Um Brilho no Farol

Um dos mais importantes elementos históricos do litoral sul brasileiro são os faróis que estão dispersos ao longo da orla. Referências fundamentais para os navegadores tornaram-se marcos na paisagem onde foram alocados, como o exemplo da cidade de Torres/RS que acabou batizando uma de suas elevações rochosas de Morro do Farol. Conhecida como Torre Norte, foi o palco da histórica Vila de São Domingos das Torres, o centro administrativo colonial e a construção do Forte São Diogo das Torres em 1777 e a igreja matriz em 1824. No seu cume existia o cemitério da vila até meados do século XX. Como um símbolo turístico é um dos locais mais visitados durante a temporada de verão e no inverno. Do alto o panorama se descortina à leste com a vastidão do oceano Atlântico e a Ilha dos Lobos, à norte com a vista parcial da cidade e seu bloco homogêneo de prédios e a foz do Rio Mampituba, o quebra-mar e os faroletes. No sentido oeste, a tranquila Lagoa da Violão, a imponente Serra Geral, os canyons suas reentrâncias e o planalto e ao sul, uma exuberante paisagem da Praia da Cal, o Morro das Furnas que pertence ao Parque José Lutzenberger e ao longe os campos de dunas do Parque Estadual de Itapeva (PEVA) limitados pelos bairros de entorno, o São Francisco, o Guarita (Arroio) e o Porto Alegre (Dunas). Os tênues limites da urbanização e as áreas preservadas promovem um cenário singular e para os mais atentos trazem um tempero de sensibilidade ao olhar em que a preocupação com os impactos socioambientais torna-se um desafio para os gestores e a população em geral. Há 114 anos foi implantado o primeiro farol que foi sendo sucedido ao longo do tempo. O emblemático farol da década de 1950 tem arquitetura única envolto em mosaico de azulejos brancos sendo o terceiro a ser construído e o quarto fica no topo da torre das antenas cujo funcionamento está temporariamente cancelado. O livro “Os Faróis de Torres” do autor Roberto Venturella tem informações detalhadas sobre a sucessão, equipamentos e construção dos quatro faróis. As intempestivas noites de neblina ou em céu estrelado de lua cheia, o brilho do farol inundava a cidade como um feixe de luz sobre as casas iluminando os sonhos dos torrenses e sinalizando esperança da terra firme aos navegantes. O farol já não brilha mais e suas paredes externas são vandalizadas pelos pichadores e sua estrutura interna está abandonada e ociosa. Um mirante que não recebe visitações, apenas dos dependentes químicos que invadem o local. Na última quinta-feira do mês de julho, um grupo de ativistas resolveu remover as pichações do histórico farol. Participaram da ação o oceanógrafo Geraldo Medeiros (Espaço Mar/ Jamboo Turismo), o ambientalista Paulo França (Preserve Torres), o artesão Marconi P. Valim ( Associação Farol e Centro Cultural Ecos de Angola) que já realizou inúmeras atividades voluntárias de limpeza no farol, o historiador/ pesquisador Leo Gedeon (DEFENDER- Defesa Civil do Patrimônio Histórico) acompanhados pelo bombeiro Leonardo Canabarro e seu filho Oto. Paulo França recitou e animou a ação com seus poemas em defesa da cultura popular e do meio ambiente e levou um protótipo de sua exposição intitulada “Artes Anal”, uma crítica ao modelo desenvolvimentista que agride e destrói os mananciais naturais ainda existentes. Durante a tarde do dia 28/07 os ativistas promoveram a remoção das pichações e a limpeza da área externa e de entorno do farol procurando sensibilizar as pessoas para ações comunitárias de valorização do patrimônio histórico e natural. Assim como o descaso com o farol, nas imediações o grupo lamentou o abandono do Prédio do Grupo Escolar e Colônia de Férias construído na década de 1930. O Morro do Farol é um sítio de relevância histórica para o litoral norte e merece um projeto de gestão que recupere, restaure e revitalize essas áreas. Uma reunião de amigos que tem afeto por seus monumentos e cultivam amor e carinho por sua terra clamam para que o brilho do farol traga conhecimento e sabedoria para preservar o patrimônio cultural em meio as trevas da ignorância e a cegueira pelo poder político e ambição pelas riquezas econômicas. Um dia o pensamento, no outro a ação, pois só preservamos aquilo que conhecemos e o futuro que está logo ali, cobrará caro daqueles que optaram pela omissão.

Publicado no Jornal Litoral Norte RS e Jornal A Folha/Torres.

Leonardo Gedeon
Enviado por Leonardo Gedeon em 04/08/2016
Código do texto: T5719019
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.