As Mal-Afortunâncias

O Sermão da Montanha, conhecido por carregar o vínculo entre a religião e a filosofia ocidental, da maneira como foi transcrito, apresenta uma inexplicável incongruência formal, especificamente no trecho chamado “As Bem-aventuranças”. Não se trata de uma falha em seu conteúdo ou em seu conceito geral, mas sim uma desconexão hermenêutica com o restante dos ensinamentos passados naquele momento. Isso, pois, aponta-se um conjunto de causas e feitos sempre demonstrando o resultado positivo advindo de uma ação que seria imediatamente vista como negativa e, com base na estrutura de exemplo e imediato contraexemplo comumente utilizada pelo doutrinador, era de se esperar que tal ensinamento viesse seguido da contrapartida em que ficaria demonstrado o efeito negativo de uma ação aparentemente positiva.

Vimos, portanto, apresentar um apócrifo ou um transcrito daquilo que dizem ter sido ouvido. Aquilo que possivelmente foi passado aos presentes, mas acidentalmente perdido nas traduções. Não se trata da palavra de Deus e, tampouco, profecia de qualquer espécie, pois, se assim fosse, já constaria nos livros sagrados ou seria cantado pelos grandes e abençoados profetas. Tudo que aqui se transcreve são palavras transmitidas, no tempo, pela boca do homem comum, lembrando que, da mesma maneira que costuma falhar a nossa percepção de uma ideia, também está fadada ao fracasso a nossa capacidade de transmissão da mesma.

Assim, resta o texto completo:

"Jesus, vendo a multidão, subiu a um monte e, assentando-se, aproximaram-se dele os seus discípulos; E, abrindo a sua boca, os ensinava, dizendo:

Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus;

Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados;

Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra;

Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos;

Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia;

Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus;

Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus;

Bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus;

Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por minha causa.

Porém, vendo a confusão nos olhos de seus discípulos, Jesus continuou a ensinar:

Não esperem passivamente e se digam completos. Em sua prepotência, creem caminhar para a salvação quando, em verdade, tornam-se incapazes de usar as próprias pernas;

Ouçam meus irmãos e minhas irmãs,

Mal-afortunados os espirituosos, porque deliberadamente se privam da realidade;

Mal-afortunados os que sorriem, pois, ao fazer, fecham os olhos para o próximo;

Mal-afortunados os esforçados, pois acreditam estar construindo um belo futuro quando somente postergam a imprescindível decadência;

Mal-afortunados os justos, pois abraçados em suas engessadas certezas, abandonam a necessária ponderação da realidade que rodeia cada um de nós;

Mal-afortunados os misericordiosos, quando crerem que tal misericórdia será suficiente;

Mal-afortunados os crédulos, quando acreditarem que a pura crença os tornarão limpos de coração;

Mal-afortunados os vencedores, porque vencem em prol de seu ego e suprimem suas verdadeiras vontades;

Mal-afortunadas as vítimas, pois serão eternamente vítimas;

Mal-afortunados sois vós, quando se sentirem injuriados, quando perseguirem em nome da justiça e, em meu nome, fizerem todo tipo de mal ao seu próximo.”.

Élio Cury Benazzi
Enviado por Élio Cury Benazzi em 09/08/2016
Código do texto: T5723858
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