Ando meio sem tempo.

Não tenho mais tempo para minhas leituras favoritas. Todos os livros que adquiri estão lá, cobertos de pó na prateleira, juntamente com mais alguns que tive o prazer de ganhar. Vez em quando passo o espanador sobre eles, na tentativa de que eles não morram asfixiados, na esperança de que eles me esperem, até que eu volte a ter tempo para ler cada uma de suas histórias.

Sei bem que em cada livro tem um punhado de personagens interessantes me esperando; em cada um deles guardam-se histórias e relatos de pessoas bem sucedidas, que poderiam me entusiasmar e me estimular a tentar coisas novas. Mas eu ando meio sem tempo, vou ter de adiar esse primeiro passo. Enquanto isso meus livros continuarão todos lá, empoeirados pela solidão.

Não tenho mais tempo para fazer meu doce favorito... E não se trata de nada muito complicado, não é uma daquelas compotas complexas da vovó, em que eu precise descascar as laranjas finamente, com muita precisão e delicadeza, também não preciso deixar as cascas em repouso numa vasilha com água até o dia seguinte – o que me exigiria um tempo que não tenho. Meu doce preferido é brigadeiro de colher – simples; rápido e prático - como exige a correria da vida moderna. Minhas avós não sentiriam orgulho da minha receita. Mesmo assim, ando meio sem tempo, nem me recordo quando saboreei meu doce preferido pela última vez.

Não tenho mais tempo para brincar com meus filhos. Chego em casa, já exausta, após um dia em que senti vontade de xingar meu chefe – ele cobra prazos e metas, esquece que sou apenas humana. Os clientes estavam todos à beira de um ataque de nervos. E eu, mesmo sentindo vontade de chutar o balde, tive de contornar a situação.

Vou para casa e não tenho paciência para as brigas “tolas” das crianças, para as disputas para ver quem chega primeiro... Não quero brincar, não tenho tempo para um passeio na praça, não tenho tempo de fazer com eles aquele bolo de cenoura com cobertura de chocolate, tampouco aqueles biscoitos que eles tanto amam, com formatos de estrelas e coração. Ando meio sem tempo, passo no supermercado e pego aquela lasanha congelada que eles fingem que adoram, e que saboreiam calados em frente à televisão.

Ainda ontem senti vontade de assistir um filme, faz dias que me falaram sobre ele, disseram que tem um ator maravilhoso no papel principal e que talvez ele seja indicado para o Oscar de melhor ator. Passei em frente a locadora, não tinha lugar para estacionar, se eu parasse no quarteirão mais próximo, isso atrasaria o jantar, eu tinha milhares de coisas para fazer quando chegasse em casa. O filme vai ficar para outro dia, quando eu tiver com mais tempo.

Semana que vem, a Aninha faz aniversário, ela é uma daquelas amigas que está sempre cuidando de todo mundo. Faz o estilo “mãezona”, tem sempre uma palavra amiga, um ombro fraterno para nos acalentar. Combinamos de fazer uma festa surpresa para ela, mas nesse corre-corre, resolvemos fazer uma vaquinha e comprar um presente mesmo. Todo ano a gente pensa numa festa surpresa para ela, mas acaba comprando um sapato ou uma bolsa – que ela gosta; e que é bem menos trabalhoso que organizar uma festa, e quem é que tem tempo hoje em dia?

A verdade por trás de todas essas histórias, é que temos compromissos 24 horas por dia, e nenhum compromisso com a nossa realização pessoal. Os dias estão se encurtando, e não sabemos o que tirar de supérfluo do nosso dia para dedicar as coisas que realmente nos dão prazer. Planejamos tanto a nossa agenda de trabalho e não planejamos um tempo para nós mesmos.

Vivemos insatisfeitos, mas não temos a ousadia de pausarmos e começarmos algo em prol da nossa real felicidade. A vida precisa de pausas, às vezes, pequenas pausas nos bastam. É que as correrias do dia-a-dia nos cegam, é preciso apertar a tecla pause para voltar a nossa configuração original de lucidez.

Mas pausar exige coragem, não é fácil abrir mão da famosa desculpa da falta de tempo. E a verdade é que quando a gente quer muito mesmo uma coisa, a gente arruma um tempo, a gente coloca como prioridade e dá um jeito de realizar. A agitação é que nos confunde, vivemos sem tempo, ao mesmo tempo em que achamos que temos a vida toda para viver. E nessa contradição deixamos tanta coisa para depois, como se de escravos do tempo nos tornássemos donos dele e soubéssemos quanto do nosso tempo ainda há. Quanta ilusão!