com a sociedade politicamente insuflada-mas muito violentamente dividida em tudo-!pelo igual respeito às diferenças que nos faz cada vez mais diferentes, dizer que o ZEZÉ poderia ser Maomé, apenas pela citação antropológica da outrora moda dos cabelos longos aos homens, decerto que estaríamos sujeitos às mesmas bombas que atacaram a Charlie Hebdo.

Concluo meu ensaio com o seguinte pensamento: vivemos num mundo difícil porque a linha que separa a liberdade de expressão artística do preconceito se afinou demais.

Em nome do combate aos preconceitos de toda sorte negamos nossa identidade cultural exatamente como recentemente aconteceu com a obra de Monteiro Lobato, e muito claramente algemamos nossa liberdade de expressão simplesmente pelo medo de sermos mal compreendidos...e inclusive processados pela “indústria das difamações preconceituosas” que rende lucros e equívocos jurídicos imensuráveis..

O que precisa ser repensado é o fato de que preconceito não se inventa, embora se plante, porque é um vício da alma.Ele vem pronto.

Precisamos é trabalhar melhor o ser humano no seu meio e “educação lato senso” também é instrumento de inclusão social e de purificação fraternal dos entendimentos do todo.

Enfim, é mais um Carnaval...aonde dizem que tudo é possível e liberado.

Liberemos a Paz entre nós.

Feliz marchinha de vida para todos, sempre livre de quaisquer preconceitos, posto que, na avenida do tempo ,somos vários personagens, todos absolutamente de mesmo enredo e de mesma apoplética, desconhecida e inesperada apoteose.

Sigamos, ao menos quatro dias, narcotizados pelas avenida das dores, para o grito apoteótico da felicidade que termina logo ali, na quarta- feira de todas as nossas fênixs.